Especial que começa a nova fase da Casa das Ideias traz quase que todos os erros dos relançamentos anteriores, mas poucas de suas qualidades
Nos últimos anos, a estratégia se tornou uma regra na Marvel é, ao sentir que a atual linha de gibis está perdendo o fôlego, a editora relança boa parte de suas publicações, com um novo banner, novas equipes criativas e até com novos personagens. Deu certo algumas vezes, sim, incluindo a introdução de personagens como a Thor, a nova Miss Marvel e a Spider-Gwen. Mas, a cada relançamento e novos números 1, a Casa das Ideias parecia ir perdendo um pouco da credibilidade de seus leitores. Parecia tudo mais descartável, e mais difícil de acompanhar.
Marvel Legacy, a nova fase da editora, chega para, de alguma forma, reverter essa sensação. Publicações estão voltando para a sua numeração histórica (Mighty Thor está pulando para o número 700, enquanto Amazing Spider-Man chega na edição #789, por exemplo), personagens clássicos, há algum tempo desaparecidos, estão retornando – tudo isso enquanto a editora tenta manter as novas e recentes versões que deram certo.
Para iniciar o novo momento, foi publicado, na última semana, o especial Marvel Legacy #1. Uma edição única, com roteiro de Jason Aaron e arte de Esad Ribic e Steve McNiven. Com mais de 50 páginas, o gibi foi feito na medida para introduzir os leitores a este novo momento. Mas, ao ver o resultado final, dá pra ficar exatamente com o mesmo gosto na boca de relançamentos anteriores – o que, a esta altura do campeonato, não é uma coisa boa.
A revista é, na realidade, uma colagem de linhas narrativas diferentes, que apresentam o status de diversos pontos do Universo Marvel para novos e antigos leitores. Apesar de ter uma linha narrativa que se conecta, tudo parece um grande compilado – se antes da Casa das Ideias publicava diversas edições especiais para apresentar a nova realidade dos personagens, agora fez isso em apenas um gibi. Economiza o nosso dinheiro, mas o resultado final não é muito diferente.
SPOILER! A história que amarra todas essas pontas começa com os Vingadores de 1.000.000 AC, que atuam em uma Terra ainda dominada pelos primatas – em uma história no qual eles enfrentam um Celestial, que traz impactos diretamente no presente (e que envolvem o Loki). No presente, vemos a Loki, o Capitão América (Sam Wilson) e a Ironheart lutando juntos, quase como uma nova versão dos Vingadores. Enquanto isso, Steve Rogers segue a sua trajetória de reencontrar seu próprio caminho e a confiança das pessoas após os eventos de Secret Empire.
Há ainda os desdobramentos da atual realidade em Asgard, o retorno das Joias do Infinito (efeito do cinema), o sumiço do corpo de Tony Stark (alguém acreditava que ele ia continuar em coma por mais muito tempo?), indicações sobre a tal da heroína que fundou os Vingadores e todo mundo esqueceu que existia (sim, isso novamente), e o fato do Wolverine (isso, o Logan, o “jovem”, não o Velho) estar vivo — esse renascimento até que demorou, vai.
Tudo isso narrado pela Valeria Richards, que segue com os “pais” Reed e Susan desbravando o multiverso (o que estão fazendo desde o fim de Guerras Secretas). É Val que fala sobre legados durante toda a história, numa narração que é, de alguma forma, o único ponto positivo de todo o especial. Afinal, fala de como nossas ações impactam no mundo, e de como refletem no legado que deixamos para os outros. Um discurso que ecoa, de certa forma, o que vem acontecendo nos EUA do ano passado pra cá.
Talvez tivesse sido mais interessante deixar de lado esses enredos paralelos, que mais deixam o leitor perdido do que funcionam como teasers das novas séries, e apostar em uma história única, mais coesa. Tenho minhas ressalvas com o especial que iniciou o Renascimento da DC – muito por lidar apenas com os leitores das antigas, sendo que o discurso da editora era de também se manter acessível aos novos leitores – mas contar uma história única, que traz em sua essência o espírito da nova fase, faz mais sentido.
Se tivesse sido um especial dos Avengers 1,000,000 BC, a chegada do Celestial à Terra e o impacto no presente, sem pausas ou idas e vindas, Marvel Legacy teria ganhado muito mais. Não ganhou.
No final, é um gibi que comete os mesmos erros do passado, mas traz pouco dos seus acertos. Pena. Vamos ver, agora, se o resto da linha consegue engrenar.