Além de tudo, Christopher Lee ainda cantava. HEAVY METAL. | JUDAO.com.br

O lendário ser humano britânico, que morreu essa semana aos 93 anos, também tinha um lado musical…

Drácula. Sherlock Holmes. Conde Dooku. Saruman. Vilão do James Bond. O pai do Willy Wonka. Jaguadarte. Sério. É complicado terminar de listar a quantidade de papéis memoráveis que Sir Christopher Frank Carandini Lee, cavaleiro condecorado pela coroa britânica, desempenhou ao longo de seus mais do que bem-vividos 93 anos.

Em nome de Odin, o camarada foi caçador de nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhando para o gabinete de Churchill – e sua experiência em campo, segundo afirmam alguns especialistas, teria inspirado seu primo, Ian Fleming, na criação do agente secreto 007. Pense no quão badass você tem que ser pra reunir tudo isso numa pessoa só?

Complete a mistura com um temperinho especial, então: Christopher Lee também era cantor de heavy metal. Sim, não é uma piada. Metal mesmo, genuíno, aquela coisa dos cabeludos, camisetas pretas, guitarras em alta voltagem.

O flerte de Lee, dono de um baita vozeirão de barítono, com o mundo da música começou em 1973. Ele cantou a música de inspiração folk The Tinker of Rye, na trilha sonora de O Homem de Palha, estrelado por ele mesmo (e que depois geraria um tenebroso remake com Nicolas Cage, mas vamos evitar tocar neste assunto). Rolariam diversas participações especiais desde então até que, apenas em 1998, o ator resolveu embarcar em seu primeiro disco solo, Christopher Lee Sings Devils, Rogues & Other Villains, com versões de canções de musicais da Broadway e afins que estivessem essencialmente relacionadas com personagens malignos. Levando a sua voz e o seu histórico cinematográfico, fazia total sentido. :)

Em 2004, viria a grande virada: o convite da banda italiana de power metal Rhapsody of Fire para que Lee fosse o narrador em algumas faixas de Symphony of Enchanted Lands II – The Dark Secret. A escolha era meio óbvia: eles precisavam de uma voz imponente para criar conexões entre as canções, todas parte de um único conceito de história de fantasia medieval criado pelo guitarrista Luca Turilli e pelo tecladista Alex Staropoli, principais compositores do grupo. A inspiração, dã, era em Tolkien e demais autores similares. Por que diabos não ter o próprio Saruman narrando, então?

“Bom, não é que ele seja exatamente um fã de heavy metal”, me confessou pessoalmente, em entrevista realizada naquele mesmo ano, Staropoli, quando perguntei sobre a participação de Lee. De fato, o ator tinha muito mais familiaridade com música clássica, por exemplo, do que efetivamente com o bom e velho bate-cabeça. Mas o estilo musical executado pelo Rhapsody, este tipo de metal europeu que tem ares épicos e flerta bastante com o lado mais clássico, ao mesmo tempo em que entrega o peso típico do gênero, não lembra a fúria primal do thrash metal de bandas como Metallica, Pantera, Slayer e derivados. Ou seja: tinha potencial para capturar o coração do velho mestre. E conseguiu: “Eu associo o heavy metal com o gênero de fantasia por causa do tremendo poder que a esta música traz”, afirmou Lee em certa ocasião para a BBC.

A parceria com o Rhapsody continuaria ao longo de mais quatro discos – desta vez, não apenas como narrador, mas também interpretando personagens como o sombrio Rei dos Magos (sacou?). Todavia, a banda inteligentemente quis aproveitar a popularidade de Lee e resolveu fazer uma versão diferente para The Magic of the Wizard’s Dream, canção de Symphony of Enchanted Lands II que, no disco, trazia a participação de um cantor de inspiração operística. Assim sendo, o ator foi convidado para cantar estas partes numa interpretação diferente da música, dividindo os vocais com o vocalista Fabio Lione (que, atualmente, também é o cantor da banda brasileira Angra). O resultado é lindíssimo – e mostra que Lee tem a voz certa para este tipo de metal, em particular:

O dueto fez com que ele arriscasse uma coisa diferente para o seu disco de covers, Revelation, lançado em 2006. Entre versões de My Way (Frank Sinatra) e uma mistura de O Sole Mio e It’s Now or Never, ele fez uma poderosa reinterpretação heavy metal da canção do Toreador, saída da ópera Carmen, contando com a participação da banda inglesa Inner Terrestrials. E, caceta, o negócio ficou legal mesmo. A gente achou... e, bom, o próprio Lee também curtiu. Em 2010, Lee acabou sendo convidado pelos veteranos do Manowar para fazer as narrações de Battle Hymns MMXI, a regravação oficial de seu primeiro álbum – que, originalmente, contou com outro vozeirão cinematográfico, o de Orson Welles, fã declarado do som de Joey DeMaio e companhia. Mas a semente de algo maior e mais ousado estava plantada e, pouco depois, no mesmo ano, sairia Charlemagne: By the Sword and the Cross, seu primeiro disco solo de heavy metal. \m/

Trata-se de um álbum conceitual, do jeito que os bangers adoram, que versa sobre a história real do imperador romano-germânico e rei dos francos e dos lombardos Carlos Magno, que iniciou seu reinado a partir do ano 768. O mais interessante disso tudo é que o próprio Lee é descendente direto do homenageado de sua obra (PUTAQUEPARIU QUE PESSOA). O som é um heavy metal sinfônico, tipicamente europeu, com um monte de convidados especiais – inclusive sua própria filha, Christina.

O disco foi tão bem aceito que lhe valeria o prêmio Spirit of Metal, reconhecimento especial durante a edição 2010 do Metal Hammer Golden God Awards, principal premiação do gênero metálico. “Sou só um garotão no começo da carreira”, disse no palco, ao receber a estatueta.

Uma continuação surgiria em 2013 – e desta vez, com uma pegada menos sinfônica e mais metal ainda. “O primeiro disco é bem metal, mas as faixas nas quais eu cantei são mais sinfônicas”, afirmou Lee ao Guardian. “Mas neste segundo, é tudo 100% heavy metal. Fiz minhas partes e é tudo bem metal. Não estou gritando ou nada disso, mas é definitivamente heavy metal”. E é. Para garantir isso, ele contou com a ajuda do guitarrista Richie Faulkner, que mais tarde passaria a integrar o time dos gigantes do metal Judas Priest.

“A maior parte das canções já estavam lá, mas eles precisavam de riffs, partes de bateria e outras coisas que refletissem o que eles precisavam – que era um disco de metal com o objetivo de ser tocado ao vivo com uma banda”, conta Faulkner. “Algumas das faixas que recebi nem tinham música, era só Sir Christopher cantando suas melodias. Eu lembro do quão surreal foi sentar na minha casa com a voz de Saruman explodindo nos alto-falantes. Nem tenho ideia do que os vizinhos pensaram”.

Em 2012, ele ainda daria continuidade a uma divertida tradição que toda boa banda de heavy metal já seguiu e lançaria um disco de canções natalinas. O EP A Heavy Metal Christmas seria seguido por A Heavy Metal Christmas Too, em 2013. Com Jingle Hell, sua versão mais “sacana” para Jingle Bell, ele se tornou o intérprete musical mais velho a entrar nas paradas da Billboard, superando Tony Bennett – que atualmente tem 89 anos.

A última incursão musical de Christopher Lee rolou no ano passado, com outro EP, batizado de Metal Knight. Desta vez, as faixas eram inspiradas na história de outro personagem marcante: Don Quixote. “Don Quixote é o personagem ficcional mais metal que eu conheço”, disse, em papo com o The Verge. “Ele está tentando mudar o mundo, apesar de quaisquer consequências pessoais. É um personagem maravilhoso para se cantar”. Duas das músicas são versões daquelas que se pode ouvir no musical O Homem de La Mancha, I, Don Quijote e The Impossible Dream. Tudo levava a crer que a ideia era transformar esta jornada em um disco full. Mas Lee, infelizmente, não teve tempo para tanto.

Há quem diga que nunca é tarde para enfiar as caras e começar um projeto na vida – e é natural que se diga, por exemplo, que Stan Lee estourou como escritor de quadrinhos quando já passava dos 40. Pois vejam este outro Lee, aqui. O sujeito resolveu construir uma carreira como cantor de rock pesado aos 88 anos de idade. E o fez muito bem, para headbanger nenhum botar defeito e bater cabeça como se deve.

“Na minha idade, a coisa mais importante é se manter ativo fazendo coisas que eu realmente gosto”, afirmou Lee, numa entrevista para o site especializado Blabbermouth. “Eu não sei por quanto tempo estarei por aí, então cada dia é uma celebração e eu quero compartilhar isso com os meus fãs”.

E você aí, reclamando da vida. Christopher Lee tá de olho...