Mesmo depois de ser “expulsa” das categorias de Comédia, a série conseguiu ser indicada a Melhor Drama. Mas… Isso faz sentido? Ou será que precisamos entender melhor esse novo momento da TV?
Lá atrás, nos anos 50, Lucille Ball e Desi Arnaz criaram I Love Lucy, a primeira sitcom da história, gravado na frente de uma plateia e que estabeleceu diversos padrões para a indústria da TV nas décadas seguintes. Apesar do programa de rádio que Lucy fazia antes ter cerca de uma hora, I Love Lucy adotou a duração de 30 minutos (com intervalos), que era o padrão de outras comédias exibidas ao vivo, como The George Burns and Gracie Allen Show , e que era o formato mais comum nos seriados do cinema, aqueles que precederam a criação da TV.
Nas décadas seguintes, essa duração se tornou o padrão, uma regra que ninguém escreveu, mas muito válida: comédia precisava ter menos de 30 minutos.
Não que não tenha havido exceções, claro. Mas era mais ou menos assim que funcionava a velha TV de tubo, a linear, aquela que te obriga a ver os episódios sempre no mesmo horário e dia. Só que chegamos na segunda década do século XXI. Serviços de streaming estão aí pra mostrar que a televisão não precisa de programação ou de formatos muito engessados. Ela precisa entreter.
Eis então que surgiu Orange is the New Black. Se fosse pra definir numa expressão engessada, diria que é uma “dramédia”. Mas, como a própria Natasha Lyonne, a Nicky, disse ao JUDÃO: “a vida é uma comédia ou um drama? A vida é tudo”. Na real, essa é uma série sobre histórias de vida, de pessoas que cometeram erros (ou que continuam cometendo) e estão presas – e, claro, a vida sempre dá AQUELA ZOADA com todos nós, mesmo nos momentos mais complicados.
Independente disso, Orange foi inicialmente vista como comédia pelo pessoal da Academia de Artes e Ciências Televisivas, aquela que é dona do Emmy, e a série recebeu diversas indicações nas categorias de comédia do prêmio em 2014, vencendo por Atriz Convidada (Uzo Aduba, a Crazy-Eyes), Elenco e Edição de Imagem com Câmera Única. Pra Melhor Série, perdeu pra Modern Family – além de ter concorrentes como Veep, The Big Bang Theory, Silicon Valley e Louie.
Só que, diferente de todos os outros concorrentes, Orange não está na TV tradicional e se pode dar o luxo de ter cerca de uma hora de duração em cada episódio, em temporadas de 13 episódios e com o season finale da segunda e terceira temporada com 1h30 de duração. Tudo porque o Netflix, que seria o equivalente ao canal da série nesse mundo pós-moderno, simplesmente dá a liberdade para que os produtores escolham a duração que quiserem. Eles podem fazer aquilo que acharem que funciona melhor e o serviço não reclama, claro, já que episódios maiores prendem o assinante por mais tempo na frente da TV. Ou do computador. Ou do telefone. Ou do tablet.
E aí chegamos em 2015, com provavelmente alguns membros da Academia reclamando da escolha feita no ano anterior. O que se faz então quando surge algo novo, que não conseguimos entender, principalmente quando tem alguém no nosso pé? A) Somos conservadores e definimos regras baseadas em padrões antigos, pra excluir o que não entendemos; B) Procuramos reinterpretar os novos tempos, com regras que avancem na compreensão de onde estamos indo. Acho que você já sacou a escolha do pessoal do Emmy, certo?
Orange is the New Black, com seus episódios de uma hora, agora é um drama – e, ainda assim, abocanhou indicações ao Emmy deste ano, que foram anunciadas nesta quinta (16). A “dramédia” foi indicada à Melhor Drama (contra o ~parceiro House of Cards, além de Better Call Saul, Downton Abbey, Game of Thrones, Homeland e Mad Men) e Melhor Atriz Coadjuvante (Uzo Aduba).
E aí está criada aquela situação bizarra: a atriz que ano passado venceu como Atriz Convidada em Comédia agora está indicada a Melhor Atriz Coadjuvante em Drama. Pelo mesmo personagem. Na mesma série.
Ao menos o sonho de ganhar um Emmy como melhor série, o que não rolou no ano passado, ainda está vivo — tirando que os concorrentes deste ano são muito mais fortes do que na categoria anterior. É só ver que em 2014 Orange teve 12 indicações entre as comédias, contra 4 agora, entre os dramas.
E uma delas contra Mad Men que, tendo acabado esse ano...
Ok, você poderia alegar que Orange pode surfar nas duas ondas, então essas mudanças assim não são tão estranhas. Talvez. Só que critérios de classificação pra uma premiação não podem ser definidos em um formato tão antiquado para o futuro da televisão, que é justamente a duração. Caso contrário, corremos o risco de podar essa evolução simplesmente porque nenhum produtor vai querer ver seu drama concorrendo com comédias, ou sua “dramédia” dando de cara com dramas muito mais elaborados e caros.
Um exemplo prático? Ballers. Apesar em ser de um canal tradicional, a HBO, e também se enquadrar na “área cinza” da “dramédia”, tem apenas meia hora de duração. Pra mim, é pouco – opinião que deve ser dividida pelas 15 milhões de pessoas que assistiram o primeiro episódio, lá nos EUA.
Quem sabe até essa coisa de divisão de Dramas e Comédias já esteja ultrapassada por si só. Talvez seja hora de pensar em novas categorias para a TV como um todo. “Se existe uma grande série que não consegue encontrar a categoria ideal, o problema não é a série. É a série que está tentando ser original”, definiu a Lyonne. E ela está certa.
Academia, o problema é de vocês. E não me venham no próximo ano com uma solução digna do século XX. Obrigado.
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