Finalmente chega a versão em português de um dos RPGs contemporâneos mais populares do mundo, pronto para desafiar a hegemonia de D&D e GURPS
O contrato da brasileira Devir com a americana Paizo Publishing foi assinado em 2013 e anunciado com toda a pompa e circunstância. Mas só agora, dois anos depois, é que Pathfinder, um dos sistemas de RPG mais cultuados da atualidade, chega ao Brasil.
O lançamento oficial do livro de Regras Básicas acontecerá em São Paulo, durante o Encontro Internacional de RPG – evento paralelo que rola dentro do Anime Friends nos finais de semana de 10 a 12 e 17 a 19 de Julho.
“Tenho certeza que a demora tem a ver com o fato de que, entre o livro de regras e o livro de criaturas (bestiário), estamos falando aí de quase 1.000 páginas para serem traduzidas e adaptadas”, diz Jason Bulmahn, chefe da equipe de desenvolvimento da Paizo, em entrevista exclusiva ao JUDÃO. “Garanto que este é um trabalho que demora um pouquinho pra sair”.
Jason estará pessoalmente em São Paulo para conferir o lançamento e também toda a empolgação da nossa comunidade de mestres e jogadores. “Sei que o Brasil tem uma grande população de jogadores apaixonados e estou louco pra mostrar o Pathfinder para todo mundo aí”, revela. “Só sabemos que é um grupo que está em crescimento constante”, arrisca o diretor criativo da Paizo, James Jacobs, que diz que “infelizmente” não poderá vir ao Brasil desta vez, mas também participou deste papo com a gente.
A história do surgimento do Pathfinder é bastante curiosa: a Paizo era, originalmente, uma editora comum, que publicava revistas, não jogos. Duas de suas publicações de maior sucesso eram os títulos Dungeon e Dragon – como você deve apostar, ambas falavam sobre Dungeons & Dragons. As duas eram revistas oficiais licenciadas pela Wizards of The Coast, aliás. Mas, em 2007, a empresa decidiu não renovar o contrato de licenciamento. No lugar, então, surgiu a ideia de começar a publicar uma série de suplementos para se usar com as regras do D&D, só que num mundo próprio criado por eles, chamado Golarion, ao invés de em qualquer uma das ambientações oficiais. O caminho estava aberto.
Naquele mesmo ano, no entanto, a Wizards soltaria a polêmica quarta edição do Dungeons & Dragons. Mas, além das regras que dividiram opiniões (conforme já discutimos aqui), a preocupação da Paizos acabou sendo com a versão mais restritiva para a licença aberta de sistema, que na versão 3.5 – chamada até então de Open Game License – permitia o tipo de suplementos que eles vinham criando até então. Mas, ao migrar para o modelo do D&D 4, a licença traria uma série de limitações. Então, ao invés de continuar dando apoio para o D&D, a Paizo preferiu transformar o Pathfinder em um jogo próprio, uma versão modificada da edição 3.5 do jogo, usando o OGL.
Anunciado em março de 2008, o RPG Pathfinder foi desenvolvido ao longo de um ano, usando um modelo aberto de testes – no qual os jogadores testavam o sistema e postavam seus comentários no site da Paizo. O resultado? Fidelidade praticamente imediata daqueles que odiaram a quarta edição de D&D – e acabaram apelidando o Pathfinder de D&D 3.75. “O Pathfinder começou como uma expansão e uma revisão das regras do 3.5, mas nos últimos seis anos cresceu para o seu próprio sistema, com uma abrangência de classes e opções que são únicas do RPG Pathfinder”, explica Bulmahn.
“Em sua essência, claro, ele guarda similaridades com o antigo sistema, mas tivemos que fazer mudanças interessantes tanto para o jogador quanto para o mestre”, continua ele. “Meu objetivo era assegurar que o Pathfinder fosse familiar para os jogadores de 3.5 a ponto de que eles pudessem pegar e já sair jogando – mas ainda assim resolvendo alguns problemas na regras para ficar mais fácil, simples e empolgante”.
Golarion, o mundo no qual se passavam as aventuras de Pathfinder, orbita um sol amarelo e é o mais populoso de seu sistema solar. Vivendo uma era que a gente pode definir como “fantasia medieval”, ele tem oito continentes, cinco diferentes oceanos e é habitado por raças distintas como humanos, elfos, anões, orcs, goblins, halflings (o equivalente aos hobbits de Tolkien) e por aí vai. Ah, sim: o centro do planeta serve de prisão para um deus louco chamado Rovagug, cujo único objetivo é destruir tudo que os outros deuses criaram. Mas ele tá lá, quietinho, em TORPOR. Por enquanto.
Bulmahn aposta que o fato de que Pathfinder é ambientado em apenas um mundo único, descrito em profundidade e com riqueza – e recebendo mensalmente atualizações que os mestres podem adicionar facilmente para tornar suas aventuras mais divertidas – é uma das grandes diferenças do jogo para os seus concorrentes. Outras forças são o fato de ser customizável (“oferecemos as ferramentas para você jogar o jogo do jeito que quiser”), de ser absolutamente aberto para que outras empresas desenvolvam material relacionado (“até criamos uma sub-licença que permite que editoras indiquem que seus lançamentos são compatíveis com nosso jogo”) e de ter uma ligação tão próxima com sua comunidade de fãs/jogadores (“eles continuam nos ajudando a testar e refinar os livros antes mesmo de serem lançados”).
Mas e quanto à relação com o D&D? Bom... ela se resume essencialmente à mesa de boteco, hoje em dia. “Nós, na Paizo, temos amigos que são ou foram empregados da Wizards of The Coast – e muitos de nós (como eu) inclusive foram empregados da WoC em algum momento”, conta Jacobs. “Mas nunca fizemos nenhuma parceria com eles desde então”. E Bulmahn ainda corta o barato: “não, não existe nenhum plano para um crossover entre as propriedades”.
Mas engana-se quem acha que existe algum tipo de rivalidade entre os dois – pelo menos por parte da Paizo, que foi quem roubou fatia de mercado da WoC, transformando o Pathfinder em líder de vendas da categoria durante boa parte dos anos de 2011, 2012 e 2013. “Na verdade, eu acho que é o aposto. A indústria de jogos é uma comunidade pequena e muito unida. Nós nos conhecemos e nos encontramos frequentemente em convenções para sair para beber”, revela Bulmahn. “Acredito que ter muitas opções no mercado é uma coisa boa para a indústria toda. Tem espaço para D&D, Pathfinder e um monte de outros títulos bem-sucedidos – e quanto mais sucessos eles fazem, melhor e mais saudável fica a indústria como um todo”, aposta Jacobs.
Na linha de livros com regras, uma das novidades que pode ser esperada para os próximos meses é Occult Adventures, que se debruça sobre os aspectos de magia e “adiciona mistério e perigos ocultos ao jogo”, conta Bulmahn. “O livro inclui seis novas classes, focadas no uso de poder da mente e magia psíquica para derrotar os inimigos”. Ainda este ano, sai também o Bestiary 5, que vai incluir criaturas como o grim reaper (o equivalente à Dona Morte), seres da profundeza e até... alienígenas cinzentos? “E finalmente, acabamos de anunciar que este ano lançaremos também Ultimate Intrigue, um livro repleto de novas regras para desafios sociais – além de uma nova classe: o Vigilante”.
O Pathfinder já tem até a sua versão online funcionando, desenvolvida pela Goblinworks, empresa-irmã da Paizo – e que está “funcionando muito bem – e aumentado sua base de jogadores a cada dia”. Mas Bulmahn e Jacobs não acreditam, nem de longe, que os RPGs eletrônicos serão capazes de deter o avanço do Pathfinder impresso.
“Claro, tem uma enorme competição pelo tempo dos fãs rolando em toda a indústria do entretenimento – não apenas na arena dos jogos, mas também no que diz respeito a TV e cinema”, diz Jacobs. “Eu acho que os videogames podem ser fortes, mas é difícil que batam a conexão social e toda a diversão que você tem com seus amigos, vivendo uma história juntos na mesa”, complementa Bulmahn. “E claro, um monte de jogadores que cresceram nos anos 70, 80 e 90 jogando títulos de mesa agora têm famílias e seus próprios filhos – e estão fazendo um ótimo trabalho introduzindo os mais jovens a este tipo de jogo”, fecha Jacobs.
A dupla também defende que, diabos, é muito difícil separar trabalho dos hobbies. E que, apesar de trabalharem desenvolvendo RPGs, eles não conseguem parar de jogar RPG em suas horas vagas. Jacobs, por exemplo, mestra atualmente uma campanha de Call of Cthulhu e uma de Pathfinder, além de atuar como jogador em outras duas aventuras de Pathfinder. E ainda jogou, pela primeiríssima vez, o cultuado Car Wars, jogo pós-apocalíptico de destruição de carros criado pela Steve Jackson Games e publicado na década de 1980.
“É muito importante jogarmos os jogos que fazemos e também os jogos que nossos pares e competidores fazem”, aposta. “Não apenas para nos lembrarmos de que estamos fazendo algo que deveria ser divertido... mas também para manter nossa paixão por este mercado”. Bulmahn concorda e diz que isso não apenas funciona como recompensa por todo o trabalho duro, mas também ensina importantes lições sobre o que todos estão fazendo, dentro e fora da empresa. “Isso nos ajuda a ser profissionais melhores... e também é divertido pra caramba”.