Nada a Perder, tirando o cinema | JUDAO.com.br

Quer fazer filme de propaganda e só ganhar uma grana? Tá, tudo bem. Mas não vem querer dizer que isso é cinema, né?

No penúltimo domingo (08), uma matéria exibida no programa Domingo Espetacular, da Rede Record, se utilizou de grandes nomes do nosso entretenimento, como Rubens Ewald Filho, pra explicar o que é e pra que serve o IMDb, aquele site que aparece embaixo do AdoroCinema quando você procura pelo nome de um filme no Google.

A ideia da matéria era, primeiro, mostrar a importância do site e, depois, mostrar que Nada a Perder, a cinebiografia mais que autorizada de Edir Macedo, se compara a filmes como O Poderoso Chefão e Um Sonho de Liberdade, além de superar A Forma da Água, E.T – O Extraterrestre e ...e o Vento Levou nas notas do público — isso porque a “super produção nacional” chegou a ter a nota máxima no sistema (sendo considerado, portanto, o melhor filme da história).

Quando a matéria foi ao ar, a nota do filme já era um 9 e, uma semana depois, já estava em 7,5. Uma análise realmente rápida nos votos (o que a matéria da Record esqueceu de dizer que era possível), mostra que todos esses números são absolutamente irreais. Mais de 80% dos votos foram no Dez, com outros 18% no Um, a menor nota possível. Apenas 2% se dividem entre dois e nove, o que mostra não só que ALGO aconteceu para que a nota fosse tão boa inicialmente, como provavelmente a matéria fez com que pouco mais de 3500 pessoas se dessem ao trabalho de jogar a média lá pra baixo.

Outros números interessantes: nenhum dos editores do IMDb votou; apenas sete dos 1000 maiores votadores deram sua opinião (gerando uma média de 2,7), e a média de nota dos americanos é de 5.5, enquanto a de gente fora dos EUA é de 8,1. ?

Não é a primeira vez que um filme ligado (vamos dizer assim) à Igreja Universal do Reino de Deus gera uma quantidade gigante de relatos irreais. Os Dez Mandamentos, por exemplo, foi considerado oficialmente o filme nacional mais assistido na história do País, superando Tropa de Elite 2, com mais de 11 milhões de ingressos vendidos. INGRESSOS VENDIDOS, porque, você deve se lembrar, havia muitas salas vazias e diversos lugares vagos em salas teoricamente lotadas.

Relatos parecidos, aliás, têm surgido em relação a Nada a Perder. Com mais de 2 milhões de ingressos vendidos no seu primeiro final de semana, o que o transforma na maior estreia do cinema nacional, as redes sociais estão inundadas com relatos como esse de Henrique Santana, que simplesmente ganhou um ingresso para o filme enquanto comia na praça de alimentação do shopping — e fotografou com uma dobra no mínimo... estranha da sua camiseta. ;D

Gente q mundo é esse, KkkkkkEu tava aqui de boa na praça de alimentação do shopping Tucuruvi com um casal de amigos,...

Posted by Henrique Santana on Friday, April 6, 2018

A indústria do entretenimento praticamente inexiste no Brasil, enquanto a do cinema é baseada em promoção. Com raríssimas exceções, o que se espera por aqui é o enaltecimento de filmes, acima de tudo, em troca de acesso às exibições e, com alguma sorte, coletivas de imprensa — o que, pra muita gente, basta. As distribuidoras contam basicamente com um “influenciador” e um grande portal pra que suas ideias sejam promovidas, e torcem para os grandes jornais entrarem na onda, enquanto se aproveitam de quem só quer um pouco de atenção e sai por aí agradecendo o pouco que recebem e olhe lá.

É um sistema que, no fim das contas, tem absoluto e total desprezo pelo cinema.

Pra muito pouca gente importa a qualidade do que está sendo produzido, ou mesmo os motivos pelos quais está sendo produzido, desde que seja falado por alguém que atinja, em teoria, milhões de pessoas. Culpa do capitalismo, é um negócio, claro, entendemos isso; o problema é que no caso de filmes como Nada a Perder e Os Dez Mandamentos, ambos distribuídos pela Paris Filmes, exibidores e distribuidoras acabam entrando no jogo, sem se preocupar com a realidade dos números apresentados — o importante é que eles sejam apresentados.

E eles são, viu?

Soluções? Bem, existem os tais “ingressos de sustentação”, que ajudam a aumentar esses números, mas só valem depois de trocados nas bilheterias. São grátis e fornecidos pelas distribuidoras, o que também significa que eles não costumam poder ser usados todos os dias, sessões e salas; verificar com algum leitor de código de barras quem entra na sala, ao invés do bom e velho rasgo? Poderia ser também.

Mas... Será que existe interesse?

“Ah, mas fecharam salas pra um monte de gente assistir a Pantera Negra“, alguém pode dizer. Sim, é verdade. A diferença é a intenção. Colocar um monte de gente com milhões de acessos por vídeo num filme juntos, apenas e tão somente dizer que seu filme é bem avaliado e muito visto, e/ou mostrar para os seus fieis a história do seu líder, tá beeeem longe de querer que um bom filme seja visto pela maior quantidade de pessoas possível, ESPECIALMENTE aquelas que nunca viram nada sequer parecido com aquilo.

Essa diferença, aliás, também ajuda a definir o que é cinema de fato. De um lado, toda a magia de se sentir representado; do outro, pura e simples propaganda, do que quer que seja.

Parece que existe um lado bem claro pra se assumir aí, né?