Vimos a produção da Casa do Mickey baseada na HQ da Casa das Ideias – e ainda batemos um papo com o diretor Don Hall e com produtor Roy Conli
Desde que a Disney comprou a Marvel, uma das questões recorrentes para a maior parte dos fãs foi justamente “ah, então veremos em breve animações baseadas em personagens Marvel produzidas pela Pixar?”. Afinal, claro, ninguém jamais esqueceu de Os Incríveis, o melhor filme do Quarteto Fantástico já filmado – por mais que não seja do Quarteto Fantástico. Só que a primeira adaptação animada não veio pelas mãos da Pixar. E muito menos foi de um dos grandes medalhões da editora. Seja bem-vindo ao mundo de Big Hero 6 – em português, Operação Big Hero.
Criado nos gibis em 1998, o supergrupo de heróis japoneses da Marvel, sancionado secretamente pelo governo local para missões além do controle, era liderado por duas figurinhas carimbadas do mundo dos X-Men: o Samurai de Prata e o Solaris. Quem teve a chance de assistir ao trailer ou a qualquer um dos vídeos de divulgação, viu que muita coisa (MESMO!) mudou do original para a adaptação. E a intenção, segundo o responsáveis pelo filme, era justamente esta.
“Escolher o Big Hero 6 foi a coisa certa a fazer”, nos contou o produtor Roy Conli, em entrevista exclusiva concedida durante a CCXP. “Não tínhamos que lidar com conceitos estabelecidos”. Um dos diretores, Don Hall, revelou ainda que, no começo do projeto, quando eles ainda estavam escolhendo com qual título da Marvel iam trabalhar, tinham um gráfico enorme, bem visual, com todas as propriedades e um círculo vermelho ao redor delas.
“Significando a quantidade de problemas que teríamos que lidar se fôssemos lidar com cada uma. Estava lá o Homem-Aranha, com um enorme círculo vermelho. Quarteto Fantástico, idem. E lá estava o Big Hero 6, com um pequeno sinalzinho e mais nada. Tivemos liberdade para reinventá-los do jeito que quisemos”, conta. O produtor ainda completa: “Foi tudo novo, desde o primeiro dia, a história de um garoto e seu robô. E esta foi a linha que nos guiou desde o início do processo”.
Este é, de fato, o coração de Operação Big Hero. Nenhuma menção a Solaris ou ao Samurai de Prata. Nada de operativos do governo. Na verdade, a ação não se passa nem no Japão, mas sim numa realidade alternativa em uma fictícia cidade de nome San Fransokyo – que tem as ladeiras e a efervescência de São Francisco e a predisposição tecnológica de Tóquio. Os coadjuvantes Go Go, Honey Lemon, Wasabi e Fred tiveram seus poderes adaptados – todos agora com base em equipamentos robóticos – e foram transformados em um bando de aspirantes a cientistas moderninhos de um dos principais centros de pesquisa da cidade.
O foco passou a ser no jovem gênio da robótica, Hiro – e em seu robô companheiro, Baymax. Mas, ao invés de ser criação de Hiro, Baymax se tornou o principal projeto de seu falecido irmão mais velho e principal lembrança que o garoto carrega consigo de alguém que era seu maior ídolo. Além disso, Baymax deixou de ser um monstrengo com armas até os dentes para se tornar uma das criações mais fofinhas do cinema, uma espécie de monstro de marshmallow com a doçura de uma criança.
“Baymax é o personagem mais importante do filme para mim”, confessa Hall. “Nós sabíamos que ele tinha que ser único. Então, colamos num mural fotos de todos os grandes robôs do cinema. Da cultura ocidental, o Exterminador do Futuro, C3PO, R2D2. E também os robôs orientais, dos animes, dos mangás. Foi a primeira grande pesquisa que fizemos”. Para encontrar o formato ideal, eles mergulharam de cabeça em pesquisas de robótica de lugares como Harvard e MIT. Até que encontraram o trabalho de um pesquisador chamado Chris Atkeson, na Carnegie Mellon University. “Que estava fazendo robôs de textura suave”, explica. “Robôs de vinil. Infláveis. Tecnologicamente, não muito mais avançados do que alguns que já vi. Mas conceitualmente, muito interessantes. E seu uso, no futuro, visava exatamente o campo da saúde. Robôs gentis e fofos, que se podia apertar e abraçar, para ajudar na recuperação”.
Foi rigorosamente para isso que o irmão de Hiro criou Baymax no filme, aliás.
Se você achava que Operação Big Hero poderia, em algum momento, ser como Os Incríveis, se enganou. Isso não faz do filme, no entanto, uma diversão menos interessante. É leve, é despretensioso, é descompromissado. Tem até um quê, guardadas as devidas proporções, de Guardiões da Galáxia. Porque tem um ótimo balanço entre humor e cenas de ação. É basicamente Hiro criando todos os tipos de gadgets malucos para preparar Baymax e os melhores amigos de seu irmão para enfrentarem o misterioso sujeito mascarado que parece ter sido responsável pelo acidente que o matou. E é isso.
(Visualmente, aliás, o antagonista de máscara kabuki e controlando uma legião de nano-robôs é uma ideia espetacular. Um vilão e tanto, eu diria...)
Mas não se engane: estamos diante de um filme da Disney. “Este é um filme da Disney, porque é feito por pessoas da Disney. Somos todos fãs da Marvel, mas este é um filme da Disney”, crava Hall, sem rodeios. A parte boa disso? Estamos diante de um filme da Disney que faz jus ao excelente nível de produção que o estúdio tem oferecido recentemente, colocando-se lado a lado com Enrolados, Frozen e, principalmente, Detona Ralph. “Concordo”, me confessou Conli, “em termos de maturidade para se contar uma história. Estou na Disney há 21 anos e os últimos seis anos, com John [Lasseter] à frente do estúdio, têm sido os melhores”.
No fim das contas, Operação Hero 6 se parece bem mais com Detona Ralph do que com Os Incríveis – o que, concordemos, é uma ótima notícia. Afinal, Detona Ralph foi justamente um filme que, quando saiu, todo mundo disse: “Uau, é a Disney fazendo um filme com a cara da Pixar”. Ou, pelo menos, da fase de ouro da Pixar (que não anda exatamente no seu melhor momento criativo...). Hall e Conli entendem a comparação, ainda mais porque, no mesmo ano de Detona Ralph, a Pixar lançava Valente, com uma protagonista que fazia jus à tradição de princesas da Disney. Estariam elas invertendo os papéis? A dupla afirma que não. E faz questão de deixar clara uma diferença fundamental entre os dois estúdios, embora ambos estejam dentro da mesma empresa-mãe.
“Os filmes da Pixar são sobre o que aconteceria se...?, e Disney é sobre Era Uma Vez....“, brinca Roy Conli. Para ele, por mais que a história de Operação Big Hero se passe em uma realidade alternativa, com uma pegada mais futurista, ainda se trata de uma espécie de conto de fadas com a estrutura clássica. “Quando você assiste ao filme, você fica emocionalmente conectado a ele, porque é bastante familiar pra você. Você sente o que aquele garoto sente, porque todo mundo já perdeu um alguém”.
Sim, ele está lá. Visível. A começar pela já clássica sequência no quarto do nerd supremo Fred – repleta de dezenas de referências a personagens B da Marvel, em especial aqueles vilões que só os leitores de longa data conhecem. Estão lá bonequinhos/estatuetas de sujeitos como Garra Negra, Orca, Sonâmbulo e Torpedo, só para citar alguns. Fique de olho na primeira vez em que os personagens são convidados a conhecer a casa do sujeito...
Sim, temos uma cena depois dos créditos. E ela é MUITO boa. Então, como em todo bom filme da Marvel, nem se atreva a sair antes das letrinhas pararem de subir.
E sim – que rufem os tambores! – temos uma participação especial de Stan Lee. Que é, de longe, a mais legal de toda a história dos filmes Marvel. Melhor do que a dupla com Lou Ferrigno no filme do Hulk. Melhor do que o Willie Lumpkin em Quarteto Fantástico ou do que o convidado barrado na porta em Quarteto Fantástico 2. Talvez só comparável à aparição a la Hugh Hefner em Homem de Ferro 2. Talvez.
“Ele foi fantástico”, revela Hall. “Na verdade, foi a realização de um sonho de infância. Eu cresci lendo quadrinhos da Marvel na década de 1970, e tudo tinha a ver com ele ali. Ele abraçou o projeto, chegou ali e fez, sem problema algum. Foi maravilhoso”.
O produtor conta que a participação foi pensada e gravada aos 45 do segundo tempo. “Aconteceu em agosto, sendo que finalizamos o filme definitivamente em outubro”, diz. Segundo consta, Chris Williams, que dirige o filme junto com Don Hall, viu Stan Lee em Guardiões da Galáxia, e pensou “precisamos ter ele no filme”.
“Em poucos dias, Stan estava conosco. E nós mantivemos segredo do elenco e da maior parte da equipe. Queríamos que isso fosse um presente para eles também”, conta Conli. Segundo ele, havia apenas 25 pessoas no estúdio envolvidas com a gravação e animação desta cena – sendo que havia por volta de 500 pessoas envolvidas no projeto como um todo. “Ao final, sempre temos uma festa para o elenco e para a equipe, para que todos possam assistir ao filme. E foi uma explosão quando viram aquela cena. Foi o segredo mais bem guardado da nossa história. E nem somos muito bons em guardar segredos!”, diverte-se.