Na 2ª temporada de Luke Cage, a palavra-chave é transformação | JUDAO.com.br

Melhor amarrada do que a primeira, nova coleção de 13 episódios talvez continue sendo mais longa do que deveria, mas pelo menos tem um fio condutor mais claro e leva os principais personagens a lugares BEM interessantes

Eu gostei bastante da Temporada 1 de Luke Cage. Sei que esta opinião não é exatamente uma unanimidade e sim, entendo os problemas da dita cuja, em especial a partir da segunda metade, depois da morte do Cottonmouth (QUE HOMEM, QUE ATOR, QUE VILÃO) e da aparição do exagerado e desnecessário Diamondback. Mas eu tinha sim boas expectativas pra esta segunda temporada – até, claro, o anúncio da participação do Punho de Ferro. AI. QUE. MEDO.

Porque, se tem uma coisa que é praticamente uma unanimidade, é o quanto o Danny Rand é insuportável não apenas em sua série solo como na dos Defensores. Legal, ele e o Luke são uma dupla incrível nos gibis, Heroes for Hire, muitas referências em potencial. Mas esta é a série DO LUKE. E, bom, se ele já não tinha necessidade de usar uma parceria como muleta, o que dirá de uma parceria COM O MALA DO SUJEITO QUE NÃO PARA DE DIZER QUE É O IMORTAL PUNHO DE FERRO? Seria só uma participação especial? Ou algo que duraria mais episódios do que o necessário? De novo: AI. QUE. MEDO.

No fim, podem ficar mais do que tranquilos: além do Danny aparecer na hora certa dentro da trama e por não mais do que um único episódio, a interação entre ele e Luke funciona surpreendente muito bem, melhor e mais sutil do que em Os Defensores e, em nenhum momento, tenta forçar a ideia de duplinha mais do que o necessário. É tudo bem-humorado, leve, sem exageros e na medida certa para contribuir de fato para o andamento da jornada pessoal do protetor do Harlem. É tudo em nome do Luke. Tudo para que ele continue se perguntando: afinal, o que é preciso para ser um herói? Porque esta é a principal pergunta desta temporada.

Quando a nova leva de episódios começa, Luke Cage é uma celebridade. Tira selfies, estampa camisetas, tem um candidato a youtuber na sua cola, é perseguido por um aplicativo que detalha cada um de seus passos, começa até a pensar em ser garoto-propaganda de uma marca de materiais esportivos. O ego do sujeito está nas alturas. Por mais que parte da atenção o incomode por tirar sua privacidade, Luke continua querendo fazer o bem e manter o Harlem seguro... mas um pouco desta massagem, deste reconhecimento, até que não faz mal. Ele até começa a ser chamado pelo nome que ganhou primeiramente nos gibis: Power Man. “Eu sou o Harlem e o Harlem sou eu”, diz ele.

Até que um enorme e assustador sujeito de nome Bushmaster surge em seu caminho dizendo que “o Harlem não é o seu quintal. É o MEU”. Não tem mesmo espaço pra dois touros nesta arena.

O vilão, principal antagonista da temporada, é de longe MUITO mais interessante do que suas duas versões capengas dos gibis. Apesar da força sobrehumana e da resistência que se equipara à do homem à prova de balas, ambas oriundas de uma parada mais ritualística, ele tem duas grandes vantagens sobre o seu rival numa missão de dominação das ruas.

A primeira é a agilidade. Luke é forte, um caminhão, é boxe. Bushmaster é rápido, certeiro, letal, é capoeira, sabe se movimentar, usar os pés, o jogo de cintura. E a segunda é o foco. Bushmaster SABE o que quer. Egresso de uma comunidade de imigrantes jamaicanos, ele tem um passado que o coloca em uma visão claríssima de vingança. Ele sabe quem quer derrubar, que casas quer ver sendo queimadas. E não tem nenhum aspirante a vigilante que vá impedi-lo — basta se ligar no seu olhar impiedoso e injetado pra dizer que, ali, tem um cara difícil de segurar. Em certo momento, por sinal, você para de odiar o sujeito e chega até a pensar “PORRA, SERÁ QUE...?”

É. Uma espécie de versão televisiva do Killmonger, guardadas as devidas proporções.

Bushmaster chuta a bunda de Luke Cage. Algumas vezes, aliás, e nem sempre de maneira literal, o que força o nosso protagonista a passar por uma transformação, virando sua vida do avesso e o fazendo questionar seu papel como homem, negro, que anda por aí sem uma máscara na cara mas com um capuz na cabeça. Herói ou vigilante? Parceiro da polícia ou seu inimigo? Guiado pela ira, por uma raiva que vinha guardando dentro de si há muito tempo, do tempo da prisão, do relacionamento não-resolvido com o pai, o novo Luke Cage PUTAÇO afasta as pessoas ao seu redor, cria um ambiente de desconfiança, tem desejos que o colocam numa linha fina bastante perigosa entre o herói e aquele que tem sangue nas mãos. Tem momentos em que você, espectador, se pega PUTO da vida com ele, por sinal.

“Como você espera defender uma cidade se está em guerra consigo mesmo?”, ouve Luke de uma pessoa bem improvável. No alvo.

A mera presença aterrorizante de Bushmaster é um elemento que FORÇA a mudança em praticamente todos os elementos da história. De mero capanga, o porto-riquenho Shades ganha muito mais camadas e se torna algo muito maior e mais profundo do que um cara estiloso de óculos escuros. De mera enfermeira noturna, parceira frequente de super-heróis e amorzinho do Luke, Claire ENFIM toma uma posição e resolve assumir as rédeas da própria vida. “Sou sua parceira, não sua mulher. Você não pode me deixar pra trás”. As coisas REALMENTE não tão fáceis pro Luke.

Temos então Mariah Dillard, outra interpretação brilhante de Alfre Woodard, que quer deixar de lado a herança da família Stokes e construir uma nova vida e recuperar sua reputação. O casal que ela forma com Shades, uau, é estranho mas, ao mesmo tempo, é quente, picante, incrível. Mas Bushmaster cruza seu caminho e ela se vê obrigada a encarar o passado e assumir um legado: o dela, o de sua filha e o do casal que a criou, deixando aflorar um lado igualmente cruel e assustador, tornando-a essencialmente uma vilã, de fato, como vinha se construindo desde o final da temporada anterior. De mulher adorável à mulher odiosa em poucos diálogos.

Até a trilha sonora, que continua magnífica, soberba, um espetáculo à parte e que serve como mais um jeito de contar a história, ganha uma camada a mais quando ele surge. Porque o jazz, o blues e o rap recebem a bem-vinda adição do reggae da gangue dos jamaicanos, de um bando de imigrantes tentando fazer a vida nos EUA, se adaptar, encontrar seu caminho. E além de caras como Gary Clark Jr., Esperanza Spalding e Ghostface Killah, a lista de participações especiais cantantes também tem o herdeiro do homem, ninguém menos do que Stephen Marley.

E aí tem a mudança pela qual passa a Misty Knight que, senhoras e senhores, é praticamente a segunda protagonista da série e, conforme uma piadinha metalinguística deixa claro, não tá aqui pra ser sidekick de ninguém. Ela é mais do que a consciência de Luke: é alguém que para um cara daquele tamanho e diz “tá maluco, meu?”. E ele respira. Ele escuta.

Aqui, Misty é o contrário total e absoluto de Luke Cage. Depois de perder o braço no final d’Os Defensores, tal qual nos gibis, ela está com a autoestima na lama. Tentando reconstruir sua vida, ela retorna ao departamento de polícia e encara uma resistência desgraçada, incluindo os embates frequentes com uma antiga rival da escola. Com o novo braço mecânico, cortesia das Indústrias Rand, ela aos poucos começa a se encontrar.

E cá entre nós: Luke Cage e Danny Rand é legal? É. Mas quando Misty encontra com Colleen Wing é que o bagulho fica LOUCO. Os diálogos e, principalmente, a luta que elas protagonizam juntas é dos pontos altos da série e dá uma VONTADE IMENSA de ver uma série das Filhas do Dragão (cancela a segunda temporada do Punho de Ferro e coloca esta no lugar, serião).

No final, na amarração, que é a melhor definição possível de “desfecho”, um novo sobrenome surge, caracterizando um personagem dos gibis que os leitores mais antigos e atentos vão acabar reconhecendo, do tipo “ahhhhhhhh, agora tudo faz sentido”. E um último diálogo, inesperado e definitivo, vindo justamente da pessoa que você menos espera (e, caralho, que surpresa simplesmente MARAVILHOSA) mostra que a transformação catalisada por Bushmaster foi MESMO pra valer. A maior delas. Estabelece uma dinâmica totalmente diferente. E que, sério, nas mãos de uma equipe competente e corajosa de roteiristas/produtores, poderia e até deveria mudar os rumos de TODAS as séries Marvel/Netflix daqui pra frente.

De todas as transformações, a final foi a mais profunda. Resta saber o que eles vão fazer com ela daqui pra frente.