O quase Resident Evil de George A. Romero | JUDAO.com.br

Quando a adaptação do game para os cinemas pelas mãos do pai dos zumbis bateu na trave…

Em uma daquelas realidades alternativas que são melhores que a nossa, ninguém menos do que George A. Romero, o cara que revolucionou o cinema americano de horror moderno, responsável por introduzir o conceito dos cadáveres ambulantes comedores de carne humana no seminal clássico A Noite dos Mortos-Vivos, lançado lá no longínquo ano de 1968, dirigiu a adaptação de Resident Evil para as telonas.

O ponto é que isso só aconteceu nesse maravilhoso mundo paralelo mesmo, tipo What If da Marvel, porque em nosso caso, essa parada bateu na trave e por pouco não virou realidade, o que acaba deixando muita gente emputecida, especialmente vendo o destino que a franquia de games ganhou ao ser levada aos cinemas pelas mãos de Paul W.S. Anderson.

Em 1998, Romero foi contratado pela Capcom para dirigir um comercial live action do jogo Resident Evil 2, a ser exibido na televisão japonesa e estrelado por Brad Renfro e Adrienne Frantz. Os dois vídeos de 30 segundos mostram ambos tendo de lidar com uma horda zumbi que invadiu uma delegacia e esse documentário aí embaixo mostra o making of dos vídeos.

Frantz falou para a Variety como ficou impressionada com a dedicação de Romero em recriar imagens específicas do game: “Todo detalhe contava pra ele. Eu lembro do diretor me ensinando como engatilhar uma espingarda corretamente!”, explicou. A atriz ainda rasgou aquela famosa seda para o tiozão de Pittsburgh: “Foi uma honra trabalhar com uma lenda como ele. Todos os filmes e seriados de zumbi que vemos hoje em dia existem por causa dele. Ele começou uma verdadeira revolução no cinema de terror”. Toma aí meu joia, Frantz!

O caso foi que a Sony Pictures ficou deveras impressionada com o resultado final desse comercial e resolveu contratar Romero para escrever e dirigir a vindoura adaptação cinematográfica do jogo. E isso era ótimo para o diretor, uma vez que ele estava em uma espécie de limbo durante aquele período — seu último filme havia sido A Metade Negra, baseado no livro de Stephen King e lançado em 1993 — preso em um contrato de 10 anos com a New Line Cinema, que pagava para que ele desenvolvesse projetos, mas nenhum deles vingou.

Ao mesmo tempo, para Sony e Capcom, vincular o filme ao nome de Romero era uma tacada de mestre, uma vez que isso daria uma CHANCELA para a produção e brilharia os olhos dos fãs de joguinhos, que meio que sempre quiseram ver seus personagens na telona, mas nunca o viram de maneira, digamos assim, satisfatória.

Até hoje, aliás.

Rob Kunhs, diretor do documentário Birth of the Living Dead (2013), dedicado ao impacto cultural de A Noite dos Mortos-Vivos, acredita que contratar Romero naquele momento faria um baita sentido em termos de bilheteria. “Naquela época, quando se pensava em zumbis, se pensava em Romero. Seu envolvimento garantiria um certo número de pessoas indo assistir ao filme”, explica. Ainda mais colocando na balança que seu último sucesso nessa SEARA, Dia dos Mortos, fim da sua até então trilogia, havia sido lançado havia mais de dez anos, em 1985. Desde então, os romerobitches estavam ávidos por uma nova incursão do diretor no universo dos mortos-vivos que ele ajudara a popularizar.

A história se passaria na famigerada Mansão Spencer em Raccoon City, palco do primeiro jogo, e traria os populares personagens Chris Redfield e Jill Valentine. Diferente do que chegaria às telas pelas mãos de Anderson, o roteiro de Romero era bastante fiel e, além dos zumbis, trazia uma série de criaturas bizarras incluindo tubarões mutantes, cobras gigantes e plantas carnívoras, elementos tirados do jogo inicial da série.

Segundo Jamie Russell, autor do livro Zumbi – O Livro dos Mortos, lançado no Brasil pela Editora Barba Negra, a ideia é que a produção fosse uma história de horror com um desenvolvimento slow-burn, pontuada por momentos de terror intenso, em um tom e estrutura diferentes daquela parada meio sci-fi com ação pós-Matrix. “A versão que chegou às telas pegou o conceito original do jogo e colocou esteroides. É impetuosa e implacável, e às vezes você esquece que está assistindo a uma adaptação de Resident Evil e não de Call of Duty”.

Apesar do know-how do cinema zumbi de Romero e sua ideia de criar um terror psicológico próximo à mitologia do game, a Sony e Capcom acabaram por descartar o seu roteiro, como bem sabemos. O produtor da Capcom, Yoshiki Okamoto, declarou na época que “o roteiro de Romero não era bom, por isso, ele foi demitido”. Assim, na lata. Segundo Russell, a rejeição afetou bastante Romero, especificamente porque “de seu ponto de vista, os jogos são basicamente um rip-off de seus filmes de mortos-vivos”.

Anderson entregou seu roteiro, ganhou sinal verde – uma vez que a Sony imaginava que era exatamente aquilo que os fãs gostariam de ver em termos de filme de ação no começo dos anos 2000 – o orçamento de 33 milhões foi aprovado (imagine essa bagatela nas mãos de Romero?), Milla Jovovich foi chamada para encarnar a personagem Alice e o resto é história: Resident Evil: O Hóspede Maldito (E ESSE SUBTÍTULO EM PT-BR??? QUEM FOI O RESPONSÁVEL???) chegou aos cinemas americanos em 15 de Março de 2002 e faturou mais de 102 milhões de dólares no mundo todo.

Toda essa decisão questionável da Sony, gostando ou não, acabou gerando uma franquia de sucesso, que já rendeu mais de um bilhão de dólares, mas ficou aquele gosto amargo na boca de Romero e dos fãs, que até hoje se perguntam, tal qual Uatu, o Vigia: “o que aconteceria se...”

Bem, se serve de consolo, o sucesso de Resident Evil nos cinemas reviveu o interesse do público nos zumbis e pavimentou o caminho para que, em 2005, Romero finalmente concluísse sua quadrilogia com Terra dos Mortos, e depois ainda tivesse fôlego pra dirigir mais dois filmes: Diário dos Mortos e Ilha dos Mortos. E claro, por CONSEGUINTE, fez a figura do morto-vivo putrefato se tornar uma febre e ajudou The Walking Dead a chegar na TV, fazendo todo o estardalhaço que já conhecemos.

Quase 20 anos depois dessa treta, Resident Evil 6: O Capítulo Final chega aos cinemas neste 26 de Janeiro, colocando um ponto final nessa história toda. Já o roteiro original de Romero, que entrou para o infame grupo de projetos que não rolaram mas que gostaríamos de ver nem que fosse pela curiosidade mórbida, como o Duna de Alejandro Jodorowsky, o Watchmen de Terry Gilliam ou o Homem-Aranha de James Cameron, você consegue ler aqui.