Sucessora do Tintin não. January Jones. | JUDAO.com.br

Em entrevista ao JUDÃO, o ilustrador holandês Eric Heuvel, criador da personagem, fala sobre sobre suas influências, a escolha por um traço mais limpo e rejeita o rótulo de “sucessora de Tintin”

Década de 1930. Pelos céus da Europa, voa uma heroína. Mas ela não tem superpoderes. Na verdade, a bordo de um avião Havilland Comet, ela parece mais uma mistura de Indiana Jones e Tintin, uma espécie de precursora da Lara Croft, lutando contra nazistas e desvendando conspirações em tramas que misturam ficção e fatos históricos. O nome dela é Jones. January Jones.

Criada em 1986 pela dupla holandesa Martin Lodewijk (roteirista) e Eric Heuvel (ilustrador), January já teve álbuns publicados na Holanda, Portugal, Bélgica e França. Agora, chega pela primeira vez ao Brasil, na graphic novel January Jones – Corrida Contra a Morte, primeira INCURSÃO da Avec Editora no mundo dos quadrinhos europeus. Na história, a jovem pilota um carro durante o famoso Rali de Monte Carlo.

“Para ser honesto, nós nunca imaginamos que esta série pudesse atravessar o oceano”, afirma Eric Heuvel, em entrevista ao JUDÃO. “Pelo que sei, fomos descobertos por um fanático por quadrinhos aí do seu país, que levou a sugestão para a editora e aí eles tomaram a iniciativa de nos procurar”. Mas Eric conta que sempre se interessou pelo nosso País. “A história que acabei de finalizar, que estará no álbum de número 8, mostra a January na China – e acho que as aventuras dela na Ásia continuam no número 9. Mas o próximo, o 10, pode muito bem se passar por aí, na América do Sul. As chances são grandes”, diz.

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A coisa de ter histórias que misturam humor e investigação, ambientadas em diferentes países do mundo, claro que causa comparações imediatas com a obra do quadrinista belga Hergé. Alguns críticos até se apressaram em colocar sobre January Jones o peso de uma declaração como “a sucessora de Tintin”. O próprio Eric, apesar de se declarar fã de Hergé, renega totalmente o rótulo. “Não, estes são sapatos grandes demais para calçar. Eu e Martin não queremos ser sucessores de ninguém. Só estamos empolgados em contar uma história neste estilo das linhas claras”.

Do francês Ligne Claire, que rapidamente ganhou a tradução em inglês The Clear Line, o termo “linhas claras” foi cunhado em 1977 pelo igualmente holandês Joost Swarte, cartunista que usava linhas claras (!) e fortes em seu traço, todas da mesma largura e sem hachuras. O contraste é mínimo, assim como as sombras, e as cores fortes ajudam na mistura de personagens mais cartoon com um fundo realista. Não demorou até que “ligne claire” fosse usado para caracterizar a obra de Hergé e demais nomes da tal “escola de Bruxelas”, como Edgar P. Jacobs, Bob de Moor, Roger Leloup e Jacques Martin. “Na verdade, foi o Martin que sugeriu que eu tentasse levar a arte para este lado”, conta Eric, lembrando que o parceiro não é apenas seu colega de trabalho, mas também uma espécie de mentor, 21 anos mais velho e igualmente um desenhista com álbuns de sucesso publicados na Europa. “Pra mim, o primeiro volume da January Jones foi um grande treinamento. Eu nunca frequentei nenhuma escola de arte e sou totalmente autodidata”.

Até aquele momento, seu estilo de desenho era mais influenciado por desenhistas da MAD como Mort Drucker & Jack Davis e por nomes europeus com uma pegada mais realista como Moebius.

Para Eric, no entanto, a escolha não só fez muito mais sentido para o tipo de história que eles queriam contar, mas também para o seu próprio desenvolvimento como artista. “Você tem que começar a olhar com mais atenção e contar o que realmente precisa com uma única linha, sem exageros”.

No atual momento em que se discute fortemente a questão da diversidade nos quadrinhos e o papel das mulheres como personagens de mais destaque, o artista fica feliz em ver que sua January Jones seja uma mulher forte, decidida, que pensa por conta própria e sem ter que depender de um homem. “E ainda sem ser explorada na história sob um ponto de vista sexual”, relembra. “Ela trabalha duro como piloto de testes, em um mundo que ainda é essencialmente masculino. Lembremos que a história se passa nos anos 1930”.

Ele e Martin não tinham isso em mente quando ela foi criada no final dos anos 1980. “Eu simplesmente queria trabalhar com uma heroína, até porque não existiam muitas naquela época”, afirma. Dizendo que espera que January ajude na questão da discussão do empoderamento feminino, Eric ainda relembra que ela foi moldada com base em nomes reais como Amelia Earhart, a pioneira da aviação dos EUA e defensora dos direitos femininos.

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Embora se orgulhe do sucesso internacional de January Jones – que já foi traduzida para finlandês, norueguês, alemão, francês, espanhol e português, entre outras – ele diz que não se empolga tanto com a atual onda de adaptações de HQs para os cinemas, porque sabe que sua personagem ainda precisaria percorrer um caminho longo para chegar até as telonas. “Mas, nunca se sabe, sempre existe demanda por conteúdo diferente, não é?”.

Se isso acontecer algum dia, talvez January Jones já tenha até uma intérprete ideal: January Jones, a atriz de Mad Men que inclusive viveu a Rainha em Branca em X-Men: Primeira Classe. “Eu não tive a chance de conhecê-la pessoalmente ainda, mas é interessante ver que existe uma January Jones de carne e osso andando por aí. E quando a nossa JJ em 2D foi concebida, esta JJ em 3D tinha apenas 9 anos de idade”.

Para o autor, a grande pergunta é: será que ela sabe que existe uma personagem de HQs com o seu nome? “E será que ela nos processaria por causa disso?”, brinca.