Os Garotos Perdidos já não são mais tão garotos assim | JUDAO.com.br

Os vampiros Geração MTV de Joel Schumacher que mudaram a figura do monstro na cultura pop completaram 30 anos

Os Garotos Perdidos é um triunfo do estilo sobre a substância”. Este é basicamente o resumo da crítica de ninguém menos do que Roger Ebert – famoso pelo seu combate ao cinema de terror e ao trabalho de cineastas tipo George A. Romero e John Carpenter – para o filme vampiresco de Joel Schumacher que chegou às telas dos cinemas americanos há 30 anos, em 31 de Julho de 1987.

Acontece que justamente esse estilo foi imprescindível para a modernização dos sanguessugas na cultura pop, ajudando a massificar as criaturas da noite para o público mainstream, expandindo sua mitologia e pavimentando o caminho de tudo que foi feito envolvendo os dentuços em um produto voltado para os jovens, de Buffy – A Caça Vampiros até chegarmos em paradas como Crepúsculo e The Vampire Diaries.

Segundo Jøn A. Asbjørn, autor do livro From Nosferatu to Von Carstein: shifts in the portrayal of vampires, o filme Os Garotos Perdidos é creditado por “alterar a representação dos vampiros na cultura popular desde seu lançamento (…) e trazer um apelo mais jovial ao gênero, transformando-os em jovens e sexy”.

Esse foi o pulo do gato, uma vez que, desde então, a mítica vampírica havia sido construída pelos arquétipos eternos dos Dráculas de Bela Lugosi e Christopher Lee, vivendo em toda aquela ambientação gótica explorada pela Hammer durante os anos 60 e 70. Como já estávamos em 1980, a década do exagero e na qual o terror rompeu de vez a barreira de gênero com a comédia, não fazia mais o menor sentido continuarmos assistindo àqueles seres notívagos morando em castelos ermos e atacando pobres vilarejos.

Aliás, essa estética já havia sido abandonada em outro clássico contemporâneo dois anos antes, A Hora do Espanto, em que temos na figura do Jerry Dandrige de Chris Sarandon um vampiro “Homão da Porra” – e, claro, no faroeste-vampírico-cult Quando Chega a Escuridão, de Kathryn Bigelow, lançado no mesmo ano e eclipsado por Os Garotos Perdidos.

Mas sabe de uma coisa? É preciso admitir que o segredo do sucesso de Os Garotos Perdidos deve-se mesmo a Joel Schumacher, sem a menor sombra de dúvida (CHORE AO OUVIR ISSO, BÁTIMA!). A ideia de transformar os vampiros em figuras jovens, modernosas, com o sex appeal lá em cima, representantes-mor do estilo MTV, da moda, cultura pop e musical dos 80s veio do jovem diretor, que substituiu Richard Donner, cotado para dirigir o longa após o massivo sucesso de Os Goonies.

Porém, como Donner resolveu deixar o projeto de lado para se dedicar a Máquina Mortífera, sua esposa, Lauren Shuler, foi quem indicou o nome de Schumacher, que acabara de dirigir o drama jovem O Primeiro Ano do Resto das Nossas Vidas, produzido por ela, diga-se de passagem. O próprio diretor conta que se reuniu com o executivo da Warner que lhe entregou o roteiro original de Janice Fischer e James Jeremias e estava decidido a não aceitar a cadeira após a leitura do script no final de semana.

Por causa do sucesso d’Os Goonies, a Warner queria porque queria fazer uma espécie de versão vampiresca, de censura livre, com aquele mesmo espírito infantil aventureiro, inspirado no universo de Peter Pan (daí o título), com escoteiros gordinhos e trapalhões de oito anos de idade, e sem uma menina sequer no elenco. Durante a segunda pela manhã, Schumacher havia ligado para o escritório para declinar o projeto, dizendo ser impossível dirigir um filme daqueles, mas nenhum dos figurões havia chegado ao escritório. Sabe como é vida de patrão…

Ele saiu para fazer sua corrida matinal, pensou sobre o assunto e, em sua cabeça, a ideia de trocar as crianças por adolescentes surfistas-pós punks-motoqueiros foi se formando e ele pensou que poderia dar certo. Quando os chefões do Estúdio da Caixa D’Água retornaram a ligação, o diretor marcou uma reunião, explicou sua nova visão sobre o filme e... Voilà!

O roteirista Jeffrey Boam foi contratado para reescrever a bagaça, alterando completamente os personagens – e eis que as audições trouxeram novos rostos de Hollywood entre seus 15-20 anos que começavam a despontar. É o caso de Kiefer Sutherland como David, saído de Conta Comigo; Jason Patric, de Guerreiros do Sol; Jamie Gertz, a recém-inclusa personagem Star; e a dupla Corey Feldman (um dos Goonies) e Corey Haim, de A Hora do Lobisomem. O diretor de fotografia Michael Chapman, com Taxi Driver e Touro Indomável na bagagem, se juntou ao grupo, assim como o maquiador Greg Cannon, que trouxe a ideia das lentes de contato grandes – algo inédito até então no cinema – e a saliência dos ossos em seus rostos, e a figurinista Susan Becker, que elevou o estilo fashionista dos anos 80 a enésima potência para os vampirosos.

Mas sem dúvida, nada disso estaria completo para encapsular completamente Os Garotos Perdidos no ZEITGEIST da “década que nunca acabou” se não fosse a sua trilha sonora contendo nomes como Echo and the Bunnymen (com direito à regravação de People Are Stranger do The Doors), INXS e aquela música-tema, Lost In The Shadows (The Lost Boys), de Lou Gramm, vocalista do Foreigner.

Bem, no frigir dos ovos o filme não foi lá um grande blockbuster quando lançado no verão de 87 (faturou 32 milhões no mercado doméstico), mas atingiu o hype esperado com o público jovem e, principalmente, nas sessões da meia-noite. Mas o principal aqui é que tamos falando de um daqueles casos que atingiu seu status de cult graças ao videocassete às reprises incontáveis da TV a cabo gringa durante os anos 90. Lá e aqui, na RGT, virando uma das figurinhas carimbadas da Sessão da Tarde, provavelmente o primeiro contato do mundo vampiresco para muitos hoje no time dos 30 e poucos anos.

Se você é um daqueles que jogou Vampiro: A Máscara nos anos 90, muito provavelmente sabe bem o quanto o filme tem influência no mundinho deste RPG, em especial no retrato dos arruaceiros e autodestrutivos integrantes do clã Brujah, com suas motocas e jaquetas de couro estilosíssimas.

Por muito tempo, a Warner Bros. tentou realizar uma sequência, chamada As Garotas Perdidas, que teve até um primeiro rascunho escrito por Boam, com trama centrada no personagem de Corey Haim, que se veria novamente ameaçado por um novo grupo de vampiras que aterrorizam a praia de Santa Carla desta vez. Rolaria até a volta de David, que aparentemente não morreu empalado no final do primeiro filme. O longa nunca saiu do papel, como bem sabemos, mas duas sequências EXECRÁVEIS foram lançadas mais de 20 anos depois: Garotos Perdidos – A Tribo e Os Garotos Perdidos 3. 

Mas enquanto o papo de que o CW estaria bancando a produção de uma versão série de TV do longa, produzida por Rob Thomas (iZombie, Veronica Mars) e ambientada originalmente em 1967 (para depois ir pulando de dez em dez anos a cada temporada), não sai do plano das ideias, vale lembrar que também rolou uma oooooooutra continuação, esta bem mais interessante, nos quadrinhos. A minissérie lançada pela Vertigo, com roteiro de Tim Seeley (Grayson, Nightwing) e arte de Scott Godlewski (The Dark & Bloody, Copperhead) e Patricia Mulvihill (The Dark & Bloody, Hellblazer), trazia uma nova gangue de vampiros, os Blood Belles, chegando pra conquistar os espólios dos seres das trevas derrotados no final do filme original.

“Eu vi Os Garotos Perdidos numa época de formação da minha vida, quando uma fita VHS, um videocassete e uma tarde de verão eram a chance perfeita pra escapar pra um mundo de vampiros motoqueiros com cabelão”, afirmou Seeley pra Variety, quando o projeto foi anunciado. “Este filme foi uma das minhas portas de entrada pro gênero horror — e eu sou fascinado por isso desde então. Ter a chance de escrever uma sequência pro filme, com os personagens originais, é um dos pontos altos da minha carreira nos gibis”.

Então tá aí o lance. Tá bom, Ebert, Os Garotos Perdidos pode não ter a substância, mas na verdade, simplesmente não importa, uma vez que sua função de entreter foi cumprida com louvor. E veja, estamos diante de um filme que envelheceu superbem, podendo ser facilmente redescoberto por novas gerações. Revitalizou os monstros chupadores de jugular e imprimiu uma nova característica em sua mitologia, que ecoa até hoje e marcou toda uma geração que tem o longa no coração, parte emblemática da cultura pop cheesy dos anos 80 e do cinema de terror como AMÁLGAMA de gênero.