Do lado B de Hollywood à Detroit dominada pelo crime
Quando pensamos em mestres da ficção científica nas telonas, alguns nomes rapidamente surgem à mente. Diretores consagrados já fizeram suas incursões no gênero e deixaram marcas importantes na sétima arte e na cultura pop, como James Cameron, Steven Spielberg e Ridley Scott. Mas no lado B de Hollywood há aqueles que merecem uma menção honrosa por sua visão do futuro e sua construção audiovisual sobre o tema. Paul Vehoeven é um desses caras.
Com uma carreira sólida nos anos 80 e 90, o diretor holandês acabou sendo mais marcado por suas tramas meio soft porn, como Instinto Selvagem, que apresentou ao mundo Sharon Stone em sua melhor forma, e Showgirls, que acabou sendo exibido no Cine Privé. Mas nem só de peladismo e sexanagem vive o homem: RoboCop – O Policial do Futuro, sua primeira incursão por Hollywood — que depois teria outros filmes sobre um futuro não muito atraente, como O Vingador do Futuro, Tropas Estelares e até O Homem Sem Sombra.
Além de ser uma produção primorosa, com um elenco afiadíssimo, roteiro genial e uma trilha sonora comandada por ninguém menos que Basil Polidouris, o filme estabelece os parâmetros futuristas comuns à obra de Paul Verhoeven. E o que permeia majoritariamente suas produções é exatamente a desolação de um futuro controlado por corporações inescrupulosas, tema largamente abordado na literatura do gênero, de Aldous Huxley a William Gibson.
O lucro é o objetivo final, a despeito do custo humano que isso pode significar. A cultura de massa é a grande arma desses conglomerados e a propaganda sua principal munição. Nisso Paul Verhoeven é mestre, deixando muito claro ao transportar o espectador pra dentro de seus filmes com as inserções de comerciais e noticiários de caráter duvidoso. A genialidade das grandes empresas é fazer a roda girar, mantendo assim a sociedade de consumo enquanto lança seus tentáculos cada vez mais longe no cotidiano do cidadão.
[one-half]O policial Alex Murphy é um bom moço, pai de família e comprometido com sua missão. É surpreendido pelo bando de Clarence Boddicker e fuzilado de braços abertos, numa analogia não muito óbvia a crucificação. Dado como morto, é ressuscitado como RoboCop.
Ao recobrar sua memória e mostrar a cara como Alex Murphy novamente, ocorre seu embate final com Boddicker. Eles se enfrentam num terreno alagado e o policial caminha na direção de seu algoz, dando a impressão de caminhar sobre as águas. O vilão desarmado usa uma barra de ferro contra o ciborgue e o perfura no tórax, assim como São Longuinho, o soldado romano que fez o mesmo com Jesus.
E porque o diretor lançou mão desses artifícios? Talvez por achar que aquilo fazia sentido, que a parábola do renascimento precisava de mais amarras. Particularmente vejo isso tudo apenas como curiosidade, mas acho que é o tipo de coisa que torna a experiência cinematográfica mais divertida e ajuda a entender um pouco melhor a cabeça desse holandês talentoso.
O importante de tudo isso é que Paul Verhoeven, apesar de apresentar futuros distópicos desesperançados, ainda deixa clara sua fé na humanidade. Alex Murphy morreu em corpo, mas sua alma e sua vontade continuam vivas. A máquina desprovida de mente e espírito não vai adiante e no fim das contas somos nós os responsáveis por nosso destino.
A diferença fundamental entre o RoboCop de Verhoeven e o monstro de Frankenstein de Mary Shelley é que o primeiro tem um passado. No fim das contas eles querem a mesma coisa: sua humanidade!
Uma coisa que chama a atenção nos trabalhos do diretor são as mulheres. Não apenas por serem bonitas, mas porque elas são fortes. Tanto em RoboCop como em Tropas Estelares vemos que o gênero é indiferente pra quem vai pra linha de frente. Mulheres e homens formam as fileiras das tropas contra os insetos alienígenas e também contra a criminalidade em Detroit. Lewis não é apenas o Grilo Falante de Murphy, ela dá a cara à tapa e devolve na mesma intensidade.
E se por um lado isso começa a se tornar cada vez mais comum, apesar de sabermos que ainda há muito preconceito com relação ao papel da mulher na sociedade, por outro lado as outras tantas coisas de que Paul Verhoeven trata em seu futurismo também nos parecem muito palpáveis. Não penso que ele tenha sido um visionário nem nada, nesses quase 30 anos pouca coisa melhorou em alguns aspectos da vida.
Viver na cidade grande é cada vez mais difícil e inseguro. E infelizmente nem um exército de RoboCops daria jeito nisso. Se naquele tempo a ultraviolência podia ser rebatida na mesma moeda, hoje podemos enxergar além pra entender que isso só desencadearia uma catástrofe ainda maior. Talvez o grande acerto do cineasta seja justamente colocar nas mãos do elemento humano a solução dos problemas.