Os Jetsons e a Fantasma na Máquina | JUDAO.com.br

Reboot nos quadrinhos apresenta uma nova – e interessante – interpretação para uma clássica personagem da animação dos anos 1960

SPOILER! Muita coisa mudou no mundo entre os anos 1950 e o começo dos 1960. Os Estados Unidos foram um dos grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial e, a partir de então, experimentaram uma grande fase de paz e de prosperidade. Pra eles, a “América” era o centro do universo, influenciando outras culturas com o chamado “American Way of Life”, enquanto o avanço científico seguia rapidamente por conta da Guerra Fria. Mais e mais crianças nasciam, no chamado “Baby Boom”, a tecnologia tomava os lares das pessoas... Os mais curiosos ou criativos começavam a imaginar no que aquilo daria, no futuro.

Foi aí que um ainda pequeno estúdio de animação, fundado por dois pioneiros do setor em Los Angeles, Califórnia, resolveu brincar com essa transformação. Primeiro, eles pegaram as inovações daqueles tempos e empacotaram numa sitcom que, nas entrelinhas, criticava/brincava com tudo aquilo – só que com um twist genial: se passar na “Idade da Pedra”. Eram os Flintstones. Foi o primeiro sucesso do horário nobre da Hanna-Barbera.

Algum tempo depois, usando o comportamento da época mais uma vez como ponto de partida, eles criaram Os Jetsons. Você pode não ter percebido quando assistiu quando criança, mas a série criticava o nosso excesso de confiança nas máquinas, nosso comodismo social, a alienação do trabalho e até o preconceito dos mais velhos com o comportamento dos mais jovens. Tava tudo lá.

Passados quase 55 anos da estreia, aqueles personagens estão de volta. Eles fizeram a reestreia nessa quarta-feira (29), em The Booster Gold/The Flintstones Annual #1 com uma HQ de backup, que abre espaço para o futuro título solo da família futurista.

(E sim, a revista é um crossover do Gladiador Dourado com os Flintstones, parte de uma grande leva de encontros entre personagens da HB e os heróis DC – com direito ao Batman cara a cara com o Manda-Chuva, um GATÃO com quase dois metros de altura. Fanfarronice pura).

Assim como a DC já tinha feito com a família da Idade da Pedra, ficou claro que o novo gibi, introduzido numa história escrita por Jimmy Palmiotti e Amanda Conner, com desenhos de Pier Brito, vai trazer para o presente as questões, críticas e metáforas das histórias dos Jetsons, mas com atualizações importantes que dizem muita coisa sobre o mundo de hoje (e que, vamos combinar, não é retcon, já que está bem claro que tudo isso é num universo bem diferente da animação de 1962).

Pra começar, os Jetsons estão ainda mais longe de serem aquela “família de comercial de margarina”. Não que antes fosse assim, mas George e Jane parecem ter uma relação ainda mais distante dos filhos, Judy e Elroy. Também percebemos que este universo lidará mais com as questões morais do que fazemos no presente – por exemplo, é explicado pela primeira vez porque os humanos vivem na órbita na Terra do futuro: inundamos o planeta, provavelmente por causa do aquecimento global (tá lendo isso, Trump?).

O gibi também lida com a questão da morte. Porque, por mais que a medicina evolua, a vida humana ainda é finita. O que a humanidade fará quando chegar ao limite do corpo humano, quando não for mais possível ampliar a nossa expectativa de vida? Provavelmente vão transferir nossa consciência para outros lugares. Nossas mentes em robôs. Ghosts in Shells, Fantasmas nas Máquinas.

O conceito é anterior ao mangá e o anime, tendo como grande inspiração o livro The Ghost in the Machine, de 1967 – coincidência ou não, quatro anos após o fim da produção de episódios de Os Jetsons naquela década. No trabalho de Arthur Koestler, também originário do mesmo espírito da época que nos trouxe a animação da HB, somos apresentados ao conceito de que a mente é independente do corpo, uma entidade não-material, criado anos antes pelo filósofo Gilbert Ryle.

Sendo coisas diferentes, um pode ser morto e o outro pode continuar, vivo, numa máquina. É essa a conclusão que nos leva a Ghost in the Shell, e é também esse mesmo ponto que faz Rosemary Jetson, a mãe de George, trocar o fim da vida humana pela eternidade cibernética.

Sim, Rosemary. Jetson. Robô. Rosie.

Não, mais uma vez: isso não quer dizer que a Rosie empregada doméstica da animação antiga sempre foi a vovó Jetson. São coisas diferentes. Por outro lado, esta será a realidade a partir de agora em The Jetsons, o gibi da DC, abrindo um novo leque de enredos que podem ser explorados pela publicação, incluindo, claro, o fato dela se preocupar com a família, querer fazer tudo por eles e, agora, ter o corpo que nunca cansa. Algo que pode gerar umas metáforas da sua vida, quem sabe.

“Se fossemos manter como o desenho animado, ninguém leria. Você já tem o desenho animado. Então é nossa tarefa mexer nas coisas, ir em outra direção e ainda mantê-los familiares para que as pessoas ainda possam dizer que são os Jetsons”, disse Palmiotti ano passado, na NYCC, em entrevista para o GameSpot Universe.

Foram poucas páginas, mas confesso: tô empolgado com essa nova HQ, que estreia em algum momento de 2017.