Nos gibis, Os Defensores é Brian Michael Bendis em sua melhor forma | JUDAO.com.br

A gente leu os quatro primeiros números da nova HQ da equipe, que tem agora a mesma formação da série do Netflix, e dá pra dizer sem medo de errar: a grande arma dessas histórias está nos diálogos

Olha só, mas é mais do que óbvio que a Marvel não dá ponto sem nó e, sim, aproveita um bocado do que rola em suas produções de cinema e TV pra “retroalimentar” o seu mundinho dos gibis. Burros seriam eles se não fizessem isso, aliás, porque é uma PUTA chance de tentar fazer o espectador eventual se tornar também um leitor. Maaaas... a nova HQ mensal dos Defensores, que agora traz a equipe na mesma formação da série do Netflix, é mais do que apenas uma tentativa de capitalizar em cima do que tá rolando na telinha. É também o resultado de muitos anos de trabalho do roteirista, Brian Michael Bendis.

“Esta ideia, de ter estes personagens e como eles vão interagir, sempre esteve nos nossos planos, antes do acordo com o Netflix”, afirma Bendis, em entrevista ao IGN. “Um monte de gente vai dizer ‘ah, eles tão fazendo a série, claro que vai ter o gibi’. Mas, pelo menos neste caso, eu posso te dar uma pista em contrário”, insiste o editor Tom Brevoort, num papo com o THR. “Leia as últimas páginas que o Brian escreveu em New Avengers, de 2012. Claro que um grande novo programa de TV (?) do Netflix é uma boa desculpa pra nós, mas as sementes desta história já estavam plantadas”.

Verdade: naquele momento, o roteirista já dava uma pista de que Luke e Danny Rand retomariam a parceria como os Heróis de Aluguel, reabrindo seu escritório e, portanto, oferecendo a base que ele precisava para começar a juntar estas peças. Mas vamos lembrar que Bendis tem uma história de longa data com esta galera: além de ser um dos criadores da Jessica Jones e ter escrito o bem-sucedido título Alias, foi ele quem revitalizou o Demolidor nos anos 2000 e também foi o responsável por tirar Luke Cage do limbo, tornando-o um membro crucial dos Novos Vingadores – destacamento da equipe no qual os quatro heróis urbanos chegaram a participar, ao lado de outros integrantes inesperados como o Wolverine e o Homem-Aranha.

A versão original dos Defensores, usando este nome, surgiu em dezembro de 1971, com uma formação bizarra que trazia em suas fileiras Hulk, Doutor Estranho, Namor e eventualmente o Surfista Prateado. Pensa no quão esquisita é esta formação e no quão estes sujeitos simplesmente não combinam entre eles. Ao longo dos anos, nomes como a Felina, Fera e até os próprios Punho de Ferro e Luke Cage chegaram a passar por sua formação.

Mas, no fim, a ideia sempre foi esta: uma equipe de outsiders, conhecidos por seguirem seus próprios caminhos e que, de alguma forma, acabaram forçados a trabalhar juntos. Este conceito funcionava lá e continua ajudando a nortear o trampo do Bendis.

Pra quem assiste às séries do Netflix, talvez estes Defensores soem ligeiramente diferentes. Luke e Danny são amigos há um tempão, praticamente irmãos, e não apenas o homem da pele impenetrável é casado com Jessica Jones como eles têm uma filha. Ela, aliás (sem trocadilho), talvez seja a personagem mais “diferente” da versão televisiva. Jessica continua impulsiva, explosiva, sem depender de ninguém pra nada. Mas tamos falando de um tipo de porra louca diferente, bem menos autodestrutiva. Afinal, ela é mãe.

Dos quatro, a grande incógnita e também aquele que mais se sente deslocado é mesmo o Demolidor. A começar pelo fato de que os outros três não sabem qual é a sua identidade secreta. Ele tem medo de confiar, de se entregar completamente aqui, num time em que todos os outros têm alter-egos publicamente conhecidos. E, mesmo assim, todos topam lutar ao lado do cara, ainda que com ressalvas. “Temos que trabalhar juntos. As pessoas têm que saber que tamos trampando juntos. Se os Vingadores estão lá em cima, nós estamos aqui embaixo”, sugere o próprio chifrudinho, depois que a principal ameaça deste primeiro arco da HQ ressurge do nada e ataca cada um dos quatro individualmente, inclusive explodindo o cafofo comercial de Danny e Luke: Diamondback.

Basicamente, o sujeito tava morto e enterrado, todo mundo viu, todo sabe o que aconteceu e, mesmo assim, olha ele aí, andando pelas ruas da cidade tentando ser o novo Rei do Crime. Tamos falando do amigo de infância de Luke, que tretou com ele por causa de uma garota e que traiu o camarada, armando inclusive o golpe pra que ele fosse preso — aí então rolou o experimento secreto, Luke Cage ganhou seus poderes e beleza, o resto a gente sabe.

Diamondback. Conhecido aqui no BR como Kid Cascavel. Um puta bandidinho merreca que agora voltou não apenas com superpoderes, mas também com uma gangue para tentar suprir o vácuo de poder deixado por Wilson Fisk, que está tentando (ou, pelo menos, fingindo muito bem) ser um sujeito honesto e decente. De cara, Diamonback tenta mostrar a que veio desafiando e tentando trazer pro seu lado a Gata Negra, que nos gibis do Homem-Aranha voltou ao universo da criminalidade de vez e ganhou certo espaço no meio da bandidagem, trabalhando ao lado do Cabeça de Martelo. E embora os dois não se entendam de imediato, tá claro que ele quer mostrar força ao tirar os vigilantes urbanos do seu caminho de uma vez, deixando a pista livre pra vender o seu IGH, uma variação do chamado MGH (Mutant Growth Hormone), a droga que usa os hormônios mutantes não apenas pra dar barato mas também pra proporcionar um pouco de superpoderes pros seus usuários.

A troca do M pro I na sigla já dá a entender que estamos falando de que agora a substância é feita com algo extraído a partir dos Inumanos, que ganharam uma baita importância na Marvel dos gibis. Mas, se você é do tipo que presta atenção nas coisas, deve se lembrar que IGH também é o nome daquele misterioso grupo paramilitar mencionado durante a série da Jessica Jones, no Netflix, que faz experimento farmacêutico que dá mais força e resistência ao policial Will Simpson, lembra?

Será que as coisas tão de alguma forma relacionadas? ;)

O que temos aqui é Bendis em sua melhor forma, escrevendo personagens que claramente ama só que numa dinâmica de grupo, que ele já provou saber trabalhar muito bem tanto com os Vingadores quanto com os X-Men. A história tem ritmo, flui direitinho, tem muita ação, e o traço limpo e estiloso do desenhista David Marquez, simplesmente do caralho, só ajuda a dar ao mesmo tempo agilidade e expressividade. Em nenhum momento Bendis deixa de desenvolver bem os personagens e, principalmente, as conexões entre eles.

Pois é: tamos falando de mais uma HQ do Bendis na qual os diálogos são a principal arma.

Diálogos inteligentes, rápidos, eficazes, que soam naturais, como se uma pessoa DE VERDADE falasse daquele jeito. E que são um pouco verborrágicos, às vezes, com balões se intercruzando e te deixando até meio confuso. A assinatura do Bendis, em resumo. O jeito que ele encontra para fazer um recap da história do vilão com Luke Cage, cruzando falas dos próprios TRANSEUNTES das ruas, quase como num estilo documentários em quadrinhos, é simplesmente genial. Quem curte, vai amar ainda mais. Quem não gosta, é melhor ficar longe.

Mas talvez você perca, por exemplo, uma página divina de luta entre o Punho de Ferro e o Diamondback, que consegue em alguns poucos quadros resumir bem o quão especial e divino é este guerreiro, muito mais do que a série de TV do sujeito conseguiu ao longo de treze loooooooongos episódios. ;)

O legal aqui é que o roteirista constrói um verdadeiro universo no nível das ruas. Embora tudo rode ao redor dos quatro, claramente as outras peças vão se montando pra dar mais corpo, como a presença massiva da equipe de repórteres do Clarim Diário (que, lembrando, não tem mais J.Jonah Jameson como editor-chefe, que saiu para se tornar prefeito de NY e depois virou apresentador de TV), em especial o investigativo Ben Urich, parça do Demolidor. E também está lá, sempre presente e sempre dando uma força quando ele leva uma coça, a Enfermeira Noturna – que aqui não é a Claire, mas sim Linda Carter, conforme já te explicamos neste texto.

E tem espaço pra um monte de pequenas participações especiais, como Blade (num momento hilário, ainda que em meio a uma situação bem tensa), Miles Morales, uma certa ninja assassina com sais vista meio de longe e até mesmo Frank Castle, o Justiceiro, que obviamente vira uma pedra no sapato do quarteto ao seguir a sua própria agenda pessoal de matança. “Vocês sabem a identidade secreta dele?”, pergunta Jessica, se recuperando na clínica da Enfermeira depois de uma saraivada de balas (não-letais, olha que amorzinho) do vigilante psicótico. “Sim, claro, todo mundo sabe. Teve até um especial do Nat Geo sobre ele”, responde Luke, em uma das muitas ótimas referências pop espalhadas pelas revistas.

Isso é um bom resumo desta nova fase dos Defensores. E, por que não dizer, um excelente resumo do trabalho do Bendis. “Tô escrevendo novo material sobre estes personagens que adoro. E justamente porque eles estão em um momento diferente em suas vidas, isso é um pouco novo pra mim também”, explica o autor.

Curta a sua viagem, cara. Porque a gente também tá curtindo um bocado do lado de cá das páginas, viu? <3