Os novos Vingadores podem não ser o que você quer, mas são o que você precisa | JUDAO.com.br

Marvel promove uma grande reformulação pra nova fase da equipe, trazendo aí aquela tal de diversidade, que é tão legal. :)

O mundo ainda estava no começo dos anos 60. Stan Lee e a Marvel Comics estavam começando a surfar em um inesperado sucesso de vendas que começou com uma retomada dos títulos com super-heróis pela editora. Querendo ou não, Lee criou um verdadeiro PANTEÃO de deuses modernos e psicodélicos, como se pedia naqueles tempos, representando algumas das características importantes da sociedade. Nasciam o Homem de Ferro, Hulk, Thor, Homem-Formiga e Vespa. Botar todo mundo junto, ao estilo do que a DC fazia com a Liga da Justiça, era o passo mais do que óbvio. Nasciam Os Vingadores, que logo em seguida contariam com a presença da lenda viva chamada Capitão América.

Chegamos em 2015. Nesses mais de 50 anos, Os Vingadores tiveram diversos membros, nomes, finalidades. Cada uma acompanhando (ou não) a sua época. Só que a mais nova versão, chamada All-New All-Different Avengers, que estreia nos EUA em maio, causou um enorme mimimi nas redes sociais, justamente por conta dos integrantes escolhidos. Um Homem-Aranha negro e latino, uma Miss Marvel muçulmana, um Capitão América negro uma e versão feminina do Thor são, com toda a certeza, a transposição do mesmo sentimento do Stan Lee em 1963 pros dias atuais.

VingadoresO Capitão América foi criado em 1941 por Joe Simon e Jack Kirby como uma síntese do sonho Americano, dessa vontade de empunhar a bandeira de um país criado a partir dos ideais de Liberdade e Igualdade (sim, os EUA são um ~parente da Revolução Francesa), que tinha de superar uma crise sem igual e que queria livrar o mundo de um tirano – e, claro, ganhar dinheiro com isso, já que estamos falando de uma sociedade que não vê o dinheiro como pecado, como a nossa.

Steve Rogers nasceu nos anos 1920, no Lower East Side de Manhattan, uma região de Nova York originalmente cheia de imigrantes e trabalhadores. Ele era um pobre filho de imigrantes irlandeses, como muitos daqueles tempos. Rogers passou poucas e boas na vida. Os pais fugiram da pobreza na Europa, mas ele enfrentou de frente a pobreza da Grande Depressão. Steve não era originalmente pequeno e magrelo apenas por conta de seu DNA...

Quando Stan Lee criou o Homem-Aranha, a linha de pensamento era a mesma. Peter Parker era um jovem simples de Forest Hills, no Queens, em Nova York, também cheio de imigrantes e trabalhadores. Peter era um cara de família simples, criado pelos tios, que se vê na necessidade de ajudar a pagar as contas de casa depois que o tio Ben morre.

Os quadrinhos, de modo geral, sempre foram um entretenimento barato quando falamos no custo por edição. Algo acessível que faz a nossa imaginação ir longe. O que a Marvel fez naqueles tempos foi simplesmente ampliar essa identificação com os leitores.

Transportar isso pros tempos atuais é muito fácil. É só pegar o próprio exemplo do Homem-Arannha. Um senso de 1950 revela que 96,5% da população do Queens era branca, com nada de hispânicos, 3,3% de negros e 0,1% de asiáticos. Em 2013, ano do último senso do tipo, apenas 49,5% dos moradores do bairro eram brancos – e, ainda assim, apenas 26,7% são “não-hispânicos”. A esmagadora maioria é de latinos, negros e asiáticos. E isso falando de um bairro que, hoje, possui uma economia muito melhor que aquela dos anos 60.

Quem fugia da Europa em caos no começo dos anos 1900 eram brancos. Hoje, quem vai atrás do “sonho americano” vem de outras regiões do mundo, com outras etnias e culturas. Os Estados Unidos (como o Brasil, diga-se) são um país construído pelos imigrantes.

Os Vingadores

Agora, pensa comigo: porque, em 2015, o Homem-Aranha precisa ser NECESSARIAMENTE branco? Porque o Capitão América precisa ser NECESSARIAMENTE de origem irlandesa? Se os grandes quadrinistas da Casa das Ideias queriam uma identificação com os leitores, a lógica continua hoje. Hoje as “minorias” são, juntas, a maioria. Não pensar nelas é levar uma mídia inteira para a morte. Isso tudo sem mencionar que ninguém mais na indústria do entretenimento pode pensar APENAS no público dos Estados Unidos – algo que já faz parte da agenda desde que a editora introduziu os All-New All-Different X-Men, com um elenco composto por mutantes de diversas partes do mundo.

E, veja bem, a Marvel vem fazendo muito bem o seu trabalho. Pra ter uma Miss Marvel muçulmana ninguém, em nenhum momento, mudou a origem de Carol Danvers. Simplesmente fizeram a original evoluir, virar Capitã Marvel, e criaram uma nova heroína ocupando o vácuo. Não sabemos ainda o que vai acontecer com Peter Parker pós-Guerras Secretas, mas dá pra acreditar que Miles Morales, a versão hispânica/negra do Ultiverso só vai chegar pra somar. Temos uma Thor mulher, mas aquele que conseguia levantar o Mjolnir originalmente continua lá, vivendo suas aventuras. A evolução vai acontecer naturalmente, sem desrespeitar o passado e a cronologia – algo que faria os fãs hardcore surtarem ainda mais (sem motivo nenhum, claro).

Até mesmo o Homem de Ferro estar na equipe faz sentido. E não digo apenas pelo fato do sucesso nos cinemas, algo que sempre ajuda a ampliar o número de leitores. O Tony Stark está passando atualmente pela fase Superior, aquela da armadura branca, e, digamos, incorporou algumas linhas de pensamento dignas de Steve Jobs – ou seja, um enorme de um filho da puta, mas que ainda assim consegue inspirar as pessoas com a sua visão. A armadura do Homem de Ferro não é mais branca na primeira capa dos novos Vingadores, mas é de se imaginar que alguns pontos dessas características vão continuar – deixando o personagem atualizado com o que vemos hoje no mundo.

E ele pode nem ser Tony Stark... Nem “ele”. ;)

Nada mais atual e honroso ao que foi feito até hoje pela Marvel do que vem por aí com os All-New All-Different Avengers com a Thor, Capitão América (Sam Wilson), Homem-Aranha (Miles Morales), Nova, Visão, Miss Marvel (Kamala Khan) e Homem de Ferro na formação.

O mundo evoluiu. Viva com isso.