Logan: a morte de um conceito? | JUDAO.com.br

Símbolo máximo dos anti-heróis, Wolverine sai de cena na Marvel em uma era na qual a raiva pela raiva parece cativar cada vez menos leitores

E eis que, recentemente, a Marvel promoveu a morte do Wolverine, um dos x-men mais populares de seu panteão. O movimento já era esperado por quem acompanha a cronologia gringa, especialmente depois que um vírus (?) vindo do microverso (??) atacou o organismo do baixinho canadense e fez seu fator de cura parar de funcionar. Foi a deixa para que inimigos do seu passado viessem cobrar suas dívidas.

Honestamente, não faz qualquer diferença descobrir quem diabos matou o Wolverine. Não poderíamos nos importar menos – até porque sabemos, em se tratando da dobradinha Marvel/DC, que este é o tipo de situação que deve durar pouco. Mas o caso aqui é como a coisa toda foi conduzida. O roteirista Charles Soule, responsável pela série que atende pelo nada sutil nome de Death of Wolverine, usou a oportunidade para criar um verdadeiro tributo ao personagem, retomando seu passado e explorando suas múltiplas facetas – lobo solitário, samurai, mercenário, guarda-costas, agente secreto, experimento do governo, professor, mutante – e, com a derrocada de sua excepcional capacidade de regeneração, colocar sua fragilidade sob os holofotes.

Ou seja: a grande graça da morte do Wolverine é justamente desconstruir o seu lado mais selvagem, a sua cara mais durona. É arrancar de vez esta camada meio Dirty Harry.

A Morte do WolverineO momento não poderia ser mais apropriado. Porque estamos justamente numa encruzilhada na qual se questiona aquela tão bem-sucedida estética apelidada de grim ‘n gitty (em tradução quase literal, “sombrio e urbano”), tão em voga nos quadrinhos de super-heróis dos anos 1990. Quando Frank Miller restaurou o lado mais sombrio do Batman com seu O Cavaleiro das Trevas, jogando por terra as piadinhas e a pancinha do Bruce Wayne da série dos anos 60, um verdadeiro movimento tomou conta dos criadores. “É preciso explorar aqueles personagens que habitam as sombras”, deve ter sido a palavra de ordem nas redações das grandes editoras. Os paladinos heróicos de moral inquestionável viraram “capitães fraldinha” que não tinham mais graça. Superman e Capitão América ficaram tristes e foram jogar xadrez na praça.

Logan rapidamente virou o símbolo dos X-Men – desenhado por Jim Lee, músculos saltados, dentes cerrados, garras afiadas brilhando, rasgando carne e arrancando sangue de quem cruzasse seu caminho. A atitude rebelde e desafiadora, caminhando na linha fina entre o herói e o vilão, virou uma febre. Violência vendia. Na Marvel, ele e parceiros como o Justiceiro e o Demolidor viraram figurinhas carimbadas em tudo quanto era gibi da linha, só pra garantir vendagens adicionais. Todd McFarlane colocou na área uma versão babona e cheia de dentes do Homem-Aranha, que atendia pelo nome de Venom. No meio da galera dos mutantes, Rob Liefeld despejou tipos como o Cable, o Shatterstar e o Deadpool, todos armados até os dentes. Quando Lee, McFarlane, Liefeld e toda a turma partiram para construir a sua Image Comics, os personagens tinham esta mesma pegada – pensem no Spawn, pensem no Shadowhawk, pensem no Youngblood. Tudo na medida certa para cativar as necessidades de testosterona da molecada da época. Subia o nível de sangue e suor, os músculos aumentavam, as veias explodiam...e o cérebro das histórias decaía na mesma proporção.

Por sorte, esta fase parece ter passado. O atual leitor de quadrinhos de heróis aparenta ter mais interesse no cinza, naquela zona entre o preto e o branco, tratada com mais sutileza e menos pólvora. Prova disso é o sucesso de sagas como Guerra Civil (Marvel) e Crise de Identidade (DC). O que ambas têm em comum? O fato de que são estudos delicados das peculiaridades das pessoas que se escondem SOB as máscaras. Suas angústias, seus sonhos e pesadelos, seus amores e amizades, suas frágeis alianças aparentemente imperceptíveis. A principal decisão de Guerra Civil tomada por uma preocupação com o bem-estar de seus entes queridos; a grande “vilã” de Crise de Identidade ser uma civil tomando uma decisão extrema baseada apenas no amor (do tipo obsessivo, é verdade).

Este tipo de tratamento passou a influenciar, obviamente, tudo que viria dali pra frente. Por muito tempo tratado como um personagem de uma única camada, Logan foi aos poucos sendo desconstruído. A editora, inteligentemente, foi adicionando mais e mais camadas de significado ao Arma X. Descobrimos o seu passado – e vimos que James Howlett, na verdade, era um frágil menino rico que foi, digamos, amaldiçoado com uma mutação que o forçou a crescer basicamente sozinho. Ele perdeu Charles Xavier, seu grande referencial ideológico – e viu o aluno querido, o favorito do professor, iniciar um processo violento de questionamento, de revolta com aquele modelo, praticamente assumindo o papel que outrora foi de seu mais radical opositor (Sai Magneto, entra Scott. Caem as cortinas).

Sem Xavier, sem Ciclope, bingo, o fardo de cuidar da educação de uma nova geração de genes X, guiando-os no caminho da paz entre humanos e mutantes, coube ao “eterno xará”. Isso mexeu com a cabeça de Logan. O guerreiro feroz e sem limites, sem piedade, sem passado e sem perspectiva de futuro, tendo que educar crianças e se preocupar com seu amanhã. E aí vem este lance do fator de cura, aquele que lhe permitia ter uma confiança imensa em si mesmo, que lhe fazia atravessar um tiroteio sem camisa e sair do lado de lá todo estiloso, de chapéu de caubói e barba por fazer... Tudo indo pelo ralo. O herói passou a se repensar. E tanto os roteiristas quanto os leitores passaram a repensar o herói.

A morte do Wolverine, conduzida do jeito que tem sido, é a cereja no bolo deste processo de “humanização” de Logan, de sua transformação em um herói (ou anti-herói, que seja) de fato tridimensional.

A Morte do Wolverine

Gozado perceber que, na esfera cinematográfica, o Wolverine acabou ficando pelo meio do caminho. A Warner/DC decidiu construir seu universo nas telonas com base nos tijolos de “realidade” fundados pela bat-trilogia de Christopher Nolan – reparem no Homem de Aço de Zack Snyder, um Clark Kent que está mais próximo das sombras do Morcegão do que da luz brilhante de sua contraparte de papel. Do outro lado, está a Marvel, que optou por embarcar na galhofice. Os filmes, por mais tensos que sejam, SEMPRE têm espaço para o humor. Sempre. Ou então são experiências completas de pura zoeira sem limites, como é o bem-sucedido caso dos Guardiões da Galáxia.

Temos ainda a Sony, que fez um primeiro Espetacular Homem-Aranha tentando ser mais Christopher Nolan, sentiu que o caminho não era aquele, optou por um tom talvez um pouco mais leve e piadista no segundo filme e acertou – embora saibamos que parte do público que é leitor de HQs discorda desta afirmação. Mas, enfim, o papo aqui não é este.

O fato é que, no meio do caminho, está a Fox. E no epicentro da parada, está o Wolverine. Um Wolverine que não é raivoso, fúria em estado bruto, violento e sem piedade como nos gibis dos anos 1990. Mas, tampouco, é um Wolverine com algum tipo de matiz que lhe permita um mínimo de profundidade, de humor, de sutileza. É só um cara de costeletas e jaqueta de couro. Tá bom, o Hugh Jackman é gente boa pacas. E funcionou nos dois primeiros X-Men do Bryan Singer. Mas em seus filmes solo, quando teve que mostrar a que veio, rapaz, foi uma tragédia. Por sorte, em X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, ele não passou de um mero coadjuvante para a discussão que realmente importava, entre Magneto, Xavier e a Mística.

Wolverine_Hugh

Nem lá, nem cá: desculpa por tudo, Hugh

Obviamente, eu, vocês e até o porteiro aqui do meu prédio que erra o meu nome todos os dias quando a gente troca nossos “bom dia”, sabemos que o Logan vai voltar da terra dos pés juntos. Quanto a isso, dúvida zero. O lance é: depois de tantos questionamentos sobre a própria mortalidade, COMO ele vai voltar? Nas mãos de um roteirista talentoso, esta é a oportunidade ideal para que tenhamos um Wolverine menos “vou te matar” e mais “quero te matar, mas isso vai zoar com os meus miolos”. Um pouco do que fez Ed Brubaker com o Capitão América pós-11 de setembro, dando-lhe tamanha relevância, desvendando o soldado por baixo do uniforme bandeiroso, que acabaria influenciando a temática, o tom geral, do melhor filme de super-heróis do ano (Capitão América 2, dã).

E que este Wolverine mais, sei lá, humano, verdadeiro, real, ajuda a influenciar o Wolverine das telonas. Nada pessoal, Mr. Jackman.