Metal espadinha vira tendência de 2017 no Spotify | JUDAO.com.br

Não é tão surpreendente que dois derivados do metal ocupem as primeiras posições da lista de gêneros musicais emergentes do Spotify, mas sim que o primeiro da lista seja um que os próprios bangers dizem há anos que está MORTO

Como já virou tradição, o Spotify encerra 2017 com o anúncio do seu Year In Music, o listão de quais artistas, músicas e álbuns foram mais tocados na plataforma ao longo do ano. Talvez não seja aí muita surpresa pra ninguém que Ed Sheeran, o ruivo que muita gente ama e mais gente ainda ama odiar, tenha ficado na liderança como artista mais ouvido, músico masculino mais ouvido, disco mais ouvido (goste você ou não do recente Divide) e até música mais ouvida (Shape of You), deixando a aparentemente imbatível Despacito no chinelo.

Banda mais ouvida? Coldplay. Artista revelação? Camila Cabello. Isso aí qualquer um com o mínimo de noção do atual cenário da música pop podia imaginar (embora a gente ainda fique tentando entender quem, em sã consciência, ainda consegue escutar Coldplay MAS SEM JULGAMENTOS AQUI). A graça do estudo, no entanto, é quando eles chegam nos chamados Emerging 2017 Genres, aqueles gêneros musicais que começaram a se tornar tendência neste ano que passou e podem surpreender pro próximo. O top 10 segue abaixo e já já a gente fala sobre ele:

  1. Melodic Power Metal
  2. Chaotic Black Metal
  3. Chillhop
  4. Trap Latino
  5. Future Funk
  6. Jumpstyle
  7. Serialism
  8. Cinematic Dubstep
  9. Vintage Swoon
  10. Gamecore

Você pode ter se focado mais, por exemplo, no tal do serialism — uma técnica de composição musical que começou com o compositor austríaco de música erudita Arnold Schoenberg e seu dodecafonismo, tratando as 12 notas da escala cromática, o que inclui as sete notas padrão da escala diatônica acrescidas de 5 tons intermediários, como equivalentes; no chillhop, subgênero do trip-hop (que, por si só, já é um subgênero) que é uma espécie de filho bastardo do jazz e do hip-hop; ou talvez no Cinematic Dubstep, uma mistura apocalíptica de batidas eletrônicas com aquelas trilhas sonoras apoteóticas de filmes épicos; Gamecore, que o próprio nome já explica bem: canções aceleradas e inspiradas nas musiquinhas simplórias dos jogos de videogame de pouquíssimos bits do nosso passado.

Tudo isso já seria curioso demais. Mas se liga lá nas primeiras posições. As duas são de gêneros derivados do heavy metal — que, tá legal, o próprio Spotify já tinha cravado com uma pesquisa, em 2015, como sendo o gênero musical que tem os fãs mais fiéis. O segundo lugar ficou pro Chaotic Black Metal, que não é lá um termo muito comum mas que, de alguma forma, designa uma subdivisão ainda mais selvagem e, bom, caótica daquele que é o mais profano e satânico dos frutos metálicos. Só que no primeiríssimo lugar está, surpreendentemente, o Melodic Power Metal.

É, sim, aquele mesmo. O gênero metálico que teve seu apogeu entre os anos 80 e principalmente 90 e que, há uns quase 10 anos, vem sendo declarado morto e enterrado pelos próprios fãs e que chegou até a ser publicamente renegado por alguns de seus mais destacados representantes, como os finlandeses do Sonata Arctica.

Só pra esclarecer aqui: não, não estamos falando do power metal que, primordialmente, era o nome dado ao chamado speed metal praticado nos EUA (o Metallica se denominava power metal nos primórdios, assim como o Pantera, que até batizou seu primeiro disco assim).

A parada aqui é aquela sonoridade sim, acelerada, mas que está numa escala totalmente distante dos tipos mais extremos de heavy metal como o black, aliás. Tamos falando de faixas que flertam com o sinfônico e o neo-clássico, geralmente com letras mais leves e que, em 99% dos casos, giram em torno de temas de fantasia (não por acaso, devidamente apelidado de “metal espadinha”, “nerd metal” ou “metal Senhor dos Anéis”). Um metal bem mais melódico, de vocais mais limpos e quase operísticos, com corais, passagens orquestradas, guitarras cantantes, refrões grudentos, bateria de bumbo duplo, teclados a 100 km/h.

Bastante popular na Alemanha, na Itália, na região da Escandinávia, no Japão e também na América Latina, com destaque pra Brasil e Argentina, o power metal melódico é o que fazem grupos como Blind Guardian, Edguy, Hammerfall, Stratovarius, Gamma Ray, Nightwish, Dragonforce, Kamelot e os nossos conterrâneos do Angra (e demais dezenas de bandas derivadas).

Quer entender o que é o power metal? Aperta o play. Se você não ficar com vontade de gritar GLORIA PERPETUAAAAAAA! com este homão da porra que é o Fabio Lione, olha, tem algo de muito errado com você.

Embora dê pra traçar suas origens até os vocais cósmicos de Ronnie James Dio no Rainbow ou as guitarras dobradas do Judas Priest, é inevitável dizer que sua pedra fundamental são os alemães do Helloween, que em 1987 lançaram o clássico Keeper of the Seven Keys, Pt. 1, disco que influenciaria toda uma geração de bandas a seguir que, ao longo da década seguinte, viraria uma verdadeira mania. Em certos casos, dá pra dizer até que uma verdadeira praga, dada a verdadeira profusão de bandas clones umas das outras, que simplesmente não era possível diferenciar entre elas e que, na virada dos anos 2000, chegou a um limite, uma verdadeira crise de criatividade que, além do ódio dos fãs do metal extremo (que, bom, nunca gostaram de nada que pudesse ser minimamente melódico e não admitiam tê-lo associado ao nome “metal”), trouxe a indiferença de quem um dia foi fanático pelo estilo.

Uma série de bandas consagradas dentro do power metal melódico começaram, então, a enveredar por outros estilos em busca de um sopro de frescor, “infectando” seu som com uma pegada progressiva, naturalmente tornando mais complexa a já intrincada performance de seus instrumentistas (se você ouvir Secret Garden, que o Angra lançou em 2015, vai entender a pegada), ou então indo pro ooooooutro lado e flertando com a festividade simples e direta do hard rock — como foi o caso do Edguy, por exemplo.

Dá pra dizer que mais ou menos de 2010 pra cá, o power metal sofreu uma retomada de interesse, com novas e interessantes bandas surgindo pra dar uma chacoalhada na fórmula e não só trazendo parte de seus antigos fãs de volta como conquistando uma nova geração de jovens cabeludos e cabeludas. Arrisco dizer que um dos principais responsáveis por manter esta tocha acesa é um camarada germânico que atende pelo nome de Tobias Sammet.

De maneira inteligente e com composições chiclete pra cantar junto, ele fez o supergrupo Avantasia se tornar ainda maior do que sua própria banda principal, trazendo nomes do rock mais mainstream como Klaus Meine (Scorpions), Dee Snider (Twisted Sister) e Alice Cooper, tocando nos principais festivais do planeta e fazendo com que os álbuns mais recentes chegassem ao topo das paradas de sucesso em alguns países. Tudo isso e ainda trazendo de volta pro metaaaaaaaaaaaaaaaal um de seus maiores ícones, Michael Kiske, que hoje sai por aí em uma outrora impensável turnê de reunião com o Helloween.

Não é incomum ir a uma apresentação do Avantasia e ver não apenas tiozinhos grisalhos como este que vos escreve mas também um mar de meninos e meninas (sim, muitas delas, ainda bem) do alto de seus 15, 16 anos, curtindo uma parada menos hermética, que pode ser porta de entrada pra um monte de tipos de metal no futuro... incluindo até aqueles com corpse paint na cara que correm nas florestas geladas da Noruega.

E eis que o ciclo se fecha.

No fim, chega a fazer bastante sentido que o mais pop dos subgêneros do heavy metal acabe voltando a se tornar POPULAR mais uma vez, não é mesmo? :)