A música que virou trilha de um muro caindo | JUDAO.com.br

Wind of Change, a power ballad definitiva dos germânicos do Scorpions — e, por que não dizer até, do próprio hard rock dos anos 90 — fala sobre como o mundo mudou para sempre e aí virou marco da cultura pop

Toda boa banda de hard rock que se preze tem a sua balada de carteirinha, né. Uma daquelas que — não importando o quão você tente pagar de malvadão com seu cabelo de laquê e sua calça de oncinha — a galera vai estar ansiosamente esperando a cada show, com os celulares acessos pra substituir os isqueiros de outrora e o gogó afiado pra soltar a voz e repetir a letra inteira, incluindo um coral de “ôôôô” pra acompanhar a melodia do riff de guitarra. No caso dos alemães do Scorpions, vamos considerar trocar este riff por um assobio. Porque a balada definitiva deles é mesmo Wind of Change.

“Na banda, temos essa máxima que é ‘amor, paz e rock n’ roll’”, explica o guitarrista Rudolf Schenker, em entrevista para a Rolling Stone. “O rock n’ roll é representado por Rock You Like a Hurricane. O amor, por Still Loving You. E a paz é Wind of Change. Esta é a mensagem da canção. Uma música sobre o desejo das pessoas de todo o mundo de poderem viver juntas, em paz”.

A música a gente nem tem muita dúvida que você conheça – mas vale o play no vídeo aí embaixo de qualquer maneira. O que talvez você NÃO saiba é que um dos singles mais vendidos da história, com 15 milhões de cópias em todo o mundo, a faixa registrada originalmente no disco Crazy World (1990) não é, originalmente, a respeito da Queda do Muro de Berlim, que rolou em 1989. Na verdade, a inspiração do vocalista Klaus Meine, compositor original da música, veio da Rússia.

A inspiração viria, na real, do convite que o grupo alemão recebeu para ser uma das atrações principais do Moscow Music Peace Festival, evento que rolou em agosto de 1989 na capital da então União Soviética, um evento com duração de dois dias em pleno Lenin Stadium, a primeiríssima vez que um bando de cabeludos de fora do regime tiveram a permissão de tocar pra cerca de 100 mil fãs. Além deles, estiveram presentes nomes como Bon Jovi, Ozzy Osbourne, Mötley Crüe, Cinderella e Skid Row. Foi um marco histórico, transmitido para dezenas de países (e contando inclusive com a participação da MTV).

“Na verdade, era pra gente ter tocado em Moscou um ano antes, em 1988. Cinco shows. Mas as autoridades ficavam com medo de que, quando o rock chegasse por lá, um tumulto pudesse acontecer”, conta Rudolf. “Acabamos fazendo dez shows em Leningrado. Foi um sonho realizado porque, por causa de nossa história como alemães, sabemos do que nossos antepassados fizeram de ruim por lá, então queríamos fazer algo bom. Queríamos mostrar aos russos que tinha uma nova geração de russos chegando, não com tanques e fazendo guerra, mas com guitarras e fazendo rock”.

Ele e Klaus são unânimes ao afirmar que a performance foi simplesmente ANIMAL, selvagem, com direito aos soldados do governo que tomavam conta da segurança do evento se virarem para o palco jogando chapéus e casacos pra cima. “Parecia que o mundo tava mudando diante dos nossos olhos. Um monte de jovens russos sentindo que a geração Guerra Fria estava prestes a acabar. Tinha um sentimento de esperança no ar. E foi isso que tentei expressar na música”, afirma Klaus.

A canção começou a se montar na cabeça do vocalista num momento de folga entre os shows, quando eles foram para um passeio de barco pelo Rio Moskva, aquele mesmo mencionado no começo da letra, no trecho “I follow the Moskva/Down to Gorky Park”. Todas as bandas estavam lá, assim como jornalistas estrangeiros, representantes e autoridades soviéticas... “Foi inspirador. Era como se o mundo inteiro estivesse no barco e falando a mesma linguagem, a da música”. Rudolf completa dizendo que “o Muro não tinha caído ainda, mas tava aquela coisa no ar, em Moscou, dava pra sentir chegando. O mundo tava mudando e de alguma forma o Klaus sentiu aquela vibração”.

“A coisa mais importante de Wind of Change é que nós não éramos apenas uma banda cantando sobre estas coisas. Nós éramos realmente parte destas coisas”, afirma o frontman. “Queríamos nos afastar daquela parte da nossa história alemã. Do Holocausto, da geração dos nossos pais em guerra com o mundo”, confessa o guitarrista. “Queríamos ser parte de uma família internacional da música. Esta é uma das razões pelas quais nós cantamos em inglês”.

Poucos meses depois, em novembro de 1989, o Muro de Berlim caiu — e as duas Alemanhas, Oriental e Ocidental, passaram a ser uma de novo. Assim sendo, quando Wind of Change foi ser lançado em formato single, em 1991, a primeira resistência que enfrentou foi a da gravadora. Que, vejam vocês, queria a todo custo tirar a porra do assobio de Meine do começo. JURO. “Isso não funciona nos EUA...”, teriam tentado justificar os executivos (gente, Patience mandou um beijo!). Os alemães mandaram todo mundo se foder, bateram o pé e o “fiu-fiu” ficou, para o bem da história da cultura pop.

Aí, viria o icônico clipe, dirigido por Wayne Isham, aquele com cenas tanto da construção quanto da queda do Muro. “Fui até Berlim e sentamos juntos para falar a respeito das ideias deles pro vídeo”, explica Isham. “Cada um deles tinha uma opinião sobre o que estava acontecendo na Alemanha — claro que eles tinham, eles são todos alemães! Mas mais do que todo mundo, o Klaus tinha muito a dizer. Ele então recontou a história de como escreveu a canção. E todos tinham muito claro que o vídeo precisaria ser mais do que só o registro de uma apresentação ao vivo”.

No fim, eles acabaram decidindo incluir outras imagens, para ser mais amplo, mais inclusivo, mais universal, para falar sobre política e também sobre meio-ambiente. Sobre ventos ainda maiores da mudança prestes a soprar. “Então contamos a história com a música e estas imagens daquele período incrível que estávamos vivendo em nossas vidas”, revela o diretor. “E fomos bem longe. Algumas pessoas da gravadora até disseram que tínhamos ido longe DEMAIS, que tinha ficado ‘político’ demais. Mas o caras da banda, eles amaram”.

Mais uma vez, eles bateram o pé. Mais uma vez, ganharam a briga. E mais uma vez, provaram que estavam certos. De novo, para o bem da cultura pop — neste caso, daqueles tempos e de hoje também. Porque o que a gente anda precisado de uns ventos da mudança, olha...