Apesar do inferno que é dirigir um filme de estúdio, José Padilha conseguiu criar o seu personagem e o seu filme da maneira mais simples possível: fazendo o seu trabalho. Assista à entrevista EXCLUSIVA com o diretor!
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A escolha foi até óbvia. Depois do Capitão Nascimento, era quase uma evolução natural vir o RoboCop. Os produtores sabiam disso quando José Padilha pediu pra dirigir o filme, numa reunião que, na verdade, era pra conversar sobre um novo Hércules. “Fui chamado para uma reunião na MGM. Eles queriam que eu fizesse um filme sobre o Hércules. E na sala tinha um pôster do primeiro ‘RoboCop’. Aí, falei pros caras: ‘Hércules eu não quero fazer, mas esse aí, sim’, e apontei pro cartaz”, contou o diretor na sua primeira entrevista depois de terminar o filme, em Dezembro do ano passado, à Folha de S. Paulo.
Padilha tem uma agenda e uma ideologia muito bem definidas — tanto no seu trabalho como cineasta como quando resolve fazer entrevistas e escrever artigos. Por exemplo, a primeira coisa que ele falou ao me ver, com uma camiseta do Batman, quando entrei na sala de um hotel no Rio de Janeiro pra entrevistá-lo (veja o vídeo lá em cima!), foi “olha o Batman da Milícia!”, em alusão ao ex-policial militar do RJ, Ricardo Teixeira Cruz; comentou com alguém que havia entrevistado a tal da Sininho durante o fim de semana; e logo na primeira resposta — sobre o fato de o seu RoboCop ser um Tropa de Elite MADE IN USA — foi até mais a fundo. “Se você tiver falando sobre a forma, sim, eu concordo com você. Mas faltam as milícias, falta o nível de corrupção da polícia”.
Numa entrevista ao jornal Daily Telegraph, ainda em 2011, Padilha afirmou que “o elemento satírico de RoboCop, acredito, é necessário hoje em dia. Este tipo de sátira social, sátira agressiva, que eu não vi sendo bem feita nos filmes recentemente. E é quase como os políticos e a violência do mundo estivesse pedindo por isso, dizendo: ‘Por favor alguém faça alguma sátira agora!’”. Ou, em outras palavras: Padilha iria fazer o que ele gosta de fazer, o que ele pensa que é o correto fazer. A imprensa americana repercutiu, surpresa com a ideia. Surpresa?
O RoboCop de Paul Verhoeven já era político, questionador, pesado, denso, mas acabou se tornando uma linha de bonecos e desenho animado. A minha primeira lembrança com o personagem e/ou com o filme foi, na verdade, com um RoboCop de plástico que levava pra lá, além de toda essa coisa de “FUCK YEA, UM POLICIAL ROBÔ!”. Veja bem: eu tinha 7 anos quando o SEGUNDO filme foi lançado... Alguma coisa aconteceu de errado por aí. Alguma coisa foi desvirtuada, por algum motivo. O mesmo que fez Capitão Nascimento ser IDOLATRADO? “Se as pessoas querem entender erroneamente, o problema é delas”, disse Padilha ao Telegraph. “Isso é algo que acontece com filmes ao longo da história. Tropa de Elite foi um deles. Taxi Drive é famoso por este tipo de mal-entendido. Mas, como um cineasta, eu não sinto que deva restringir a visão artística para ficar adivinhando o que o público está pensando. Eu preciso ser claro comigo mesmo e muito consciente do que estou tentando dizer. Mal-entendidos sempre vão acontecer: é inevitável”.
[quote]No Rio, durante a entrevista coletiva, Padilha foi até mais direto. “Eu ignorei as expectativa dos fãs. Primeiro, porque não existe uma massa uniforme de fãs, cada um tem uma expectativa. Se eu fosse pensar, estava liquidado, que fã é esse?”
Ou seja: Padilha fez o filme que ele gostaria de ter feito, do filme que ele pensou em fazer quando apontou praquele pôster na sala da MGM e, principalmente, fez o filme que se esperava — pelo menos nós, Brasileiros, que já conhecemos mais seu trabalho — que ele fizesse.
Mas Padilha foi além.
[one-half][/one-half][one-half last=”true”]“Eu não vou repetir o que Verhoeven fez de forma tão clara e forte” disse, ainda em 2011, divulgando Tropa de Elite 2 na Europa, ao site holandês Film1. “Eu vou tentar fazer um filme que vai tratar de temas que Verhoeven não tratou”. SPOILER: ele conseguiu.
O seu RoboCop é uma obra de ficção científica, no sentido mais puro da palavra. Tem reflexões políticas assaz profundas, discussões éticas, um mundo cinza e toda a coisa de robôs e humanos, representada não só pelo próprio Murphy, menos pilhado e mais centrado e, depois, sem alma, mas também pela presença muito mais forte da sua esposa e seu filho. “O que levou a opinião pública dentro dos EUA a reagir contra a Guerra do Vietnã ou, mais recentemente, a do Iraque? A perda de muitas vidas entre os soldados. Imagine então que não há mais vidas de combatentes para serem perdidas. Quem irá contra a guerra?”, questionou Padilha durante a Comic-Con 2013. “Imagine um conflito no meio da Floresta Amazônica. Robôs matam uma criança. Quem vai saber que essa criança morreu? Quem apertou o gatilho? Quem deve ser responsabilizado?”[/one-half]
Essa, aliás, é uma das razões pelas quais a mão direita do RoboCop é humana e não biônica. “Armas não matam pessoas, mas sim quem puxa o gatilho”, disse em resposta a um fã durante o painel do filme no evento. Com cinco dedos e alguns centímetros de pele, Padilha — que afirma que essa ideia não é uma negação ao primeiro filme — conseguiu encaixar sua agenda no filme, que já começa com um personagem que ele colocou no roteiro e que você vai reconhecer de Tropa de Elite 2: Pat Novak, interpretado por Samuel L. Jackson, a versão gringa e futurista do Fortunato. “Cada um tem a mídia de direita que merece”, disse, rindo, ao JUDÃO.
Mas, pra chegar a esse ponto, Padilha teve de passar, pelo que disse o seu amigo e também diretor Fernando Meirelles à revista Trip, por um inferno. “Ele falou que está sendo a pior experiência da vida dele. Falou que de cada dez ideias que ele tem, nove são cortadas”, contou Meirelles. “Qualquer coisa que ele quer ele precisa brigar. Ele falou: ‘Isso aqui é um inferno’, Fernando. O filme vai ficar bom, mas eu nunca sofri tanto e não quero fazer isso de novo”.
[one-half][/one-half][one-half last=”true”]Padilha acabou desmentindo estar infeliz com o trabalho, depois, afirmando estar com um roteiro que gosta, seu fotógrafo e montador. “Até para a definição dos produtores fui consultado”, contou, à Folha de S. Paulo. “Em suma, estou tendo bastante liberdade para dirigir, apesar do tamanho do projeto. As dificuldades são as inerentes a qualquer filme grande com data para estreia. Lidamos com elas com calma e naturalidade. So far, so good”.
E aí talvez esteja o grande trunfo de Padilha nessa historia toda — mais como diretor do que necessariamente em relação ao filme. “Na sequência que abre o filme, em Teerã, por exemplo. Você pode enxergar robôs sendo apresentados com algumas explosões ou algo fascista”. Boom. Padilha não se preocupa com a maneira que entenderão seus filmes, apenas em passar a sua mensagem. E num filme desses de estúdio, de grande orçamento e pressão, o que era só uma maneira de contar história virou uma questão de sobrevivência.[/one-half]
“O fato de uma sequência poder ter dois, três, quatro, cinco significados me ajudou bastante a fazer o filme que eu queria”, disse Padilha. “Se é que você tá me entendendo”, completou, todo MENINÃO.
Sim, Padilha, eu entendi. E eu espero que todos entendam. Não só que você conseguiu fazer um filme SEU mesmo que seja numa estreia de Hollywood, mas que o seu RoboCop não é só um remake, e não é uma reimaginação. É algo próprio e que, assim como o filme de 1987 fez naquela época, reflete o que vivemos hoje.
Naquela época foi preciso um Holandês apontar o dedo. Agora é um Brasileiro que não só aponta o dedo, como dá uma bela cutucada na ferida.