Demorou quatro anos, mas finalmente saiu o novo álbum, deixando órfãos aqueles que esperavam uma coleção de batidões para descer até o chão.
Imagine que você é Jay-Z, não apenas um dos maiores nomes do rap americano, mas também um respeitado homem de negócios. Que inventou de comprar umas empresas aí para lançar uma plataforma de streaming capaz de fazer frente aos Spotify e Deezer da vida. Você agora tem em mãos o tal do Tidal que, bom, não foi assim o maior sucesso de todos. O que você faz? Simples: como sujeito poderoso que é, convoca uma de suas pupilas mais estreladas para lançar o seu aguardado novo álbum gratuitamente por lá. Primeiros downloads liberados em MP3, na faixa, só pra divulgar o serviço.
A tal pupila de Jay-Z, no caso, é ninguém menos do que Rihanna. Um dos nomes mais bombados da atual cena pop global, que tem tantos singles carimbados no topo das paradas quanto um certo Michael Jackson. Uma cantora que, desde seu surgimento em 2005, vinha colocando no mercado álbuns repletos de hits e com uma frequência absurda. Uma cantora 100% radiofônica. Mas algo veio mudando de lá pra cá. De apenas um rostinho bonito cantando no papel de vítima, ela acordou e começou a mostrar uma faceta mais chutadora de bundas. Se empoderou e perdeu o medo de falar de sexo, de drogas, de ser a maluca que coloca fogo nas festas e faz você se acabar de rebolar na pista de dança.
Depois do sucesso explosivo de Unapologetic (2012), Rihanna sumiu. Quer dizer, os novos discos de Rihanna sumiram. E ela passou exatos quatro anos não apenas trabalhando em uma nova obra, mas também colocando pilha nos fãs com uma precisão cirúrgica, com teaser atrás da teaser. Virou a rainha do mistério e do Instagram, começou a mostrar interesse pelo mercado da moda, se posicionou como ícone fashion e ainda colocou no mercado três singles, bastante diferentes entre eles e que mostravam uma diversidade interessante: American Oxygen, FourFiveSeconds (com Kanye West e Paul McCartney) e a blockbuster Bitch Better Have My Money. Por que lado Rihanna seguiria, afinal?
Talvez American Oxygen possa ser a canção que, de alguma forma, melhor representa o direcionamento do que viria a seguir. Mas, no fim, nenhuma das três músicas acabou entrando na versão final de ANTI, deixando todo mundo sem entender nada. Aliás, quando ANTI vazou e pareceu ter adiantado os planos de Jay-Z e sua turma, os fãs ouviram, a imprensa especializada ouviu e REALMENTE ninguém entendeu nada. Mas se você prestou BASTANTE atenção em tudo que a Rihanna fez ou disse nestes últimos anos, certeza que o resultado deste oitavo disco de estúdio não foi assim tão surpreendente. Esta é uma outra Rihanna. Esqueçam Umbrella ou Bitch Better Have My Money. O papo aqui é outro.
O single Work, gravado ao lado do igualmente estrelado Drake de Hotline Bling, não pode servir de bússola pra você ouvir ANTI. Seria injusto pra caramba. Gostosinho, dançante, meio chiclete. Mas não. Este é um álbum que faz jus ao título. É ANTI-pop, ANTI-hits, ANTI-dançante, ANTI-refrão fácil, ANTI-Rihanna. Corajoso, alucinado, inesperado, experimental, que explora melodias. Dá até pra dizer que é um álbum “subversivo”, até. Não é perfeito, pode até ficar um pouco cansativo em certos momentos. Mas, para compensar, tem passagens excepcionais – como a dobradinha Higher e Love on The Brain. O jeito que Rihanna canta nestas duas músicas é tão forte, tão intenso, tão apaixonado, que você tem real dificuldade para que o seu cérebro conecte que aquela é, de fato, a Rihanna que você conhece. Mas é.
ANTI é corajoso, alucinado, inesperado, experimental
Escute a linda balada Close To You e fique apenas imaginando o quanto combinaria se ela cantasse esta faixa ao lado da Adele. E que tal a acústica Never Ending numa parceria imaginária com Dido – já que a música tem mesmo um quê de Thank You? Eis uma Rihanna encarando um disco de música pop bastante pessoal, sério e, por que não dizer, autobiográfico até.
Ela abre os trabalhos com Consideration, dueto com a cantora SZA, um R&B meio etéreo que tem lá um gostinho latino. Vem a curtinha mas deliciosa James Joint, uma espécie de interlúdio que funciona como uma celebração à maconha. Tem Kiss It Better, que até arrisca o que seria um refrão pop básico, mas já começa a dar uma desacelerada. E aí fodeu. Do jeito bom, quero dizer.
Em Needed Me, ela se dá ao direito de usar um monte de efeitos eletrônicos estranhos, como se a canção estivesse inacabada e a fita onde está o som da base estivesse com defeito, indo e voltando continuamente. E chega a ser engraçado ver (e ouvir) que tanto Woo quanto Desperado, por exemplo, são canções cuja construção dá a entender, para quem já ouviu a Rihanna de outros carnavais, que em algum momento vão explodir e entrar numa daquelas letras grudentas e numa melodia pra te fazer dançar alucinadamente. Elas vão num crescente, vai, vai... e ambas ficam apenas na promessa – ainda bem. ;)
Ah, sim, rola até espaço para uma releitura linda de New Person, Same Old Mistakes, dos psicodélicos australianos do Tame Impala – e que, na voz de Rihanna, se torna apenas Same Ol’ Mistakes, aqui com umas pitadinhas mais eletrônicas.
ANTI é um disco arriscado. Para a própria Rihanna e até para o Jay-Z, que colocou suas fichas numa aposta certeira que, vejam vocês, não é tão certeira assim. Não estamos diante de um álbum GENIAL, algo que vai mudar o cenário da música pop daqui pra frente, mas sim de um disco que mostra o que o Rihanna realmente PODE fazer e não apenas o que ela SABE fazer. Tá bom, aí você pode argumentar que ela trabalhou cercada de um batalhão de produtores platinados, os melhores que o dinheiro pode pagar. Claro. Mas ela poderia ter optado pelo caminho mais fácil, não? Aquele que ajudaria a colocá-la sob o rótulo “pop” mais simples e direto.
Dizer que ANTI é um álbum “anticomercial” é um puta exagero, claro, porque se trata da Rihanna, tem todo um esquema bem maior ao redor – tá longe de ser um disco “independente”, daqueles lançados por conta própria, não é isso. Mas é bom ver que uma estrela pop que agora tem certa autonomia mercadológica resolve que vai, de fato, desfrutar um pouco desta liberdade criativa. Se um artista/banda que segue o livro de regras à risca resolve que vai desafiar, ainda que minimamente, as convenções do gênero, qualquer que ele seja, eu já acho extremamente positivo. Não apenas para quem faz, mas também para quem ouve.