Afinal, qual é a desta birra com The Big Bang Theory? | JUDAO.com.br

Eu, honestamente, discordo de todos os argumentos até agora…

Na última semana, quando foi anunciado pela CBS que a série The Big Bang Theory foi renovada para mais três temporadas, garantindo-se no ar até 2017, quando chegaria então ao seu 10º ano, vi exacerbar-se um fenômeno no qual tenho reparado bastante nos últimos anos: uma certa rejeição ao seriado por parte de uma certa fatia dos nerds.

Parte dos principais blogs e portais de cultura pop – incluindo o próprio Judão, vejam bem – vêm tratando do assunto num claro tom de sacanagem, do tipo “ah, não aguento mais esta série”, “putz, tinha que acabar logo”, “virge, como alguém ainda consegue ver isso?”. Nas minhas timelines no Twitter e do Facebook, a bronca com esta notícia foi praticamente generalizada, salvo raríssimas exceções – como eu.

Pois é, ergam suas tochas e pratiquem seus gritos de execração pública – eu gosto de The Big Bang Theory. Aliás, continua sendo uma das minha séries de comédia favoritas na atualidade. Não acho que as coisas sejam excludentes: posso tranquilamente curtir The Big Bang Theory e, sei lá, Community. São dois tipos de humor radicalmente diferentes e, pra mim, tudo bem.

Eles queriam sair para jantar, mas preferiram uma comemoração caseira...

Antes de mais nada, vamos esquecer este seu argumento de que “ninguém mais gosta de The Big Bang Theory”, porque isso é uma mentira. Não sou apenas eu quem gosta. A série continua tendo uma das audiências mais expressivas da TV norte-americana – e, aqui no Brasil, quem acompanha o mercado de TV por assinatura sabe que estamos falando de um dos índices mais altos do canal Warner Channel em nosso país. Em toda a América Latina, aliás.

Não, ser um fenômeno de bilheteria ou um campeão de audiência não dá selo de qualidade pra ninguém. Concordo. E se a discussão girar em torno da questão do gosto pessoal, beleza, encerro o papo e tiro meu time de campo. Se você não gosta, não acha graça das piadas, não te agrada, ótimo. Direito seu e não sou ninguém para questionar isso. Assim como também não posso sequer discutir quando as pessoas dizem que não aguentam mais a série por conta da imensa série de reprises, ao longo de todo o dia, às quais são submetidas pelo Warner Channel. Concordo. Eles exageram mesmo. Assim como exageram com Friends. Assim como a Fox exagera com Os Simpsons. E assim como teve uma época em que o AXN exagerava com Lost e, na TV aberta, a Record com Todo Mundo Odeia o Chris e Pica-Pau e o SBT com o Chaves.

Mas o que me leva a escrever um texto como este é algo muito mais além. Porque não são raras as vezes em que leio e/ou escuto amigos e/ou blogueiros, jornalistas especializados, opinadores profissionais ou de boteco, dizendo que The Big Bang Theory “deprecia os nerds”. Um amigo próximo chegou até a dizer: “O jeito que eles retratam os nerds só contribui para a imagem ruim que as pessoas têm de quem é fanático por cultura pop e dos cientistas/estudiosos em geral”.

E eu digo que não poderia discordar mais. E completo: acho este #mimimi de um exagero tremendo.

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É hora do show – e os odiadores se mordem! :)

Explico com uma pergunta: você sabe o que é uma caricatura? É uma forma de desenho que viva retratar uma pessoa de maneira humorística, exagerando aos extremos algumas de suas características mais evidentes ou que possam diferenciá-la.

É isso que a comédia faz. E é isso que as séries cômicas fazem. Extrapolar com objetivos humorísticos. Nem todo físico genial precisa ser excêntrico como Sheldon Cooper, assim como nem todo leitor de quadrinhos precisa ser socialmente inepto como Leonard Hofstader, nem todo fã de ficção científica precisa ser um tarado como Howard Holowitz e nem todo gamer precisa fugir da realidade como Rajesh Koothrappali. Mas estes personagens assim o são não porque o autor teve a intenção de retratá-los como expressões fiéis da realidade. E sim com intenções cômicas.

Nem todo paleontólogo é bobalhão como o Ross de Friends. Nem todo médico é desligado como o elenco de Scrubs. Nem todo jornalista esportivo é passional como o Ray de Everybody Loves Raymond. Nem todo terapeuta é pirado como o personagem-título de Frasier. Nem todo executivo de TV é predatório como o Jack de 30 Rock. Nem todo casal gay é histérico como o de Modern Family. Nem toda mãe solteira é bagaceira como a Christy de Mom. Nem toda dona de casa é desencanada como a Frankie de The Middle. Nem todo pai de família é sacana como o Al Bundy de Married With Children. E nem por isso eu ouço antropólogos, médicos, jornalistas, terapeutas e executivos reclamando das séries de TV.

The Big Bang Theory faz isso com os nerds, adivinha só, porque os nerds estão em evidência. Os nerds estão na moda. Os ícones nerds transcenderam a esfera do universo dos nerds e foram para o mundo. Filmes inspirados em livros de autores como Tolkien, em videogames cultuados ou em personagens de HQs não são mais apenas cultuados pelos nerds – não está mais apenas nas suas mãos, não é feito apenas para você. É feito para uma fatia muito, mas muito maior e mais ampla de pessoas. Seria natural, portanto, que a comédia também se interessasse por este mundo, por estas pessoas, por estes ícones, por este tipo de ambientação. E que se apropriasse deles para fazer rir.

Não há nada de tão desrespeitoso em The Big Bang Theory que não haja, por exemplo, em quaisquer outras comédias – que a gente pode achar engraçadas ou não. Tudo depende da sua propensão para aquele tipo de humor ou não. Os nerds de The Big Bang Theory são tão estereotipados quanto são os tipos de A Vingança dos Nerds. Ou de Barrados no Shopping, O Balconista ou qualquer exemplar da filmografia de Kevin Smith.

E ainda acho que existem dois pontos extremamente positivos: não se apegue ao personagem de Sheldon, que é o grande exagero da série, criado para ser o contraponto imediato dos outros três protagonistas. Mas Leonard, Howard e Raj, mesmo com seus exageros caricaturais, ajudam a humanizar a figura do nerd. Eles podem ser diferentes mas, ao poucos, a sua relação com outras fatias de mundo vai ajudando a mostrar que nerds também têm problemas, que também amam, odeiam, que podem rir e chorar, que se apaixonam e não sabem como dizer, que deixam de gostar e não sabem como fazer para dar um pé na bunda. Tudo é uma descoberta, uma novidade, assim como é na vida real para cada um de nós quando estamos diante de um mundo novo.

Sheldon

[one-half]Salvo os exageros com objetivo cômico, Leonard, Howard e Raj são muito reais. Muito factíveis. Eu mesmo tenho amigos que têm um pouco da personalidade de cada um dos três. E mesmo, aliás, das três meninas, Amy, Bernadette e mesmo Penny, representando a pessoa “normal” que descobre que, de perto, ninguém é mesmo normal e se identifica com parte daquele mundo que, de fora, lhe parecia tão estranho. Sou, por sinal, de uma corrente que não acha que a série piorou quando as três passaram a ganhar um bom destaque – pelo contrário, acredito que a dinâmica da série ganhou bastante justamente por ajudar a fincar um pé ou dois no mundo mais real, no qual meninos e meninas são diferentes e podem se dar bem mesmo assim.[/one-half][one-half last=”true”]

Apesar dos exageros, todos os personagens são muito factíveis. Menos o Sheldon

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Meu segundo ponto: gosto muito das referências nerds de The Big Bang Theory. Acho que são divertidas o suficiente para fazer os fãs de cinema, quadrinhos, games, literatura fantástica e afins rirem como se estivessem se sentindo em casa, mas não instransponíveis o bastante para não serem minimamente decodificadas pelo público em geral. E são estas referências que ajudam a dar não apenas um tempero à série, mas também a criar interesse em quem não fica o dia inteiro grudado em notícias sobre os grandes lançamentos da cultura pop como nós, que escrevemos o Judão, e vocês, que são leitores habituais do site. Quando Sheldon, Leonard, Howard e Raj se fantasiam como personagens de Jornada nas Estrelas e vão para uma Comic Con, o público que mal sabe quem é o Spock passa a conhecer um pouco mais a respeito da série de uma maneira divertida e pouco invasiva, sem precisar de alguém tendo que fazer uma palestra tediosa na qual vai tender convencer o coitado do interlocutor que Gene Rodenberry era um gênio.

Vê-los fazendo graça com o próximo grande blockbuster, com a grande saga intrincada dos gibis de super-heróis ou com o cancelamento daquela série cultuada só aproxima ainda mais as outras pessoas de um mundo que, para nós, é muito comum, muito vivo, muito dinâmico. Um amigo, que não é leitor de HQs nem nada do gênero, que está longe de poder ser chamado de nerd ou algo assim, viu certa vez o Stan Lee em um episódio de The Big Bang Theory. “Este é aquele velhinho que você diz que sempre aparece nos filmes da Marvel, né?”, perguntou ele. Expliquei que sim. Contei quem era o velho Stan, conversamos sobre as principais obras e ele ainda acabou o papo me pedindo dicas de quadrinhos legais escritos por Lee, onde poderia encontrá-los, em quais formatos, enfim.

É disso que estou falando.

TBBT[one-half]

AH, SIM, MEUS DOIS CENTS SOBRE ESTE PAPO DE “BAZINGUEIRO”

[/one-half][one-half last=”true”]Agora, se tem um lance que REALMENTE me incomoda nesta onda de ter birra de The Big Bang Theory é a utilização deste termo, “bazingueiro”. Pra mim, é de uma babaquice tão, mas tão sem tamanho, que se as pessoas que o usam pensassem duas vezes na idiotice do que estão fazendo, talvez entendessem que estão sendo tão imbecis quanto os tais “bazingueiros” que eles acusam um ou outro de ser.

“Bazingueiro” virou um termo, inspirado no bordão “Bazinga!” do personagem Sheldon Cooper, que significa quase o equivalente ao “newbie” – o novato, o neófito. “Bazingueiro” – que vou continuar usando aqui entre aspas – é aquele cara que não é o nerd true, de verdade. Que teria se tornado nerd, que teria se interessado por cultura pop, por super-heróis, por games, por cinema de ficção ou fantasia, porque viu algo em The Big Bang Theory.[/one-half]

Ou seja: em resumo, “bazingueiro” virou um termo para o cara que “não entende do assunto”.

Talvez com esta explicação, colocando nestes termos, já tenha dado para sacar o quão idiota é esta aplicação, certo? Mas se não deu – o que eu acho difícil – pode deixar que vou bancar o didático e explicar.

Quem diabos acha que é você, não importando quantos gibis já leu na vida ou o quanto você conhece de cinema, para dizer que uma pessoa é menor, que é menos do que você, e que portanto não pode opinar sobre um determinado assunto? Um moleque, mais jovem do que eu, que começou a ler quadrinhos há pouco tempo, é menos tarimbado do que eu e, portanto, simplesmente não pode dar pitaco sobre o que achou a respeito do novo filme do Capitão América?

Já deu pra sacar a dose de preconceito medíocre que consta neste tipo de atitude?

Cultura, meu velho, seja ela pop ou não, tem sempre o sentido da inclusão. Nunca da exclusão.

Nós estamos crescendo. Ficando velhos. Indústrias como a dos quadrinhos, se não renovarem os seus públicos, vão simplesmente definhar até morrer. Aí a gente fica torcendo para o público voltar a crescer, para mais gente se interessar pela Nona Arte, para os moleques de hoje passarem a ter o mesmo tesão que a gente, este bando de trintões, tem pela Marvel e pela DC. Aí passa a surgir uma nova massa de leitores – ou, pelo menos, de potenciais leitores – e o que a gente faz? “Ah, eles não podem discutir com a gente. Nós estamos muito acima deles. Estes moleques são um bando de bazingueiros”.

Na boa? Em horas como estas, eu tenho vergonha até de dizer que sou nerd. E como um dos precursores deste tipo de cultura, de pensamento, na internet brasileira, um dos caras que primeiro passou a usar esta alcunha com orgulho e sem medo de ser taxado ou julgado, saiba que esta declaração ganha tons bem mais cinzas.

Abre o olho.