O Exorcista, a série, é a maior bomba da paróquia | JUDAO.com.br

Não tem Regan, nem Padre Karras, nem Padre Merrin, nem Pazuzu. Não funciona como adaptação. Não funciona como obra original. Ou seja…

O que esperar de uma série sobre O Exorcista — inspirada no livro de William Peter Blatty que se transformou no mais importante, icônico e maior filme de terror já feito — mas que não é uma série sobre O Exorcista?

Essa, com certeza, é a maior dúvida a se levantar sobre a produção televisiva que teve seu piloto exibido no Brasil na madrugada da última sexta-feira via canal FX, em estreia simultânea com os EUA. A única menção ao livro / filme original é quando o padre-gato-latin-lover-sarado Tomas Ortega (interpretado por Alfonso Herrera) está fazendo uma pesquisa na Internet em seu notebook e lê uma notícia sobre dois mortos durante um certo exorcismo em Georgetown e pinta a foto de uma famosa escadaria ilustrando a matéria.

Okay, vamos então abrir nossa mente, clarear nossos pensamentos e tentar esquecer um pouco que o seriado na verdade é de um oportunismo mesquinho ao decidir se anexar à famosa obra literária ou à transgressora película para tentar atrair espectadores (ou enganá-los). Que tal analisar a série como uma produção audiovisual independente sobre padres exorcistas e uma garotinha trancada em um quarto, possuída pelo demônio? Vamos lá.

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Os Rance, uma das famílias da paróquia do Padre Tomas, localizada em Chicago, vem passando por uma série de problemas estruturais. O patriarca Henry (Alan Ruck) foi acometido nos últimos meses pelo Alzheimer; a filha mais velha, Kat (Brianne Howey), saiu de casa para cursar a faculdade e voltou abalada após um trágico acidente de carro que provocou a morte de sua melhor amiga; e a mãe Angela (Geena Davis) tenta segurar as pontas junto da filha mais nova do casal, a fofinha Casey (Hannah Kasulka).

O comportamento errático, solitário, depressivo e violento de Kat, somado a uns supostos barulhos vindo do interior das paredes e uns objetos se movendo sozinhos no local fazem Angela procurar quase que de imediato Tomas para lhe confidenciar que a filha está possuída. Assim, na lata, sem absolutamente nenhuma construção de personagem, degradação física e psicológica perceptível, nenhum dos sintomas parecidos com o que vimos acontecer com Regan McNeill em um filme de pouco mais de 2h de duração. E olha que aqui estamos falando de uma série de cinco episódios na qual essa metamorfose espiritual e suas consequências fisiológicas poderiam ser muito mais detalhadamente exploradas.

CONCOMITANTE a isso, Tomas começa a ter pesadelos com o Padre Marcus (Ben Daniels), um exorcista pouco ortodoxo que falhou ao tentar retirar o Coisa-Ruim de um garoto em um vilarejo no México. Nessas viagens astrais durante o sono, o PÁROCO é testemunha do ritual romano fracassado e resolve procurá-lo, agora internado em uma instituição psiquiátrica. Isso aí, sem nenhuma investigação de caso, apenas por conta de seus sonhos, da sensação ruim e do relato sem o mínimo embasamento de Angela (amparado apenas por um corvo em CGI que atravessa a janela da sacristia enquanto os dois estão conversando).

Todo o desenrolar do episódio, dirigido por Rupert Wyatt, não se preocupa em criar nenhum clima, atmosfera, joga todas as informações na cara do espectador sem a menor preocupação na construção de história, não desenvolve seus personagens, não prende a atenção e aposta no óbvio, no show de pirotecnia, voz gutural, levitação e contorcionismo durante o malfadado exorcismo do Padre Marcus. E quando Tomas se depara pela primeira vez com a garota possuída (rola até um plot twist ali), não passa da tentativa frustrada de emular uma assombração do J-Horror em imagem gerada por computador.

Bem, falando sinceramente, não poderia se esperar nada de muito diferente depois das notícias, trailers e clipes sobre a série que já havíamos visto, mas né, a esperança é sempre a última que morre. Mesmo levando em consideração o fato da série ter sido criada e escrita por um certo Jeremy Slater. Não ligou o nome à pessoa? Pois bem, refresco sua memória: ele foi o roteirista daqueles que talvez sejam os PIORES filmes do ano passado: Renascida do Inferno e Quarteto Fantástico.

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Talvez o controverso ponto de não ter absolutamente nenhuma ligação com O Exorcista tenha sido seu único acerto, para não gerar comparações com o clássico material original. Mas, ao mesmo tempo, isso faz com que a série soe como um engodo, como uma picaretagem da boa, uma armadilha para fãs do horror desavisados que não reconhecerão ali certo universo familiar.

Só que, em paralelo, se mostra sem o mínimo de ousadia, de colhões em tentar trazer uma nova roupagem ao clássico ou mesmo atualizá-lo para uma nova geração que não sente mais medo em vômitos de abacate ou um boneco com a cabeça girando em 360º. A gente no mínimo esperava o mesmo que rolou com Hannibal, que distanciou-se dos filmes e livros de Thomas Harris e ainda assim conseguiu ser autoral e entregar uma das melhores séries da atualidade.

Não é a mesma história, não é a mesma cidade, não são os mesmos personagens, ainda que em suas novas versões. No máximo toca Tubular Bells ao final do episódio. Pergunto-me quem da emissora da Raposa deu o sinal verde para a produção desse material.