O Bissexual de Schrödinger | JUDAO.com.br

Piper, Frank Underwood, Kitty Pryde… A cultura pop tá lotada deles

Por causa de um erro de classificação do Netflix, Babadook, um monstro de um filme de terror australiano, virou símbolo LGBT.

Como a zoeira não conhece limites, ele logo ganhou status de estrela e apareceu em tudo que é lugar nas últimas semanas, inclusive camisetas, canecas e fantasias em paradas LGBTs pelo mundo. E estava tudo muito legal e divertido até aparecer um meme que dizia que o B de LGBTQ+ se referiria ao tal do Babadook.

O nome disso é apagamento, e é uma novela antiga pra quem é bissexual. Os heterossexuais apagam os bis, os gays e as lésbicas apagam os bis e, principalmente a mídia apaga os bis. A maneira como personagens bissexuais são retratados sempre foi problemática, e sempre reforçou estereótipos negativos, que ao mesmo tempo conseguem denegrir e esconder a identidade bi. Personagens que se atraem por homens e mulheres são retratados como indecisos, ninfomaníacos, hipersexualizados, de caráter duvidoso e/ou incapazes de praticar monogamia. E eles quase nunca usam a palavra bissexual para se identificarem.

Essa história de “nada de rótulos”, TÃO disseminada em séries e filmes, é bonita em teoria, mas na prática o buraco é mais embaixo. A autoidentificação é o mais importante quando falamos de identidade sexual e os chamados “rótulos” facilitam a compreensão do espectro da sexualidade humana, além de proporcionarem uma comunidade de apoio essencial para quem diverge do status quo.

A lista de personagens bissexuais invisíveis, que sentem atração por mais de um gênero mas nunca se dizem bi, é enorme. Temos a Piper, de Orange is the New Black, Frank Underwood de House of Cards, Kitty Pryde de X-Men, Marcus de The Get Down, Quentin de The Magicians... e a lista segue. O público, em geral, percebe esses personagens como heterossexuais OU gays, à medida que a história se desenrola e dependendo do gênero da pessoa com que eles se relacionam.

É o que chamamos de Bissexual de Schrödinger, um fenômeno que faz com que pessoas monossexuais enxerguem os bis como homossexuais AND heterossexuais ao mesmo tempo — quando se relacionam com pessoas do mesmo gênero são gays, quando se relacionam com pessoas de gêneros diferentes são hétero. É a ideia de que a pessoa bi precisa ser hétero ou gay, e que a orientação sexual muda de acordo com o parceiro.

O Bissexual de Schrödinger, um fenômeno que faz com que pessoas monossexuais enxerguem os bis como homossexuais e heterossexuais ao mesmo tempo

Apesar dos bissexuais serem 40% da comunidade LGBT, e da letra B sempre ter feito parte da sigla e de suas variantes, causas bis recebem menos atenção, menos dinheiro e menos espaço do que causas homossexuais. Uma pesquisa de 2015 mostra que bissexuais são mais discriminados que gays e lésbicas e, pior, sofrem praticamente a mesma quantidade de bifobia vinda de gays e lésbicas do que de pessoas heterossexuais.

Ou seja, uma pessoa bi é tão ridicularizada pelo tio conservador homofóbico quanto pelos amigos gays e lésbicas moderninhos.

Tudo isso é potencializado por uma retratação deturpada na mídia. Homens bis escutam o tempo todo que na verdade são gays e que a bissexualidade é só uma fase, mulheres bis são vistas como heterossexuais e escutam que ficam com outras mulheres para ganhar a atenção masculina e que estão usando e objetificando outras mulheres. Essa bifobia faz com que a pessoa bissexual não seja acolhida em nenhum lugar, o que acarreta uma série de problemas psicológicos.

Bis sofrem mais de depressão, ansiedade e transtornos mentais. É mais comum que uma pessoa bi cometa suicídio do que uma pessoa homossexual. Enquanto 77% dos gays e 71% das lésbicas saem do armário, só 28% dos bis o fazem e, quando saem, costumam ser empurrados pra dentro de novo, o que torna tudo mais triste, porque isso os impede de encontrar o apoio de outras pessoas que passam pelos mesmos problemas.

A parte boa é que a mídia parece estar aos poucos revendo a maneira como representa bissexuais. Personagens como Darryl, da comédia musical Crazy Ex-Girlfriend, é um ótimo exemplo de bissexualidade realista. Trata-se de um tiozão nada descolado que, depois de um divórcio traumático da mãe de sua filha, se vê atraído por outro homem. Ele questiona brevemente se é gay, mas logo percebe que sente atração por dois gêneros e abraça isso de cara e assume para os colegas com a melhor e mais grudenta música de saída do armário de todos os tempos.

A cultura pop precisa de mais Darryls. Manda mais, gente! <3