Nosso cinema precisa de mais filmes como Motorrad | JUDAO.com.br

Assistimos ao novo filme de Vicente Amorim no Festival do Rio 2017 e, olha… O futuro do nosso cinema parece muito bom.

É tipo andar de bicicleta. Seguindo o rumo mais natural das coisas, você primeiro brinca naquele VELOTROL que tem a cara do Bozo (ou só eu que acho que parece? Ou parecia, já que nem sei se existe mais), se bobear até pega um triciclo, passa pra uma bicicletinha mais com cara de bicicleta de verdade com rodinhas, aí tira uma e, de repente, seu primo tá dizendo que tá te segurando enquanto você já tá meio que se equilibrando.

Provavelmente vai cair logo na primeira curva, ao perceber que a rodinha não tá te segurando. Rala o joelho, levanta e aí não esquece nunca mais. Passa a ser natural.

Motorrad é como se fosse esse velotrol do cinema brasileiro. Exibido durante o Festival do Rio 2017, o novo filme do diretor Vicente Amorim mostrou exatamente a que veio — o que, entre diversas outras coisas, é também ser um passo importante em algo que praticamente inexiste na nossa cultura pop.

Em Motorrad, um grupo de motoqueiros resolve fazer uma trilha com a qual já estavam acostumados mas, depois que um muro aparece no meio do caminho e uma misteriosa garota os convida pra seguir um rumo diferente e mais legal, passam a ser caçados por outros motoqueiros que não poupam nem esforços nem SADISMO na hora de acabar com suas vítimas.

É uma história simples, mas assim como Mãe! (essa comparação não foi de graça, acredite) o simbolismo diz muito mais do que qualquer linha de roteiro, como a sequência de abertura e seus cerca de 10 minutos (e nenhuma palavra) mostram. É nela que Hugo (Guilherme Prates) invade um ferro velho, rouba um carburador (você já viu um? Reparou com o que ele se parece?) e conhece Paula (Carla Salle), algo que, digamos assim, fica pra sempre marcado na pele do cara.

Dali pra frente, tudo o que envolve tanto Hugo quanto Paula, direta ou indiretamente, reflete em uma violência BASTANTE gráfica e uma perseguição digna dos grandes slashers do cinema (com Juliana Lohmann sendo responsável por um dos primeiros gritos de horror do cinema mainstream brasileiro) e, embora saibamos exatamente quem é que vai sobrar no final, a ordem e a maneira que as coisas acontecem conseguem, sim, surpreender.

Guilherme Prates e Vicente Amorim no set de Motorrad

O trunfo de Motorrad está em todos os mistérios que levanta e respostas que não dá, embora sofra um bom tanto com um ritmo lento demais pra um filme com / sobre motos e motociclistas, com a tensão e o suspense muitas vezes dando espaço para questionamentos sobre o que e, principalmente, por que está acontecendo — o que poderia e, principalmente, deveria absolutamente não interessar e/ou importar.

Acabou faltando um senso de urgência e até mesmo velocidade que, por exemplo, Mad Max: Estrada da Fúria e Corrente do Mal entregam tão bem (é sério, eu não tou jogando esses títulos aqui aleatoriamente, não) pra ser um filme mais de terror e/ou suspense. Ao mesmo tempo, como o próprio Vicente Amorim definiu na sessão do filme no Festival de Toronto desse ano, Motorrad é um filme sobre amadurecimento.

E se a gente olhar por esse lado... :)

Não enxergo tanto Motorrad como um filme experimental, mas é sem dúvida nenhuma um experimento de Vicente Amorim, do produtor LG Tubaldini Jr. e até mesmo do CHARACTER DESIGNER Danilo Beyruth (sim, ele mesmo, que de propósito ou não deixou sua assinatura no filme), que pode e deve ser lembrado como um BASTIÃO de algo que o cinema brasileiro tanto precisa. Um experimento que pode servir como inspiração pra muita gente, além do exemplo de que é possível fazer esse tipo de coisa por aqui. Um experimento que deu certo.

Texto publicado originalmente em 16 de Outubro de 2017