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8 de janeiro de 2015
Etcetera

#JeSuisCharlie

Doze pessoas foram mortas porque ousaram o que outras pessoas acham errado. Isso é muito errado. E não enxergar o problema também.

Você deve saber o que aconteceu em Paris, que por acaso fica no mesmo mundo em que eu e você vivemos, numa cinzenta e sombria tarde de terça-feira (7/1), abrindo de maneira monstruosa o ano de 2015. Três homens armados invadiram o escritório da tradicional revista de humor Charlie Hebdo, um bastião editorial do país, o equivalente ao nosso lendário Pasquim, e mataram 12 pessoas. À queima-roupa. A sangue frio. Sem piedade.

Entre as vítimas deste ato bárbaro, além de dois policiais, estavam o editor da publicação e cartunistas como o brilhante Georges Wolinski, 80 anos, um dos papas dos cartuns de ácido tom crítico, influência declarada para nomes como o nosso Laerte, por exemplo. “Seria como se alguém entrasse na redação de um jornal brasileiro e matasse, de uma só vez, o Ziraldo, o Jaguar, o Millôr, o Henfil...”. Foi desta forma que alguém descreveu o atentado nas redes sociais. Faz todo o sentido.

A Charlie Hebdo já tinha sofrido ameaças antes, em especial por suas charges retratando o profeta Maomé. Além de processos judiciais e ameaças de morte, em 2011 o prédio chegou a ser incendiado. Stephane Charbonnier, o editor, vivia sob proteção policial. E mesmo com a circulação pequena e as baixa nas vendas, eles continuavam colocando fogo em suas críticas cada vez mais furiosas e enfurecedoras. Pequenos sujeitinhos teimosos e resistentes, como uma certa aldeia de gauleses.

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Juro que não sei direito o que pensar. Mas sei, com toda a honestidade do mundo, o que NÃO pensar.

Não, quem matou aquelas 12 pessoas não foram “estes malditos muçulmanos”, como alguns imbecis pareceram querer acreditar em mensagens indiscriminadamente postadas nas redes sociais. Foram três maníacos assassinos. Não jogue a responsabilidade sobre uma religião. A responsabilidade é dos assassinos. E ela não pode ser amplamente generalizada. Porque nos próximos dias, semanas, meses, talvez até anos, os milhões de muçulmanos pacíficos que vivem na França (ou nos EUA, ou no Brasil) já serão responsabilizados por um crime que não cometeram e do qual discordam. Qualquer mulher que sair às ruas com um véu será vista como uma assassina em massa potencial.

Barbudo, narigudo, turbante? Vish...

Não, quem motivou a morte daquelas 12 pessoas não foi “a maldita religião de Alá”, como alguns imbecis pareceram querer acreditar em mensagens indiscriminadamente postadas nas redes sociais. Foram um bando de bastardos extremistas. Ah, você acha que a religião deles é a “errada” e a sua é a “certa”? Nem vou lembrar dos cavaleiros templários, aqueles mesmos que chacinaram milhares de pessoas na Idade Média em nome do Deus que está na sua Bíblia cristã. Basta apenas recordar toda a argumentação boçal dos Bolsonaros e Felicianos da vida. Eles falam em nome de Deus, e não de Alá.

E ainda tem aqueles que falam em nome de ditadores, times de futebol... Extremistas são perigosos SEMPRE, creiam eles na entidade que for.

Não, aquelas pessoas não “mereceram morrer porque não souberam respeitar a religião alheia”, como alguns imbecis pareceram querer acreditar em mensagens indiscriminadamente postadas nas redes sociais. Elas morreram porque estavam na mira de um bando de bastardos extremistas. Porque extremistas são cegos e consideram um inimigo potencial qualquer um que NÃO pense da mesma forma que eles. E esta postura radical está longe, mas MUITO longe, de ser exclusiva daqueles ligados de alguma forma à religião. Extremistas estão em toda as partes. Até na sua família. Talvez até você seja um deles.

Já leu a área de comentários de algum portal?

Não, aquelas pessoas não “mereceram morrer porque este é o destino de quem fica tirando sarro dos outros”, como alguns imbecis pareceram querer acreditar em mensagens indiscriminadamente postadas nas redes sociais. Elas morreram porque estavam na mira de um bando de bastardos extremistas. E nada justifica a violência. Nada. Rigorosamente nada. Concorde você ou não com a opinião deles ou com o tipo de humor que faziam.

Não é hora de discutir “os limites do humor”, aliás. Ainda mais se você foi um dos que esteve do lado da “liberdade de expressão” no caso do #SonyHack. Lembra do retrato cinematográfico que tanto enfureceu o ditador norte-coreano em A Entrevista? Aqui é rigorosamente o mesmo xeque-mate. E os problemas e questionamentos devem ser exatamente os mesmos. Era uma piada, virou ato terrorista e o que pode acontecer a partir daí é uma incógnita.

Liberdade de expressão não deve ser discutida. Porque ela existe ou não. E pronto.

Existe para que tudo e todos possam ser questionados, criticados, analisados. Não importa o quão santos ou divinos você acredita que eles sejam. Liberdade de expressão não combina com sede de sangue. Liberdade de expressão não combina com ódio. Liberdade de expressão não combina com vingança.

Liberdade de expressão não combina com nenhum tipo de silêncio.

Por vezes, um humorista pode exagerar, pode fazer um piada ruim, infantilizada, questionável. Claro que pode. Alguns, sob a desculpa do humor, podem até apelar para a escrotidão. Cruzar a barreira do respeito. E, como parte desta tal liberdade de expressão, o tal do questionador pode também ser questionado. E deve. Sob a ponta do lápis, num teclado, com um microfone, seja como for. Mas nunca sob a mira de uma bala.

kissing_hebdo A equipe da Charlie Hebdo faz parte de uma longa tradição revolucionária da imprensa francesa. Já criticou utilizando a sagrada imagem de Maomé, mas já fizeram o mesmo com papas, freiras, políticos, reis... Ninguém jamais escapou da ponta certeira de seu lápis. Ainda que algumas de suas escolhas tenham sido questionáveis, racistas, xenófobas e/ou homofóbicas, nada justifica.

Nada e nem ninguém.

Doze pessoas foram brutalmente assassinadas. Foi isso que aconteceu. Fique com esta informação. Neste exato momento 12 famílias estão sofrendo por terem perdido seus entes queridos de maneira tão brutal, tão cruel, tão banal. Nossos pensamentos vão pra eles, mas vão também pra esse mundo em que vivemos.

No fim do ano passado, ameaças de um grupo hacker fizeram com que mais de 40.000 salas de cinema cancelassem a exibição de um filme. O que doze mortes podem acabar fazendo?

Juro que não sei direito o que pensar. Nem o que dizer. Mas este é um daqueles momentos em que o meu silêncio vale ouro. E o seu também. O amor, como diz aquela capa da Charlie Hebdo, é maior do que o ódio. Tem que ser.

Eles não podem vencer.