Quando você chega ao final dos 15 episódios da temporada inaugural de uma série só querendo agradecer, sinal de que muita gente envolvida fez a coisa certa
Querida Patrulha do Destino, na figura de seus personagens, elenco, diretores, roteiristas, produtores. Eu só queria dizer obrigado, sabe?
Obrigado por nos proporcionar um episódio final digno de toda a trajetória da série até o momento, ambientado em grande parte dentro do espaço em branco entre os quadrinhos de uma HQ, evitando a clássica luta contra o vilão trocando sopapos e sendo absolutamente verdadeiro a tudo que vimos em termos de desenvolvimento de personagem até aquele momento. Se existia um final possível, era este. Junte a isso um rato e uma barata gigantes dando um beijo de língua enquanto a cidade jaz amedrontada aos seus pés, bingo, talvez este seja um dos season finales mais sensacionais do ano.
Obrigado ainda por ter sido consistentemente uma adaptação maravilhosa dos gibis, principalmente da fase escrita por Grant Morrison, sem necessitar recorrer a uma ultrafidelidade subserviente. O espírito está lá, o que era preciso usar da essência está lá, presente e pulsante. Mas o roteiro também teve coragem de mudar o que fazia sentido para amarrar o roteiro numa versão para outra mídia e ampliar o desenvolvimento dos personagens, além de mudar também aquilo que NÃO funcionava mesmo nos quadrinhos (é, a gente ama o Morrison, mas vamos combinar que NINGUÉM é à prova de balas).
Obrigado por ser uma série que permitiu a existência de um episódio tão lindamente estranho e ao mesmo tempo emocionante e inclusivo como aquele que apresentou Danny The Street, uma rua senciente gender-queer que abriga pessoas que nunca conseguiram ser elas mesmas e dá a cada uma chance de se encontrar de uma vez por todas — e que ainda encerra com direito a uma performance absolutamente sensacional de Matt Boomer cantando People Like Us, da Kelly Clarkson, numa boate repleta de drag queens.
Obrigado também por ser a série que misturou, sem medo de ser feliz, um teatro de bonecos contando uma bizarra história de nazistas e que depois terminou com os nazis tendo seus traseiros devidamente chutados em meio a um corredor lotado de gente; uma trama paralela deliciosamente esquisita sobre um homem-animal-vegetal-mineral com duas cabeças, sendo que uma delas era de dinossauro; um tarado por barbas que se delicia comendo pelos faciais (numa versão infinitamente mais interessante que a dos gibis, é bom que se diga); uma luta com um crocodilo gigante pelo relógio que ele engoliu; uma cidade inteira que vai parar no bucho de um burrico; e até mesmo um orgasmo coletivo em plena luz do dia graças à flexão equivocada de um dos músculos de Flex Mentallo (outra escolha brilhante de ator para o papel, diga-se de passagem).
Obrigado por oferecer uma camada extra de significado ao Homem-Negativo, que ganhou uma história prévia muito mais interessante e se tornou uma versão muito mais brilhante do personagem do que aquela que a gente lê nos gibis. Matt Boomer mergulhou de cabeça no papel, criando uma conexão muito mais crível entre Larry e o sujeito elétrico que vive dentro do seu corpo e ainda oferecendo um bem-vindo tempero de diversidade ao retratar um homem gay com delicadeza, naturalidade e ao mesmo tempo sem receios imbecis.
Obrigado por não cair na tentação de fazer a clássica “mulher louca com múltiplas personalidades” como se vê em tudo que é filme/série e que poderia ser um dos principais pecados ao retratar Crazy Jane e as muitas mulheres que lutam para se manter vivas no Underground. Diane Guerrero está sensacional, soando radicalmente diferente a cada personalidade que toma conta, migrando da guerreira letal, assustadora e perigosa para a menina doce e indefesa num piscar de olhos.
Obrigado por uma Mulher-Elástica cujas origens deixaram o lado atleta olímpica de lado e se focaram muito mais na pegada atriz clássica de Hollywood, que a April Bowlby encarnou lindamente, mixando seu timing cômico vindo de um passado em Two and a Half Men e Drop Dead Diva com uma tristeza dolorosa, gerando uma versão canastrona e tragicômica repleta de pequenas críticas à própria indústria do entretenimento.
Obrigado pela escolha de Brendan Fraser para ser o alter-ego do Homem-Robô, um cara que andava sumido das telinhas e telonas e que agarrou a chance com unhas e dentes. O papel de um piloto de corridas meio redneck e 100% decadente, que fez uma considerável coleção de bostas ao longo da vida, para depois ver seu cérebro enclausurado num corpo robótico retrô, funciona como a perfeita desconstrução para um Fraser que outrora foi galã. E ele está nitidamente se divertindo, uma verdadeira metralhadora de “fuck” a cada meio segundo de diálogo.
Obrigado não apenas por acrescentar o Cyborg de um jeito certeiro na trama, um super-herói que parecia brilhante e inabalável, que tinha trabalhado com a Liga da Justiça, mas que logo se percebeu que tinha tantos esqueletos no armário e tretas a resolver quanto o grupo de rejeitados de Niles Caulder — mas também por fazer um Cyborg infinitamente mais legal do que aquele que vimos no FILME da Liga da Justiça. A caracterização pode não ser milionária e repleta de efeitos especiais de encher os olhos? Pode. Mas além de uma origem mais poderosa inclusive do que aquela dos gibis, a presença radiante de Joivan Wade e seu sorriso garantem o que é preciso.
Obrigado por escolher um cara como Alan Tudyk para ser o vilão, o irritante Senhor Ninguém. No papel de um narrador onisciente que sabe claramente que está numa série de TV e faz um belo punhado de piadas com metalinguagem sacaneando os roteiristas, os produtores e até o próprio serviço de streaming no qual a série foi exibida, ele roubou a cena ao mesclar direitinho pitadas de humor e uma assustadora maldade inata vinda de um sujeito que teve uma vida tão miseravelmente repleta de reviravoltas quanto aquelas dos personagens principais.
Obrigado por ser, tal qual a própria Danny The Street, uma série que se tornou abrigo ideal para personagens que são a representação máxima de pessoas fora do ~padrão, cheias de dúvidas sobre si mesmas, com manchas no passado, repletas de defeitos, tomadas bastante equivocadas de decisões, que se enxergam como monstros, como indignos de uma vida normal...por mais que “normal” seja um conceito bastante difícil de entender. Ou defender.
Obrigado, Patrulha do Destino por ser tão Patrulha do Destino.
Obrigado. E até a segunda temporada.
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