O Regresso: Leonardo DiCaprio vai levar o Oscar. Mas não merecia. | JUDAO.com.br

A premiação de melhor ator deveria ser entregue ao Leo de 2004 – mas é o Leo de 2016 que vai receber mesmo. E por uma performance cheia de sangue, suor e saliva em um filme beeeeem irregular.

Eu penso que o Leonardo DiCaprio vai ganhar o Oscar por seu papel em O Regresso. De verdade. É a minha aposta sem qualquer dúvida. Só que ele vai finalmente ganhar o seu (ou o nosso, já me confundi) tão desejado careca dourado, aquele que vinha merecendo tanto, aquele que enfim vai acabar com os memes, justamente por uma atuação que não merece ser premiada como “a melhor do ano”.

Mas nem de longe.

O prêmio virá pelo “conjunto da obra”, do jeitinho que a Academia adora. DiCaprio deveria ter levado por O Aviador (2004), Diamante de Sangue (2006) ou O Lobo de Wall Street (2013). Não levou. E os membros votantes muito provavelmente vão tentar corrigir este equívoco do único jeito que sabem.

Não que DiCaprio esteja horrendo em O Regresso, vejam bem. Mas sabe aquela coisa que todo mundo vinha falando a respeito de sua performance ser mais física do que verbal? De fato, ele fala muito pouco mesmo, ainda mais depois de ter a garganta praticamente destroçada depois daquela tal cena da luta com o urso. Sua interpretação deveria consistir da força do olhar. Só que não é o que acontece.

O que DiCaprio apresenta aqui é uma coleção de ARFADAS, respirações pesadas, sussurros e múrmurios de quem está lutando pela vida. Tá bom, ele se arrastou pelo gelo e pela neve em temperaturas congelantes, comeu peixe cru, fígado de bisão, dormiu numa carcaça de cavalo, tudo isso enrolado numa pele de urso. Foda. RESPECT. Mas isso não ajuda em nada a construir um bom personagem. Isso não é, necessariamente, o que marca o trabalho de um bom ator.

Você sente o sofrimento do DiCaprio, submetido a estas AGRURAS, a estas situações extremas. Do ator, da pessoa física. Mas não o sofrimento de Hugh Glass, o caçador de peles que, em 1823, é atacado e brutalmente ferido por um urso no meio de uma expedição no que seria o território de Dakota. O cara que é deixado para trás por John Fitzgerald, seu companheiro de jornada, o homem que ele presenciou matar seu próprio filho. Glass não apenas sobrevive, como se mete em uma jornada de mais de 320 km no meio da neve em uma busca por vingança. Isso deveria estar estampado na tela, deveria mexer com você, querido espectador. Mas não mexe. Porque falta alma ao personagem. Falta personalidade, falta você sentir empatia por ELE e seu drama.

É quase como se você estivesse assistindo a um episódio de NO LIMITE, sabe? Vocês conhecem o Les Stroud, o Survivorman? O cara é incrível, né? Puta respeito por tudo que o camarada faz nas florestas longínquas onde resolve se meter, no meio da nevasca, em meio a desabamentos. Mas ele é um especialista em sobrevivência. Não um ator. DiCaprio, em O Regresso, foi muito menos ator e muito mais um sobrevivente como Stroud, cujo registro foi contornado por um roteiro baseado em uma história real. Mas, até onde eu sei, a estátua é oferecida ao “melhor ator”, não?

Em comparação, por exemplo, as performances de Michael Fassbender em Steve Jobs e de Bryan Cranston em Trumbo são escolhas mais justas do que este DiCaprio versão 2016. Muito mais INTERPRETAÇÃO, muito mais construção de personagem. Pô, até mesmo o parceiro de elenco dele em O Regresso, Tom Hardy, o traidor Fitzgerald, entrega uma atuação mais forte, poderosa, consistente, do que a do próprio Leo. É um vilão cheio de camadas, que você odeia mas cujos motivos te fazem pensar “caralho, e se fosse comigo?”. Hardy merece, de verdade, carregar o Oscar debaixo do braço diante de seus concorrentes como “melhor ator coadjuvante”. O mesmo Tom Hardy que, em Mad Max, tem pouquíssimas falas, mas diz muito apenas com o jeito de olhar, com a forma de caminhar. Como DiCaprio deveria ter feito.

Mas os velhinhos branquelos da Academia amam uma história de superação pessoal, né? ;)

O Regresso

No final das contas, mais do que DiCaprio, mais do que Hardy, a grande estrela de O Regresso é a fotografia EXUBERANTE de Emmanuel “Chivo” Lubezki. Parceiro habitual do diretor Alejandro G. Iñárritu, ele transforma o cenário em personagem. Os momentos de maior força emocional que atingem a plateia em cheio se devem ao sol saindo por trás das árvores no momento certo, a neve derretendo das folhas, as sombras que a fogueira forma ao redor de um ambiente inóspito. Tudo isso passando a mensagem certa na hora certa.

É graças a ele que você sente a dor, a angústia, o sofrimento, a força de vontade. As facas dos caçadores cortam fundo e arrancam dedos. As flechas dos indios penetram fundo e espalham sangue no branco da neve. Mas quando o plano abre e vemos aquele cenário vazio, é que realmente sentimos fundo a sensação de solidão de Hugo Glass.

Mesmo assim, o poder do trabalho de Chivo não consegue mascarar uma fraqueza nítida do filme: o timing bastante irregular. A parada começa com uma sequência inicial de tirar o fôlego, uma cena de batalha monumental entre os caçadores de pele e uma tribo indígena que está em busca de uma integrante desaparecida, na qual Iñárritu faz quem está assistindo praticamente caminhar ao lado de sua câmera pelo meio do sangue e dos gritos. Perfeito. Mas depois que Glass é abandonado e precisa iniciar sua jornada de sobrevivência, a coisa dá uma ligeira desandada.

A trama tem picos de pura adrenalina, com sangue e tripas espalhados pela tela sem dó nem piedade. Mas eis que eles são devidamente alternados com loooooooongos momentos em que nada acontece, nos quais você fica se ajeitando na cadeira enquanto o cineasta usa e abusa do direito de ser Terence Malick, bem na pegada O Novo Mundo. É tudo incrivelmente lindo. Mas chato demais. Um documentário do National Geographic resolveria melhor – e em menos tempo.

O Regresso não é um filme ruim. Mas não é nem de longe algo tão ousado como o Birdman de Iñárritu. E nem tem um protagonista tão interessante quanto o Howard Hughes que DiCaprio viveu sob a batuta de Martin Scorsese.

Mas, afinal, quem foi que disse que o mundo das premiações cinematográficas era justo, não é mesmo? :D