O personagem deve estrelar um filme próprio, num projeto que tá sendo tocado por Robert Rodriguez – mas quase tivemos um tal de Jack Armstrong, o cara dos CEREAIS, no lugar
Jonny Quest, aquele clássico personagem da Hanna-Barbera, vai virar filme – se tudo der certo, claro. Inclusive, já escolheram o Robert Rodriguez pra dirigir a produção, que tá tendo o roteiro reescrito pelo cara e por Terry Rossio (dos quatro filme de Piratas do Caribe, entre outras coisas).
Mas... E se eu te contar que QUASE não tivemos o Jonny Quest nessa história toda, mas sim um personagem chamado Jack Armstrong? Tem mais: se você viu a série clássica do filho do Sr. Benton, viu o Jack várias e várias vezes. Pra entender isso, hora de voltar no tempo...
Eram os anos 60, quando a Hanna-Barbera chutava bundas nas produções pra TV – se hoje temos Os Simpsons, agradeça aos Flintstones criados por essa galera. Nesse turbilhão criativo, foram em busca de um personagem que rendesse aventuras mais elaboradas pelo mundo e que fosse estrelada por um garoto. Chegaram justamente o Jack Armstrong, um personagem que tinha estreado num seriado de rádio em 1933, chamado Jack Armstrong, the All-American Boy.
Porque sim, antes da TV era o rádio que ditava o entretenimento diário das pessoas — quem viu Agent Carter sentiu o gostinho dessa época, aliás. E claro que o business dos americanos já tava presente: o personagem foi criado pelo vice-presidente de marketing da General Mills, uma fabricante de alimentos, pra promover um cereal.
Nas histórias, basicamente, Jack, que era um atleta popular da Hudson High School, saía pelo mundo pra acompanhar os amigos Billy e Betty, ao lado do milionário Tio Jim, em aventuras nos lugares mais exóticos do mundo, além de usarem gadgets e equipamentos que eram muito avançados pra época. Ocupando o horário das 17h às 18h (que era o momento das crianças no rádio), o programa teve um rápido sucesso e durou até 1951 – sendo que, na última temporada, o herói se formou do colégio e se tornou um agente do governo.
Pra você ter uma ideia do sucesso, a General Mills chegou a registrar mais de 150 mil pedidos de um dos brindes do personagem, que poderia ser ganhado juntando tampas da caixa do cereal.
Ficou curioso pra saber como o personagem movimentava tanto as pessoas naqueles tempos? Então aqui vai algo sensacional: diversos episódios sobreviveram e estão disponíveis na internet. Just push play. ;)
A popularidade não ficou só no rádio ou nos cereais, não. Em 1947, a Columbia produziu um seriado pro cinema (que, antes da TV, era onde a galera passava as tardes se divertindo), só que com uma versão completamente diferente do personagem. Jack Armstrong era um gênio da ciência que precisava libertar os amigos de uma fortaleza numa ilha distante. Na mesma época, o personagem teve um gibi que durou 13 edições, além de um livro na coleção Big Little Book.
1933, 47, 51... Pode parece algo distante pra nós, mas a garotada que ouviu e viu o personagem naqueles tempos eram os mesmos que, no começo dos anos 60, estavam trabalhando na H-B. Por isso, nada mais natural do que lembrar de Jack Armstrong na hora de planejar uma nova animação pra TV. Foi então que Doug Wildey, um quadrinista que foi trabalhar no estúdio, ganhou a missão de pensar numa adaptação de Jack para a telinha.
Doug fez, a partir daí, um puta trabalho, caçando revistas com novidades cientificas no dia a dia (como Popular Science, que eram comuns na época) pra pensar como seria o mundo dez anos depois, que seria quando o programa se passaria – e abriria espaço pra uma pegada mais sci-fi sem fugir muito do dia a dia de quem estava vendo.
Isso tudo gerou um teste de animação e storyboards, criados pra apresentar a ideia da série animada para os donos dos direitos do personagem. O que aconteceu a seguir é o que você imagina: não houve acordo.
Com a má notícia na cabeça, Doug foi pra casa. Descansar? Nunca. Em uma noite, ele escreveu o que seria a série animada do Jonny Quest, misturando o que já tinha pensado para o Jack Armstrong com inspirações vindas das tiras de Terry e os Piratas, dos filmes do Jackie Cooper (que, antes de ser o Perry White de Superman, era astro infantil de filmes de aventura), dos filmes do James Bond (ou melhor, DO filme, o primeiro, 007 Contra o Satânico Dr. No) e de personagens como o Doc Savage.
O mundo então conheceu Jonny Quest em 18 de setembro de 1964. Era uma animação como nunca tinha sido vista antes: por mais que fosse estrelada por um garoto, os enredos eram mais adultos e elaborados que a média. A trilha, vinda do jazz, era incrível. O estilo de animação, por mais que usasse diversos recursos comuns para redução de custos na época, era muito superior a qualquer outra coisa que era produzida naqueles tempos. E o mais intrigante: Jack Armstrong estava ali!
Não, não digo em espírito. Ele DE FATO estava ali, na sequência de encerramento. A Hanna-Barbera não jogou fora todo o teste produzido pro personagem, encaixando algumas cenas no final de todos os episódios. É justamente aquela parte que vemos dois garotos – no caso, Jack e o amigo Billy – escapando de guerreiros africanos e entrando em um avião.
O tempo foi passando e Jack Armstrong foi caindo no ostracismo, já que por muito tempo ficou fora do cinema, TV e rádio. Até da embalagem do cereal ele sumiu. Só que isso não impediu que Jack QUASE fosse para a tela grande ANTES do Jonny Quest.
No anos 90, começaram a desenvolver um jogo do personagem, chamado American Hero, para o Jaguar CD, gravado como um filme mesmo e que tinha Timothy Bottoms no papel principal – no caso, de um militar que voltava ao combate, apesar do passado violento, algo bem distante do original. O Jaguar CD foi um desastre de vendas, o que levou o jogo a ser cancelado em 1995. Só que isso não impediu de tentarem relançá-lo como filme em 1997 – até descobrirem que erros no processo de edição danificaram os negativos. Recorreram ao seguro, que pagou aos produtores como perda total.
Jack Armstrong assim voltou para o limbo. Bom, foram quase 20 anos de sucesso lá na época do rádio, deixando um herdeiro que fez muito mais na era da televisão. Dá pra dizer que foi uma bela vida. ;)