O Chamado 3 é o fundo do poço | JUDAO.com.br

Terceiro filme da série, que estreia nos cinemas, é pior do que a mais terrível maldição da Samara. Pelo menos não dura sete dias…

Em certo momento de O Chamado 3, o casal de protagonistas da história, Julia (Matilda Lutz) e Holt (Alex Roe) estão conversando sobre o mito grego de Orfeu, pouco antes dos jovens se despedirem e o rapaz ir para a faculdade. Na mitologia, Orfeu foi até as profundezas do inferno em busca de sua amada morta, Eurídice. Ao chegar ao trono de Hades, o Rei do Mortos atende seu desejo e Eurídice poderia voltar com ele ao mundo dos vivos, com uma única condição: ele não poderia olhar para trás e vê-la até eles chegarem, algo que não consegue cumprir, perdendo-a novamente por toda a eternidade.

Parece que nenhum dos envolvidos no terceiro filme da franquia, nem o diretor F. Javier Guitérrez e nem os três roteiristas (sendo um deles, Akiva Goldsman, cujo curriculum vai de Uma Mente Brilhante a O Código Da Vinci, da Série Divergente: Convergente a Batman & Robin) olhou para trás e conseguiu entender a importância, o impacto e a atmosfera do filme original ou até mesmo sua sequência, que parece ter sido completamente ignorada, e também não demonstraram o mínimo de amor pela Samara.

É com propriedade que eu posso afirmar nessa altura do campeonato, 15 anos depois do lançamento de O Chamado, que a refilmagem americana do seminal J-Horror, dirigida por Gore Verbinsky, é o filme de terror de toda uma geração. Samara, hoje eternizada no panteão do cinema de horror, foi a responsável por meter medo, mas muito medo numa molecada que das duas uma: ou ficou viciada em filmes de terror ou então simplesmente parou de assisti-los (pelo menos esses que tem fantasmas e encostos), por ter ficado traumatizada ou assustada demais com aquela menina de cabelo escorrido sobre o rosto saindo de dentro de uma televisão. Conheço pessoas de ambos os casos.

O lance é que O Chamado 3 é um filme terrível. E não é no bom sentido, não. É uma verdadeira afronta. Uma sequência de erros crassos em todos os elementos que compõem um longa metragem minimamente aceitável. É impossível defendê-lo em qualquer instância, principalmente quando a única sacada interessante desse remendo de roteiro escrito a seis mãos (que na verdade explora uma teoria levantada no curta-metragem Rings – mesmo nome do título original desse terceiro filme – lançado como um extra no DVD de O Chamado 2) dura apenas uma cena, sem aprofundamento nenhum, logo descartada de uma forma tão rápida e inócua.

O fenômeno parapsicológico da maldição de Samara, uma lenda urbana que vem se espalhando nos últimos anos, chega ao nível acadêmico, estudado pelo professor interpretado por Johnny Galecki (sim, o Dr. Leonard Hoffstader, simplesmente impossível de se levar a sério com uma barba por fazer e brinco na orelha) que reúne um grupo de estudos com alguns de seus alunos, criando uma espécie de “corrente” onde cada um vai assistindo ao vídeo, faz a devida cópia (hoje em .MOV e não mais na boa e velha fita VHS) e mostra para o próximo infeliz, que é chamado de “seguidor”, e assim por diante.

Lembra do Holt que falei lá em cima? Ele é um desses alunos que assiste ao vídeo, desaparece e Julia vai atrás de seu paradeiro, logo descobrindo tudo que está rolando. Para salvá-lo da morte iminente, pois o período de sete dias está para expirar, ela também assiste aquela velha sequência de imagens já conhecidas. Porém, no processo, o arquivo se corrompe e, ao ser analisado, surge um novo vídeo dentro do vídeo (???!!!), com uma nova sequência nunca antes vista, que conduzirá o casal a uma investigação que terá como ponto de partida a antiga cidade onde Samara nasceu e para onde seus restos mortais foram levados para serem enterrados depois de encontrados no poço. Claro que uma série de desgraceiras aconteceram no local por conta disso.

Todo o desenrolar desta investigação particular/ corrida contra o tempo é vexatória, repleta de coincidências e saídas fáceis, costurando um novo passado para Samara, antes de ser adotada pelos Morgan em sua fazenda de criação de cavalos (vale lembrar que a ideia original de O Chamado 3 era uma prequência que se passava antes dos acontecimentos do primeiro filme), explicações esdrúxulas, situações forçadas capaz de provocar risos involuntários e um desperdício cavalar do talento de Vincent D’Onofrio com seu cosplay de O Homem nas Trevas. Quando chegamos aquele final bisonho, parece que demorou sete dias para o filme terminar, e não 102 minutos.

Aliás, vamos lá, em tempos de YouTube e autoplay de vídeos no Facebook e Instagram, porque raios ninguém nunca pensou em subí-lo e passar a bucha da maldição para frente, sem ter que ficar caçando por aí algum pobre diabo para assistí-lo? Ou mandar em uma corrente nos grupos de WhatsApp? Era só renomear o vídeo para Neymar_e_Bruna_Marquezine_Caiu_na_Net e voilá! Samara teria um baita trabalho.

E como se não bastasse tudo isso, O Chamado 3 não assusta em NENHUM momento. Esse é o maior problema de todos. Sabe aquela aura sinistrona da Samara andando toda troncha e chuviscada ao sair do poço ou da televisão (agora nas telas planas de plasma e SMARTPHONES da vida)? Esqueça, não há nada disso e a moça enrugada e cabeluda não mete um pingo de medo em ninguém, nem na pessoa mais impressionável desse mundo, beeeeem diferente do que O Chamado causou lá atrás.

Muito desse desastre se explica no fato de que o filme deveria ter sido lançado em novembro de 2015 e após uma série de adiamentos por parte do estúdio, só chegou agora aos cinemas, três anos depois das filmagens terem acontecido. Isso nunca é um bom sinal. E dá para sacar porque Naomi Watts recusou reprisar seu papel e voltar para essa sequência. Deve ter imaginado a bomba que estava por vir...

O Chamado 3 é o fundo do poço. E dessa vez, vai ser BEM difícil a Samara conseguir sair lá de de dentro. Ou pelo menos por mais um bom tempo.