Metal Resistance, segundo álbum do trio japonês de kawaii metal, é mais poderoso, intenso e PESADO do que o anterior – em resumo, bem mais METAL e menos BABY
Quem já ouve o metal tradicional do Manowar há algum tempo sabe bem que grande parte de suas músicas EVOCAM uma suposta luta contra um inimigo sem rosto. De um lado, milhares de irmãos do metal unidos e armados com espinhos, correntes, espadas e machados; do outro, o tal do “falso metal”. Não são raras as canções dos caras que convocam os defensores da verdade a combaterem o terrível IMPOSTOR, aquele que não tem o poder do sangue, do fogo, do aço.
Bom, se existe nos dias de hoje algo que poderia facilmente incorporar este tal de “falso metal” é a banda japonesa Babymetal. Pelo menos, é no que acreditam grande parte dos headbangers das antigas, que encontraram nas adolescentes Suzuka Nakamoto (Su-metal), Yui Mizuno (Yuimetal) e Moa Kikuchi (Moametal) um inimigo a ser combatido. “Este negócio é um câncer para o metal”, “isso é metal para menininhas retardadas” e “metal para a geração hipster” são alguns dos comentários mais educados que podem ser colhidos pelos fóruns e comentários internet afora.
Aliás, as meninas do Babymetal não poderiam ser mais diferentes do Manowar: enquanto os guerreiros andam por aí em roupas de couro e com óleo besuntando seus músculos, as três vocalistas orientais usam versões dark de roupas colegiais, quase como se elas fossem as amigas da Sailor Moon indo para uma festa gótica. Mas dá uma ouvida em Metal Resistance, o segundo disco de estúdio das garotas, recém-lançado. E tente resistir à vontade súbita de bater cabeça, desde o primeiro minuto. Estamos diante de um álbum mais forte, mais pesado, menos pop e muito mais rock do que o auto-intitulado de dois anos atrás.
Tá bom que você pode querer tirar da manga a confissão, que elas fizeram sem qualquer problema de consciência, a respeito de jamais terem sequer ouvido heavy metal na vida antes da banda surgir, em 2010. Dane-se. Aqui, isso não faz qualquer diferença. Metal Resistance continua sendo o tal do kawaii metal, o “metal fofinho”, como elas mesmas definem, uma mistura de J-pop com heavy metal. Mas tem muito mais de METAL do que de KAWAII aqui.
Esquece aí este lance de guerras, de batalhas, de vikings, dragões, magos, monstros das trevas, enviados de Lúcifer e a porra toda. O Babymetal usa o metalzão véio de guerra pra falar sobre temas como o encorajamento das jovens adolescentes a se aceitarem como são, questionando o conceito da “mulher ideal” e combatendo o bullying. O quão foda pra caralho isso é? Aliás, vamos lá, o quão METAL isso é, não é mesmo? O heavy metal não é uma música sobre rebeldia, sobre ser diferente, sobre enfrentar o mundo de frente, sobre combater os estereótipos, sobre “combater o sistema”?
ENTÃO.
A ultraveloz Road of Resistance abre o disco chutando a porta, numa pegada meio power metal, com uma dupla de guitarras explosivas e uma bateria vibrante – que, pela participação dos guitarristas Sam Totman e Herman Li, obviamente lembra pra caralho o trabalho do Dragonforce. Mas foi a escolha mais do que acertada para abrir os trabalhos, mostrando qual seria o caminho a seguir a partir dali e ajudando a calar a boca dos puristas em poucos minutos. A seguir, com o primeiro single, Karate, elas aplicam uma cacetada meio nu-metal, de afinação baixa, que dá vontade de sair pulando pela sala, fazendo air guitar e chacoalhando os cabelos (no meu caso, os poucos que ainda tenho). E aí vem a quase industrial Adawama Fever, com uns lances meio eletrônicos que fazem ecos do Prodigy em seus momentos mais inspirados.
E tudo isso em apenas 15 minutos de disco. Vai vendo.
Tem espaço ainda para uma música que parece uma abertura pesada, grudenta e meio anos 1980 de um desenho animado japonês de ação (Yava!, que não consigo parar de cantarolar), uma irresistível canção marcial com ares de hino da nação metaleira (Meta Taro, digna de qualquer banda de metal tradicional – viu, Manowar?), um quase thrash metal com uma bateria de bumbo duplo de tirar o fôlego (Sis Anger), uma baladinha soturna de cortar o coração, com um solo farofa pra cacete, mas que que poderia muito bem ter sido gravada por alguém como a Amy Lee (No Rain, No Rainbow). Tá bom? Mas tem mais.
Pra finalizar, que tal a épica, grandiosa e cheia de quebradeiras – com direito até a um teclado deliciosamente executado no finalzinho da faixa, só pra ajudar a dar aquele clima – Tales of the Destinies, com uma pinta meio Rhapsody (com ou sem “of Fire”, vai a gosto do freguês)? E também a ótima The One, que traz as garotas cantando grande parte em inglês, de maneira inédita? Essa última, aliás, é a tacada certeira pro mercado internacional, feita na medida certa para as rádios dos EUA, um som pesado, guitarra fritando loucamente, mas que é ao mesmo tempo altamente acessível para aqueles que não são necessariamente convertidos.
Óbvio que muito do peso que o Babymetal ganhou se deve aos integrantes da chamada Kami Band, a banda de verdade que agora acompanha as garotas ao vivo e fica lá, no fundo do palco, quase imperceptível, enquanto elas dão o seu show. Os caras sentaram o pé. E, sim, parte disso também se deve ao impecável trampo de produção do misterioso Kobametal, produtor da banda que aparece publicamente apenas usando um traje completo de esqueleto que esconde sua identidade e afirma que tudo que aconteceu de bom com o Babymetal se deve a uma entidade conhecida como Deus Raposa (sim, tudo isso é REALMENTE sério).
Mas o segredo do grupo não está aí – ou apenas aí, pelo menos. Apesar de doce, a voz de Su-metal, a principal vocalista das três, é forte, intensa, cheia de personalidade, preenche de verdade as músicas (por mais que, cantando quase que majoritariamente em japonês, existe chance de que você não entenda lá grande coisa). A mistura que, na maior parte das faixas, foi feita ao colocar como backing vocal uma voz masculina mais berrada, gutural, berrada, também foi uma saída de gênio, criando uma contraposição inteligente e bem interessante.
E as três, obviamente, esbanjam carisma, em especial no palco, quando nitidamente tomam conta do público como se já fossem veteranas com décadas de experiência.
Elas já abriram uma série de shows pra Lady Gaga. Tocaram em festivais como o Loud Park, Sonisphere, Heavy Montréal. Se apresentaram em casas lendárias como o O2 Academy Brixton, o Hammerstein Ballroom e foram a primeira banda japonesa a tocar como atração principal no Wembley Arena – casa cheia, mais de 12.000 pessoas pirando numa combinação que poderia muito bem não fazer sentido algo e dar miseravelmente errado. Mas e não é que este é um combo que dá certíssimo? <3
Quer dizer que elas são “falso metal”? Pois diga. Que seja. O fato é que, considere você verdadeiro ou falso, este é um metal divertido pra cacete de ouvir. Um verdadeiro espetáculo de cores, luzes e riffs. Seja você um metaleiro grisalho, uma adolescente fã de divas pop ou um maníaco pela estética meio anime/mangá da coisa toda. Tem para todos os gostos. A ponto de formar um paredão que, com gosto de chocolate, pode começar a rivalizar a galera do sangue, do fogo, do aço do Manowar.
Te cuida, Joey DeMaio. Sua tanga de couro pode virar um TUTU rapidinho. ;)