J.K. Rowling e os Ativismos dentro da Cultura Pop | JUDAO.com.br

J.K. Rowling bloqueou no twitter uma galera que reclama da escalação de Johnny Depp em Animais Fantásticos, feita meses antes das histórias de violência doméstica surgirem. Não dá pra dizer que ela não se preocupa com justiça social e quaisquer coisas assim, especialmente PRA ELA…

CuriousCat é um negócio divertido. É um daqueles sites de Q&A que existem aos montes por aí, mas com gatos. Ajuda a passar o tempo e variar os assuntos, respondendo o que a galera — na maioria anônimos — quer saber.

No geral, são perguntas que poderiam ser feitas aberta e tranquilamente no Twitter (pelo menos no meu caso, que sou homem), mas acredito que a anonimidade (!), ou os avatares de gatíneos espaciais, tire muita gente da toca.

Numa dessas madrugadas da vida, respondendo questões, surgiu uma interessante. Tão interessante que, quando me dei conta, a resposta tinha virado mais uma dissertação e parecia muito mais interessante de ser respondida aqui no JUDÃO. Perguntava o gato curioso: “Não sei qual sua ‘ideologia’ econômica, mas não é meio frustrante qndo vc percebe q o capitalismo é qm realmente rege a cultura pop e q os ativismos dentro dela parecem só servir pra ganhar dinheiro das minorias?”

Na sequência havia o link pra um tweet de uma menina que foi bloqueada por J.K. Rowling depois de questionar — usando uma notícia em que a escritora afirma que Johnny Depp fez “coisas incríveis” pelo seu personagem de Animais Fantásticos e Onde Habitam — o apoio a questões de justiça social e o fato de que ela, agora, poderia fazer alguma coisa “realmente”, mas não fez.

Primeiras coisas primeiro, querido gato curioso: a probabilidade de que aquilo que você vê no cinema, na TV, na internet, livros e gibis ter sido feito pensando no dinheiro é gigantesca. Pode não ser em lucro, pode ser só pra poder fazer outros, pode ser beneficente ou simplesmente caça-níqueis — o amor à arte é caro demais pra não ser feito com alguns cifrões em mente.

No caso de enormes corporações — Warner, DC, Disney, Marvel, HBO, Netflix — a probabilidade é de mais de 100%. De um jeito ou de outro, o conteúdo produzido é pensado no quanto poderá render aos acionistas.

Nada de errado por aqui, veja só. Não é porque visa o lucro ou algum dinheiro que o conteúdo é automaticamente ruim ou de menor valor, são as idéias que ele carrega. É nessa hora que a arte entra em cena, podendo fazer com que o mundo caminhe pra frente, sempre e sempre, mesmo aos trancos e barrancos e algumas boas moedas no bolso.

Primeira imagem de Johnny Depp como Grindelwald

Primeira imagem de Johnny Depp como Grindelwald

Johnny Depp vai interpretar o adulto Gerardo Grindelwald, o grande vilão do mundo bruxo antes da existência de Tom Marvolo Riddle, o Lord Voldemort, nos filmes baseados em Animais Fantásticos e Onde Habitam. “Vai”, afinal tem mais jeito de mudar.

Entendo perfeitamente as reclamações. Quem viu as fotos da ex do ator, Amber Heard, foi atrás do caso, viu vídeos e tudo mais, pode pensar que ele tenha sido premiado com o papel, justamente numa história escrita por J.K. Rowling, que advoga tão abertamente sobre direitos humanos e justiça social. Só que as filmagens do primeiro filme acabaram em Janeiro, com as informações sobre o caso de violência doméstica surgindo apenas em Abril. Quando eu digo que ele VAI interpretar Gerardo Grindelwald, eu quero dizer que ele JÁ interpretou.

Eu já desisti de Johnny Depp há um tempo, quando ele só era mesmo um ator que essencialmente fazia diversas versões de um mesmo personagem — e, pior de tudo, era contratado pra isso. As histórias com a Amber Heard foram só a gota d’água e eu quero mais é que ele se foda, tanto no pessoal quanto no profissional, já diria o rei das Faustanetes.

Porém, contudo, entretanto, todavia, precisamos pensar também em como, e quando, essas reclamações estão sendo feitas. Além de o contrato ter sido assinado antes das notícias, as primeiras cenas também foram gravadas antes... Não é como se fosse possível (ou sequer fizesse sentido) cancelar o que já havia sido feito, jogar fora o contrato, reunir o elenco, escalar um novo ator e etcetera.

Como diriam os MAROTOS, malfeito, feito.

Por trás da @JK_Rowling não existe a Sibila Trelawney, sim a Joanne, pessoa física. Esteja ela presa ou não por um contrato que a impeça de discutir escalação de atores (até agora, ela apenas elogiou o ator, sem discutir exatamente a escalação — nossa amiga Natália Engler, do UOL, esteve na junket do filme em Nova York e afirmou que não havia nenhum tipo de recomendação sobre o que perguntar ou não mas, sendo uma coletiva de imprensa, ninguém acabou perguntando. E como nem todos tem a chance...), a quantidade de tweets reclamando do Johnny Depp como Grindelwald pode acabar atrapalhando e incomodando a presença online da escritora.

Vai lá no dicionário e procura o significado de abuso, eu espero. Percebeu que ela não significa a mesma coisa que “liberdade de expressão”, né? :)

Pensa em você. Um dia ruim, frustrante, no meio desse que parece ser um dos piores anos da história da humanidade, alguém começa a reclamar sobre alguma coisa que não necessariamente você tem controle. Toda hora vem um tweet, um tom INQUISIDOR, ameaçando de boicote ou acusando de compartilhar uma ideia errada... O block é um alívio. Pessoal.

As reclamações vão continuar, mas tirar aquilo da sua frente naquele momento poderia ser só o que ela precisa pra chegar até o fim daquele dia, dormir e continuar.

Os ativismos dentro da cultura pop servem, sim, pra ganhar dinheiro das chamadas minorias — a Marvel tá aí pra não nos deixar mentir. Mas essa é uma parte (importante, é verdade) da cultura pop. Existe a outra, da arte, da representatividade. Da criança negra que pode olhar para o Homem-Aranha ou Ironheart e se enxergar. Da menina muçulmana que se identifica com a Kamala Khan. Com a gordinha que pode fazer um cosplay sensacional de Faith, ou a Barbs de Stranger Things que agora vê uma real possibilidade de interpretar a Garota Esquilo...

E por aí vai.

Foi o tal do capitalismo que transformou desenhinhos nuns quadradinhos em grandes propriedades que servem de exemplos REAIS de vida para as pessoas brancas e é o mesmo capitalismo que está transformando outros desenhinhos em grandes propriedades que servem exemplos reais de vida para OUTRAS pessoas.

O mesmo capitalismo que escala Tilda Swinton como Anciã no filme do Doutor Estranho e tantas outras coisas, que cala ideias e pode até comprar o silêncio de J.K. Rowling que, apesar de produtora do filme, pode não ter poder suficiente pra vetar escalações de atores, o que a colocaria numa posição horrível se por acaso reclamasse. Imagina então cortar algo que já foi gravado?

Mas ela, pelo menos, pode escrever histórias — que podem dizer muito mais sobre o que realmente se passa na sua cabeça. Mas, não se esqueça: J.K. Rowling é apenas e tão somente humana. E como tal...

Atualizado em 15 de Novembro de 2016, às 22h37
Adicionada a informação sobre a junket do filme (inicialmente, questionávamos a recomendação ou não de que nada sobre isso fosse perguntado, o que não foi o caso) e também sobre o fim das gravações do filme, que ocorreu em Janeiro de 2016, com as primeiras informações sobre violência doméstica surgindo apenas em Abril do mesmo ano.