A frase do mexicano Guillermo Arriaga, um dos diretores do filme coletivo Rio, Eu Te Amo, é sintomática. Ainda mais porque é dita por alguém que nos enxerga do lado de fora.
“Você pode explodir o país inteiro e eles vão dizer ‘obrigado, e aqui está um macaco para você levar de volta para casa’”. A frase, dita aos risos numa Comic-Con, foi claramente uma piada de Sylvester Stallone a respeito do tempo que passou em nosso país rodando o primeiro Os Mercenários. Risos que se repetiram quando o saudoso Robin Williams foi ao programa do David Letterman, um dos mais importantes talk shows dos EUA e já saiu falando que a escolha da cidade-sede das Olimpíadas 2016 foi injusta – porque, enquanto Chicago trouxe para o evento de seleção Oprah Winfrey e Michelle Obama, o Rio de Janeiro trouxe “50 strippers e meio quilo de pó”. E a plateia começou a rir. Sim, a plateia riu. Porque, afinal, tratava-se de uma piada. Entende o conceito de piada? “Hahaha” e acabou.
“A capacidade de rir, de contar boas histórias mesmo com as tragédias todas que temos no nosso dia a dia, é essencial”, disse Bruna Linzmeyer, atriz apaixonante, em um papo exclusivo com o JUDÃO, durante a divulgação do filme Rio, Eu Te Amo, uma produção coletiva de onze histórias diferentes ambientadas na Cidade Maravilhosa, dirigidas por onze diferentes diretores – alguns deles, inclusive, gringos. “Amar é criticar, sem dúvida”, afirma Carlos Saldanha, diretor do segmento estrelado por Bruna e Rodrigo Santoro. “É normal tem esta postura defensiva, do tipo eu posso falar do Rio, eu sou carioca, mas você não, pera lá. Mas quando a crítica tem seu valor, acho que vale a pena parar, ouvir e aprender”.
Pois é, Saldanha, mas nem todo mundo tem essa boa vontade para aprender. Os brasileiros ficaram mordidinhos, coitados, tanto quanto no episódio dos Simpsons fugindo dos macacos e dizendo que o nosso dinheiro era gay porque ela todo colorido. O prefeito do Rio disse que era comentário típico de “dor de corno”, o Comitê Olímpico ameaçou de processo, o Datena disse que o Robin Williams queria “dar a bunda no Rio” (elegante como ele só) e a imprensa brasileira noticiou o caso sempre lembrando do histórico do ator com drogas, tentando dar uma cutucada – como se isso tivesse alguma coisa a ver com a discussão toda, afinal de contas.
O grande problema é que a gente reclama da visão estrangeira, do olhar externo sobre o Brasil mas, e que o Saldanha nos perdoe, quando vamos falar do Brasil para os estrangeiros, parecemos uma eterna caixa de repetição ecoando “samba”, “mulata”, “futebol” e “Carnaval”. A gente vende esta imagem, eles compram.
Saldanha, um carioca que passou 20 de seus 40 e poucos anos morando nos EUA, colocou a arara Blu ao lado de uma coleção de clichês ambulantes e os exportou para o mundo. “Um clichê é sempre uma brincadeira, uma visão limitada de um país”, afirma Guillermo Arriaga, também em um papo com o JUDÃO. O mexicano, que afirma que o Rio é a cidade que ele mais ama no Mundo (“Pessoas gostam de Paris, Nova York, eu gosto do Rio”, disse, durante a coletiva de imprensa) foi o único a colocar um negro como protagonista. “O Rio também tem seus clichês, aquela coisa da cidade alegre. Mas o Rio de Janeiro é uma cidade forte com suas contradições. Você tem que amar as cidades como elas são, e não como o clichê pinta”.
Em uma entrevista anterior para falar de Rio 2 (que você pode assistir aqui), Saldanha admitiu que ambas as animações dirigidas por ele eram, digamos, visões de um Brasil utópico – uma tal “visão romântica”, como confessa ter a fofa Laura Neiva, atriz que protagoniza a história de Arriaga. Na época, Saldanha falou sobre os “vários Brasis”. Aqui, ele volta ao assunto. “Eu contei uma história de amor com o contexto do Rio. Não deixa de ser também uma carta de amor ao Brasil”, contextualiza o cineasta, dizendo ainda que o filme Rio, Eu Te Amo “não é só uma declaração de amor dos cariocas para a sua cidade, mas também um jeito de fazer o resto do mundo sentir um pouco este amor”.
Quando questionados sobre que outra faceta do Brasil gostaria de ver retratada no cinema para o mundo, no entanto, nossos compatriotas ficaram sem palavras, não souberam responder muito bem. Certo...
No fim das contas, talvez a visão mais crítica e ácida de José Padilha, que colocou o seu eterno Capitão Nascimento (Wagner Moura, no caso), para sobrevoar a cidade de asa-delta e desabafar sobre seus problemas com a estátua do Cristo Redentor, seja a mais adequada interpretação do Brasil atual – que, mesmo aos trancos e barrancos, está começando a se questionar. Questionando, inclusive, a ditadura dos peitos sacolejantes em plena Sapucaí e do “vamos esquecer do mundo e jogar bola”, como adoraria o Rei Pelé (aquele que, calado, é um poeta).
Isso já é um bom sinal. Isso e o fato de que o Saldanha disse que gostou muito da visão do Padilha. Vai que, né?
Pra não concorrer com Mulan, Bill & Ted 3 vai estrear em VOD mais cedo: 28 de Agosto! https://t.co/Bu3VBYYW8X