Pra ser rainha, não basta mais apenas ter um coração rebelde | JUDAO.com.br

Novo disco da Madonna é um dos seus melhores em muitos anos… mas será o suficiente para continuar lhe garantindo um trono ameaçado?

Houve uma época em que o lançamento de um disco da Madonna era mais do que um simples lançamento de disco. Era um verdadeiro evento pop.

Ao lado do saudoso Michael Jackson, o Rei, a diva ocupava o trono de Rainha do Pop e, portanto, surgir com um novo álbum significava muito. Não tinha quem não falasse sobre o assunto.

Era Madonna pra tudo que é lado. A mídia e os fãs ficavam de joelhos e aguardavam ansiosos pelo que ela tinha a dizer (ou cantar).

Madonna tornou-se ícone e parte da história da cultura pop. Bom... os tempos mudaram. O caso é que, nos últimos anos, a rainha do pop vem correndo sério risco de virar história.

Resumidamente, é assim: Madonna continua sendo uma artista pop brilhante. Do tipo que, no palco, dá aula para as aspirantes. Mas o caso é que ela não é mais um fenômeno, um evento, uma coisa única.

Ela se tornou MAIS um fenômeno dentre tantos outros. E Rebel Heart estreia sendo APENAS um disco.

Parte disso acontece, bom, porque ela não é mais única MESMO. Ainda mal saídas das fraldas musicais, a dupla Britney Spears e Christina Aguilera nem chegou a dar tanto trabalho assim. Ambas reverenciavam Madonna de tal forma que, naquela já lendária apresentação durante os VMAs, se entregaram à cantora em um beijo duplo de fã para “ídola”.

Mas agora? A disputa está acirradíssima pelo posto de diva pop nos corações dos fãs. Se outrora Maddie era uma verdade incontestável e derrubava rivais como Cyndi Lauper com uma simples rebolada de quadris, hoje ela tem que disputar atenções com superproduções do calibre de Beyoncé, por exemplo. Rihanna. Todas lotando estádios por conta própria. E Lady Gaga, sim, por que não? Gostem os fanáticos ou não, Gaga construiu uma estrutura e uma base de fãs tão sólida que, bom, ela é definitivamente uma competidora bem mais difícil de derrubar do que Lauper foi um dia.

Gaga é uma metralhadora de hits pop. E dos mais potentes. Nas pistas de dança dos points mais hypados, é possível passar horas ouvindo Gaga sem que Madonna toque nos alto-falantes uma única vez. Gaga é polêmica, bocuda, tem um lado meio roqueira, abusa dos figurinos extravagantes, faz das tripas coração em pleno palco, em meio a luzes e explosões. Mesmo os redutos LGBT, dominados desde sempre por Madonna, passaram a abrir um espaço cada vez maior para Gaga entrar. E se estabelecer.

Sabemos que as jovens cantoras como Ariana Grande, Miley Cyrus e mesmo Katy Perry são #TeamMadonna desde criancinhas. Elas a tratam como se ainda fosse uma rainha. Mas a audiência pop de Madonna envelheceu. E enquanto o público mais velho se derrete toda vez que Miss Ciccone abre a boca, os fãs mais jovens querem ouvir o que elas e ainda nomes como Demi Lovato e Selena Gomez têm a dizer. Todas elas são pop. E o pop não poupa ninguém.

Madonna continua sendo Madonna. A autonomia empresarial que conseguiu em um negócio voraz e sem perdão como é o musical chega a ser invejável. No palco, ela estrela superproduções repletas de efeitos e dezenas de figurinos e dançarinos que garantem às suas performances o adjetivo apropriado de “show”, em sua acepção mais ampla e completa. Mas, assim como fez tantas vezes em sua longa carreira, Madonna vai precisar se reinventar. E não apenas esteticamente, como vem fazendo nos últimos anos. Não adianta mais mudar apenas o colorido e os penteados.

Ser pop, nos dias de hoje, não é tarefa fácil mesmo.

Rebel Heart

Rebel Heart talvez seja o melhor disco de Madonna desde o ótimo Ray of Light

E isso já é um feito bastante louvável. Alguns fãs mais exaltados se apressaram em dizer que seria a coisa mais excepcional que Maddie já fez desde o clássico Like a Prayer (1989), o que já é um tanto de exagero, vamos ser francos. Devagar aí, pessoal.

O novo álbum se parece com uma compilação de diversas Madonnas. Tem Madonna para todos os gostos aqui, talvez como um greatest hits formado por canções inéditas. Batidão eletrônico pra se acabar na pista de dança (Living For Love), a baladinha de coração rasgado (HeartBreakCity), a acústica bonitinha e de inspiração étnica (Body Shop), a faixa sensual e provocativa (S.E.X.), a declaração da diva que sobe no salto para dizer que é foda (Unapologetic Bitch) e até uma Madonna com cara de pop dos anos 80 (Joan of Arc, de longe uma das minhas favoritas do disco todo).

E, vejam só, rola até um espaço para a Madonna voltar a cutucar os ícones religiosos daquele jeito que ela sempre soube muito bem – desde uma menção simples como em Holy Water até uma jornada sobre a pecadora de Devil Pray que enche a cara de ácido, maconha e whisky e busca a salvação... mas só encontra uma armadilha do próprio Lúcifer. Direta e reta.

Poderia ser uma estratégia perigosa, colocar num único disco um bocado de canções que aparentemente não conversam muito musicalmente entre elas. Aquele arremedo de Guns ‘n Roses que o diga, com seu tenebroso Chinese Democracy. Mas, de alguma forma, Madonna consegue fazer a coisa toda funcionar. Não que a costura, contudo, seja à prova de balas. Rebel Heart está longe, MUITO, de ser “perfeito”.

Se tem uma coisa que me incomoda nesta Madonna dos tempos atuais é esta necessidade de ser, digamos, “moderninha”. Fazer música moderna, atual, contemporânea, experimental até, está beeeeeem longe de ter que se enquadrar em algum tipo de referência sonora só porque a dita cuja está bombando nas paradas. Neste caso, o que pega é a forçada de barra monstro com o hip hop. Simplesmente não soa natural. Iconic, com as participações de Chance e Mike Tyson (sim, ele mesmo), e Veni Vidi Vici, com a voz de Nas, estão absolutamente deslocadas no disco.

E embora não seja o momento mais brilhante do álbum, Bitch, I’m Madonna até que é divertida, uma boa canção pop, que funcionaria por conta própria, tirando a parte em que Nicki Minaj entra fazendo uma espécie de rap e que não combina com o resto da música. Não dá liga. Parece uma colagem de última hora, do tipo “ei, que tal colocarmos alguém mandando umas rimas aqui, hein? A molecada vai adorar”.

Este é o tipo de mistura que precisa fazer sentido. Ou então não convence ninguém. Uma verdadeira especialista em música pop com a Madonna deveria saber disso mais do que eu.

Num disco de muitas Madonnas diferentes, Rebel Heart funciona para mim nos momentos em que Madonna se despe dos exageros. Quando faz boa música pop sem a necessidade de penduricalhos, de adereços, de tantas vozes adicionais, de tantos efeitos eletrônicos, de tantas faixas sobrepostas, de tantas camadas/batidas e rappers querendo cantar por cima delas.

Rebel Heart tem estes momentos preciosos. A própria faixa-título é um deles, aliás.

No próximo álbum, talvez fosse bacana ouvir um pouco mais desta Madonna. Talvez fosse bacana ouvir um pouco mais DA Madonna. Ponto. Simplesmente Madonna.