O fim de The Big Bang Theory e a melancolia do nerd tóxico | JUDAO.com.br

Episódio final da jornada de Sheldon e sua trupe na TV é até fofo e emocional, mas só reforça o quanto estes personagens perderam a chance de mostrar uma evolução que se esperava na série e na vida real

Cinco anos atrás, em Março de 2014, eu escrevi um texto pro JUDAO.com.br intitulado Afinal, qual é a desta birra com The Big Bang Theory?, que dividiu opiniões não só entre leitores mas também dentro da nossa redação. Eu via o diacho do programa, me divertia com ele e não entendia porque tanta gente na mídia especializada disparava críticas sem parar contra a bem-sucedida produção de Chuck Lorre.

Neste último final de semana, quando foi exibido o episódio final da 12a temporada da série e também aquele que encerra definitivamente a jornada deste grupo de ~nerds disfuncionais, me vi obrigado a reler o que escrevi, para tentar entender o que mudou de lá pra cá. Neles e, claro, em mim. Mesmo tendo abandonado a série de vez há pelo menos duas temporadas, confesso que parte das minhas opiniões expostas ali continuam valendo. Infelizmente, isso significa que algumas delas para o bem e outras para o mal.

A utilização escrota do termo “bazingueiro”, por exemplo, como uma forma de se referir a alguém que é um “novato” na cultura pop, que descobriu os gibis da Marvel com os filmes do cinema ou algo assim, ainda me irrita profundamente. É o ápice desta prática merda de se colocar no Olimpo da nerdice, de dizer que só quem viveu a época da trilogia original de Star Wars está apto a dar opinião sobre a franquia e os mais novos, que conheceram a saga a partir dos episódio I, II e III, têm que apresentar a carteirinha de fã e pedir a benção aos mais velhos.

MAS VAI SE FODER.

No entanto, tem uma outra questão que levantei no texto e que aqui retorna ainda mais forte, sobre o retrato do nerd, do geek, como diabos prefira chamar, do fã devotado de cultura pop, na série. É uma caricatura típica das séries cômicas, é um estereótipo? Claro que sim. Mas muito factível. Muito próximo da realidade. E isso, aqui no ano de 2019, é uma PÉSSIMA NOTÍCIA.

O tom mais emocional deste derradeiro episódio, enfim retratando Sheldon, Leonard, Raj, Howard, Bernadette, Amy e Penny como uma espécie de família, reforçando a importância que uns têm nas vidas dos outros, funciona. O discurso do personagem de Jim Parsons na cerimônia de recebimento do Prêmio Nobel é bonito, doce, fofo até. Mas, cá entre nós... não é o tipo de coisa que veio tarde demais? Porque, sejamos honestos, Sheldon já tinha ultrapassado a linha entre o adorável esquisito e o excêntrico insuportável há muitas temporadas. Já tinha causado situações ainda mais constrangedoras e forçado o limite do amor que os amigos e a esposa sentem por ele. Não seria o caso da reação mais forte por parte deles ter acontecido antes? Não faria sentido esta ficha ter caído mais cedo pro cara?

A evolução do personagem podia ter começado um pouco antes. Podia não ter sido assim, tão num estalar de dedos. Até porque ele já tinha, em tese, passado por transformações significativas antes, ao descobrir o amor, o sexo, as dores e delícias de um relacionamento. Tá bom, isso é uma comédia, não um tratado de psicologia. Mas nada tinha sido o suficiente pra fazer a sua visão egocêntrica de mundo começar a mudar significativamente além de uns pequenos surtos em alguns momentos chave?

É uma merda você assistir aos dois últimos episódios de uma série que você não via tem pelo menos dois anos e ter compreendido total e rigorosamente tudo. Mais do que isso, até: senti que estava vendo a mesma The Big Bang Theory que larguei lá atrás. Se eu misturasse este episódio no meio de uma temporada anterior qualquer, talvez na temporada 10 ou 11, passaria batido tranquilamente. Pouco pareceu ter mudado.

Se passou uma década, minha gente. Se os roteiristas foram inteligentes o bastante para saber incorporar as referências certas conforme tivemos uma Marvel se tornando esta gigante dos cinemas, por exemplo, ou mesmo novas tendências em computadores, smartphones, redes sociais... Estava tudo lá. Será que eles não sacaram uma parada ainda maior, mais ampla, toda a discussão ao redor do que é ou não ser nerd nos dias de hoje?

Aliás, confesso que me sinto até meio idiota de continuar usando esta expressão, NERD, porque ela passou a me incomodar profundamente. Virou sinônimo de um ambiente tóxico, um nicho impenetrável de especialistas que não querem que nada mude no seu mundinho, que dão chilique quando a Jane Foster ergue o Mjolnir e vira a Thor, que se rasgam todos ao descobrir que o Sam Wilson é o novo Capitão América, que perdem horas editando um filme de Star Wars para diminuir a participação feminina.

Leonard, Raj, Howard e Sheldon permaneceram os mesmos de uma década atrás, na qual a figura do leitor fiel de gibis, consumidor voraz de ficção científica, virou motivo de curiosidade para quem não fazia parte deste mundinho até então insondável. “Os nerds estão em evidência. Os nerds estão na moda. Os ícones nerds transcenderam a esfera do universo dos nerds e foram para o mundo”, escrevi eu mesmo naquele texto de cinco anos de idade.

Os nerds continuam em evidência, sabe? Mas agora por motivos PÉSSIMOS. Pelo bullying escroto no Twitter ou no Instagram com mulheres das quais eles passaram a não gostar por algum motivo que só eles entendem, forçando-as a desaparecer do mundo virtual — Chelsea Cain, Leslie Jones e Kelly Marie Tran podem contar um pouquinho mais a respeito. Ou talvez um punhado de editoras da Marvel que só queriam tomar seus milkshakes em paz. Nerds que atacam qualquer tentativa de diversidade, qualquer olhar de uma minoria de dentro pra fora ou mesmo de fora pra dentro.

NERDS.

Se nenhum roteirista da série conseguiu minimamente enxergar uma chance de trazer isso da vida real para os seus personagens, para fazê-los crescerem, evoluírem, se transformarem ao longo de 12 anos, porra, sem exagero, que cagada MONSTRO.

Howard Wolowitz, o homem que faz questão de lembrar a todos que já esteve numa missão espacial, talvez seja o maior exemplo do quão problemática é esta postura. O cara encontrou e quase perdeu a mulher da sua vida, casou, teve dois filhos, se envolveu em uma experiência profissional absolutamente transformadora... e continua o mesmo babaca de sempre. O filhinho da mamãe era o dono das piadas mais machistas e homofóbicas da série. Nunca cresceu. Nunca amadureceu. Nunca conseguiu perceber o quão constrangida deixava sua esposa ao sugerir que ela e Penny teriam tomado banho juntas, e isso o deixava excitado, como neste último episódio.

História real. SÉRIO.

Uma presença muitíssimo mais perturbadora do que a do Sheldon, aliás. E, ainda assim, sempre cercado e apoiado pelos amigos. Isso é MUITO vida real. Mas não deveria ser. E aí está o grande ponto.

O discurso que Amy fez ANTES de Sheldon ao aceitar o Nobel de Física, aliás, reforça o outro lado desta moeda. É lindo quando ela diz que gostaria de inspirar mais e mais meninas a nunca desistir da ciência — e quando a gente lembra que a Mayim Bialik que a interpreta também é cientista, putz, isso ganha ainda mais em significado. Mas... e as meninas da série? Como caralhos elas ainda aguentam um Howard em suas vidas, ainda mais num mundo que cada vez mais fala e discute o mesmo empoderamento que a própria Amy menciona naquele que é o momento mais importante de sua vida?

Quando The Big Bang Theory tornou Amy, Bernadette e Penny de fato tão protagonistas da série quanto as rapazes, o texto deu uma visível subida de qualidade. Os roteiristas se viram diante de situações mais complexas e responderam bem, passaram a colocar mais camadas de significado, criaram uma comédia que não era mais “sitcom de menino”. Mas o mais frustrante é que isso durou muito pouco tempo. A brilhante cientista Bernadette virou apenas uma escada, um penduricalho para as gritantes nojeiras do marido. Penny ficou perdida quando abriu mão de seu sonho como atriz para se tornar uma “mulher séria”, não vestindo mais as roupinhas curtas que Sheldon tanto criticava, aí sim ela poderia ser respeitada. E a Amy... no fim, eternamente relegada aos gracejos sobre a mina que, para ser inteligente, precisava ser feia, esquisita e desengonçada e que, vejam só vocês, tomou o chamado BANHO DE LOJA com o dinheiro do Prêmio Nobel.

Porque é, ela também ganhou um. E, com o dinheiro, comprou roupas e maquiagens.

Mais uma chance jogada no lixo. Uma oportunidade de ouro para tratar com leveza e bom humor uma situação de misoginia neste mercado cada vez mais comum e que precisa, isso sim, ser debatida, discutida e COMBATIDA.

Por tudo isso, é bom, no frigir dos ovos, que The Big Bang Theory tenha mesmo chegado ao fim. Ótimo, aliás. Porque se a série tivesse uma sobrevida, era capaz que aí sim Sheldon, Leonard, Raj e principalmente Howard se tornassem ativamente os trolls que atacam as minorias que estão “estragando” seus hobbies de infância, tadinhos, e vindo se meter num mundo que não lhes pertence, que absurdo.

E deste tipo de desserviço, numa boa, a gente realmente não anda precisando nos dias de hoje.