Ou: “o papel que a cultura pop ocupa na vida de uma pessoa pode ser maior e mais valioso do que você imagina”.
Em plena San Diego Comic-Con, a coisa mais comum de se encontrar são pessoas fantasiadas. É o grande momento da vida de fãs de todo o mundo. Nesta sexta (10), tem painel de Star Wars: O Despertar da Força, então, putz, o que não vai faltar são stormtroopers de todas as cores e com todos os tipos de adereços, trajados dos pés à cabeça, rodando pra lá e pra cá em busca da Força de JJ Abrams.
Mas dá para dizer, sem muita dúvida, que nenhum deles é mais especial do que Kevin Doyle, 57 anos.
Natural de Minnesota mas atualmente residindo em São Francisco, o ilustrador e fotógrafo começou a chamar atenção nos arredores de San Diego enquanto cruzava, caminhando, a Coast Highway 101 devidamente trajado com um uniforme completo de stormtrooper.
Fanático por Star Wars desde que se entende por gente, ele ia sendo saudado por corredores, ciclistas e motoristas enquanto seguia na reta final dos mais de 1.000 quilômetros que cruzou a pé desde a cidade de Petaluma, no condado de Sonoma, de onde saiu no dia 6 de junho a partir do Rancho Obi-Wan, uma espécie de museu dedicado à saga.
Foi mais de um mês de caminhada, encarando sol forte, chuva, ventania, terrenos acidentados – com um único objetivo: honrar a memória da esposa falecida.
“Eileen faleceu, mas a memória dela não”, afirma Doyle, em entrevista ao jornal The Coast News. “Você é mesmo um bobão”, costumava dizer a mulher, tão geek e tão fã de Star Wars quanto ele, em tom de brincadeira. Mas Doyle diz que ainda costuma lembrar da frase, agora com um sorriso no rosto, principalmente nos momentos finais de sua jornada. Uma jornada que começou em 2009, quando ele a pediu em casamento vestido de Darth Vader. E que se seguiu quando, em 2010, na cerimônia de casamento realizada no quintal do casal, foi um R2-D2 quem trouxe as alianças.
O homem caminhou carregando um carrinho com algumas provisões básicas. Em alguns pedaços do caminho, acampou. Em outros, preferiu descansar em um hotelzinho local. Colegas locais do 501st Legion, fã-clube oficial da saga de George Lucas, chegaram a oferecer-lhe um local para ficar. Mas, na maior parte do tempo, ele preferia continuar andando. “A roupa até que é confortável”, chegou a dizer.
Sua esposa morreu em novembro de 2012, vítima de um câncer no pâncreas. Desde então, Doyle afirma que não chegou a reencontrar a sua fagulha criativa – essencial para um sujeito que ganha a vida fazendo ilustrações para cards da Topps. “Quando ela morreu, eu lutei muito para tentar lidar com a perda”, conta, em entrevista ao The San Diego Union Tribute. “Eu me tornei autodestrutivo e minha arte sofreu com isso. Eu espero poder encontrar a cura para ser criativo e trabalhar daquela mesma forma novamente”.
A ideia da caminhada surgiu repentinamente, quando visitava a Califórnia à convite do amigo Steve Sansweet. Sabia que estaria no museu e pensou: “putz, e se eu der uma passada na Comic-Con, lá em San Diego?”. Jogou a distância entre Petaluma e San Diego no Google Maps e o resultado foi... 501 milhas. O mesmo número que dá nome ao fã-clube do qual ele e a mulher faziam parte desde que se conheceram. “Quando você perde alguém, você procura coisas assim. Pra mim, foi como se ela me dissesse que era algo que eu tinha que fazer”.
Além de colocar seus próprios sentimentos/pensamentos em ordem, Doyle usou o momento para chamar atenção e levantar fundos para a Eileen’s Little Angels, organização sem fins lucrativos com o objetivo de doar lençóis, bandanas, livros de colorir e pelúcias para crianças lutando contra o câncer – e todos com desenhos de sua esposa, que era ilustradora.
À medida em que os veículos de comunicação descobriram a sua história, conforme ia se aproximando de San Diego, as pessoas se comoveram e resolveram parar para conversar – e Doyle confessa ter ficado surpreso com a resposta que recebeu.
“Fui abordado por pessoas que estão lutando contra o câncer ou são sobreviventes da doença, pessoas e suas famílias que só querem conversar e me agradecer pela exposição que estou dando ao assunto”, conta. “Algumas vezes elas querem apenas parar e me dar um abraço. Estou andando para honrar a minha esposa mas não tinha ideia que as pessoas iam tornar esta uma jornada pessoal para elas também”.
Com a ajuda da Lucasfilm, o amigo de Doyle, Steve, conseguiu para o andarilho um passe de quatro dias na Comic-Con – enquanto seus camaradas da 501st Legion descolaram uma hospedagem tranquila em um hotel. Mas para voltar pra casa, ele planeja uma coisa diferente do que uma caminhada: a ideia é pegar um trem. “Voltar bem devagar, tendo algum tempo só pra mim”.
Retornando para São Francisco, uma de suas ideias é planejar uma passeata de dezenas de stormtroopers em plena ponte Golden Gate, chamando atenção para a sua ONG. “Vejamos o que vai acontecer depois”, afirma. “Eu meio que prefiro deixar isso como um livro aberto para mim”.
A cultura pop ajudou a unir um casal. E agora a cultura pop está ajudando um sujeito a se encontrar novamente depois de perder a pessoa mais importante da sua vida.
Não é só por causa de um filme. Ou de um bando de tropas alienígenas e naves espaciais. Mas por causa da magia. Da magia que une pessoas. A magia da menos importante das coisas mais importantes – e que faz a gente se lembrar do quão importantes são as coisas que importam DE FATO.
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