Novas histórias de uma mesma Tormenta | JUDAO.com.br

Ambientada no cenário mais popular do RPG nacional, HQ online Ledd quer conquistar não apenas os iniciados, mas também aqueles que não conhecem Arton – tanto dentro quanto fora da internet

Surgida inicialmente como uma aventura de RPG na finada revista Dragão Brasil — e que, mais tarde, se tornaria a base de ambientação para o bem-sucedido sistema de RPG nacional Tormenta — o mangá Holy Avenger, escrita em 1999 por Marcelo Cassaro e desenhada por Érica Awano, se tornou uma espécie de fenômeno dos quadrinhos nacionais. Até hoje, 12 anos depois do encerramento oficial, sua grande base fãs pergunta quando volta, se teremos novidades um dia, se o tal projeto de longa/série animada vai mesmo sair do papel...

Enquanto você fica esperando pra saber se Sandro, Lisandra, Niele, Tork e o Paladino terão novos capítulos de sua jornada em um futuro breve, uma outra HQ vem mantendo o legado de Arton vivo. Ledd, com roteiros de J.M. Trevisan — não por acaso, um dos criadores de Tormenta junto com o próprio Cassaro e Rogério Saladino — e arte de Lobo Borges, tem seus capítulos publicados com “alguma regularidade” no site da Jambô Editora, além de já ter originado quatro encadernados com mais de 150 páginas, sempre com conteúdo extra.

A história é estrelada pelo cara que dá título ao gibi, que acorda numa prisão, sem memória nenhuma além do próprio nome. Na tentativa de escapar, ele é ajudado por Ripp, um mago careca que usa cabelos como componente para fazer suas magias, e pela corajosa e impulsiva guerreira Drikka. Em seu caminho, está o violento reino de Yuden e seus odiosos militares — entre eles o implacável Coronel Barba Branca. “Se você é um não-iniciado em RPG ou no mundo de Tormenta, isso é tudo que você precisa saber”, explica Trevisan, em entrevista ao JUDÃO.

pagrafa3

O autor gosta de deixar claro que não é preciso conhecer e/ou jogar Tormenta para curtir Ledd – e nem tampouco ter algum conhecimento prévio de Holy Avenger, por exemplo. “A gente não pega o leitor pela mão o tempo todo, é verdade, mas eu tento fazer com que ele possa absorver as particularidades do mundo como um visitante de primeira viagem faria no mundo real”, explica. “Quando você visita um lugar, não tem necessariamente um guia pra te explicar tudo o que acontece de diferente. Você simplesmente aprende”.

Para Trevisan, existem obviamente subtextos em comum entre Ledd e Holy Avenger, já que ambas se passam no mundo de Tormenta, e ele sempre tenta colocar pequenas citações e referências para que os fãs mais atentos possam captar e curtir. “Mas não há uma relação 100% direta”, afirma. “Eu tenho uma ideia de episódio/cena que faz com que as séries se cruzem, mas ainda não encontrei um jeito de fazer com que se encaixe na trama sem que ela perca o ritmo. Ledd tem um ritmo meio frenético e qualquer desvio de rota pode acabar atrapalhando. Mas espero conseguir, porque gosto muito da ideia!”. E completa: “É uma influência direta, sempre, mas executada de uma forma diferente”.

Com relação ao formato, por se tratar de uma HQ online, Trevisan e Lobo acabam usando um formato bem similar ao da leitura comum, impressa. E o roteirista explica que a ideia, desde o começo, foi esta, sem pensar em um formato diferente ou mais experimental. “Não quero entrar no mérito do que é ou não história em quadrinhos, mas cada projeto tem uma cara. Há recursos possíveis na internet, como som e animação parcial, mas eu em particular acho complicado: se você executa bem, tem uma animação, não uma história em quadrinhos. E se executa mal, tem uma animação mal feita”, opina. “Acho interessante até, pra projetos específicos, mas não é algo que me atraia no momento. É bom lembrar que nosso produto final é o mangá impresso. Estar online é só um bônus e uma adequação às tendências atuais”.

Ledd

Ele conta ainda que tem sentido um retorno bastante específico dos leitores de Ledd: grande parte começa online e depois prefere esperar sair o físico pra ler. “Eu acho incrível. Faz parte da cumplicidade que você cria quando confia no próprio material. Quando você disponibiliza de graça, você está dizendo ‘Não acredita que é bom? Então lê ai, sem gastar um tostão. Depois a gente conversa’. Comprar o volume impresso é o retorno que você recebe por essa confiança”.

As vendas dos encadernados, segundo Trevisan (que também trabalha na equipe de marketing da Jambô) têm sido boas e estão melhorando ainda mais agora que já são quatro volumes. “Não é a meta ideal, mas temos soltado um por ano. Gostaríamos muito de chegar a dois por ano, mas não temos como prometer. Há variáveis demais na produção”, diz, meio contrariado. No entanto, o volume 5 de Ledd já foi confirmado – inclusive, durante a edição de final de ano do programa HQ&Cia, da qual este ESCRIBA teve a honra de participar.

Embora evite dizer que Ledd é melhor do que One Piece ou Naruto, por exemplo, Trevisan acredita que um fã destes dois mangás não veria seu trabalho como algo inferior. “O grande problema é chegar nesse cara, no moleque que para numa banca de jornal ou livraria e nunca ouviu falar da gente”. Trevisan explica que a tiragem de Ledd é obviamente infinitamente menor que a de grandes nomes internacionais dos mangás, o que poda o alcance. “Normalmente, nas livrarias, o mangá nacional não é nem colocado lado a lado com o material traduzido. Isso dificulta bastante e cabe às editoras caçar meios de se contornar esse problema. Eu quis fazer Ledd no mesmo formato dos mangás traduzidos porque pensei que seria mais fácil vender se o livreiro colocasse os volumes junto com os das outras editoras”.

E completa: “É nessas coisas que a gente tem que pensar se quiser aparecer mais. É um desafio e tentar solucioná-lo é muito mais proveitoso e saudável do que ficar chorando pelos cantos que o material importado sufoca o nacional”.

Mesmo assim, o autor enxerga que vivemos, do ponto de vista da produção nacional, um enorme pré-aquecimento para os mangás independentes. “Tem um monte de gente na moita esperando a hora certa pra pular e mostrar seu talento”. Mas adverte que os autores nacionais com foco em mangás seguem por um caminho inglório, formando uma espécie de underground dentro do underground – vide, por exemplo, os poucos casos de artistas independentes fazendo mangás no Artist’s Alley da Comic Con de São Paulo.

“É outro nicho, outras referências. O autor de mangá é meio visto como um amador entre semiprofissionais, saca? Se o cara faz um álbum cult meio rabiscado, ele tem estilo próprio. Se o garoto arrisca um desenho mais amador de mangá, é visto como o molequinho que viu Pokémon e resolveu tentar desenhar”.

Mesmo assim, com todas as dificuldades, Trevisan diz acreditar no apoio dos fãs para quem faz mangá por aqui. “Acredito que, quando a coisa é bem feita e respeita o fã, não chama ele de idiota, não é feita só pra aproveitar a modinha do momento, o apoio vem naturalmente”. Tudo, claro, empurrado por uma diminuição drástica no preconceito contra o quadrinho brasileiro, graças a ótimos trabalhos de brasileiros no mercado mainstream. “O idiota que torce o nariz porque vê brasileiro nos créditos sempre vai existir, mas ele está cada vez mais isolado”.

Mas sem complexo de vira-latas, como o próprio Trevisan prefere frisar abertamente. “Sou contra apoiar só porque é brasileiro. Tem que apoiar se for legal, consumir se gostar do produto. Se for uma merda, tem que deixar de lado, seja o material produzido aqui ou em qualquer outro lugar do mundo”.

Pra acompanhar Ledd online, é só clickar aqui. :)