Pensaram seriamente numa sequência de A Piada Mortal... | JUDAO.com.br

Não seria o primeiro clássico a ser REVISITADO, claro. Mas por que isso agora?

Depois de meses e meses e meses de rumores, a DC confirmou que Frank Miler está, ao lado de Brian Azzarello, produzindo a terceira parte da saga O Cavaleiro das Trevas, chamada de “The Master Race”. E, nos últimos dias, surgiu a informação de que a mesma DC quase fez uma continuação para a clássica A Piada Mortal, do Alan Moore. A mesma DC que, há uns anos, lançou Antes de Watchmen. Fatos isolados? Não. São ações que mostram bastante a realidade da editora – e, dá pra dizer, do mercado de quadrinhos em geral.

Os anos 80 foram especialmente ricos em criatividade para as HQs dos EUA. Foi quando as editoras finalmente migraram das bancas para o mercado direto, dos comic shops, tornando possível produzir gibis com público mais segmentado e conteúdo mais adulto. Essa mesma época viu o auge de caras como Frank Miller e a chegada de uma trupe britânica liderada por Alan Moore. O termo graphic novel, cunhado por Will Eisner, foi usado como nunca antes e, ao mesmo tempo, as editoras descobriram o quão lucrativos poderiam ser os grandes crossovers. Foi nessa época que tivemos sagas/HQs/crossovers como Ronin, Guerras Secretas, Crise nas Infinitas Terras, Dias de um Futuro Esquecido, A Saga da Fênis Negra, A Última Caçada de Kraven e por aí vai — passando, claro, por O Cavaleiro das Trevas, A Piada Mortal e Watchmen.

Eram tempos nos quais as editoras se sentiam mais seguras pra arriscar.

Agora corta pra 2015. A DC Comics é apenas um braço da DC Entertainment que, por sua vez, faz parte do grande conglomerado Time-Warner – não que não fosse parte da WB nos anos 80, mas esse relacionamento é muito mais estreito agora. Arriscar não é algo que continua no dicionário. Pelo contrário: cada atitude tem que ser pensada, avaliada, prevista, mensurada e reportada entre os mandachuvas. Nisso, as ideias originais perdem força e fica mais fácil apostar naquilo que sabemos que vai ter resultado e que as pessoas esperam.

E isso não é só com a DC, ou só com quadrinhos, não. Qual foi o último filme totalmente original que você assistiu, por exemplo? E antes dele?

Cavaleiro das Trevas 3

Todo mundo sabe, inclusive a editora, que o resultado de Cavaleiro das Trevas 3 pode não ser necessariamente bom – é só lembrar o desastre que foi a primeira continuação. A escalação do Azzarello para trabalhar com o Miller tem uma razão — provavelmente relacionada com a possibilidade de Miller não terminar a história, como tem feito com tudo ultimamente, além de não estar bem de saúde. No final, mesmo se o resultado não for bom, a editora sabe que já está tendo toda a atenção da grande imprensa e da especializada, que as pessoas estão comentando e que ao menos a primeira edição vai vender bem, por conta da curiosidade dos leitores.

Se tudo der absolutamente errado, com uma graphic novel ruim, é só enfiar a terceira parte num encadernado de O Cavaleiro das Trevas. Fazem isso com a segunda, nos empurrando uma história ruim junto com a boa pra ao menos ganhar um trocado com aquilo...

No caso de A Piada Mortal, a ideia da DC era contar com o envolvimento do próprio Brian Bolland, artista da graphic novel original, também ao lado do roteirista Brian Azzarello. Bolland negou o convite por não estar trabalhando com HQs, já que, segundo ele, tá velho pra isso. Por enquanto, a DC não procurou outro quadrinista para desenhar a história. Por enquanto.

Talvez (e eu disse TALVEZ) isso represente certo aprendizado da DC em relação a essas sequências e prequências de histórias clássicas, justamente ao tentar envolver de alguma forma os criadores originais.

O que Antes de Watchmen ensinou

Logo depois do surgimento DC Entertainment, o primeiro anúncio foi Antes de Watchmen, série de minisséries que revelariam o passado dos personagens de Watchmen, clássica HQ escrita por Alan Moore e Dave Gibbons. Foi chamado um time de grandes nomes pra produzir as histórias, mas, da equipe criativa original, apenas o editor Len Wein se envolveu e escreveu algumas pequenas histórias

Se no geral as histórias ficaram até que boas (mas longe de serem memoráveis), as vendas não acompanharam. Quer dizer, elas até começaram bem, pelo lance da curiosidade. A revista do Ozymandias vendeu 88 mil exemplares para as comic shops na primeira edição, número que caiu pra 58 mil na segunda. Já a primeira edição da Espectral foi de 102 mil pra 61 mil exemplares na segunda edição e 53 mil na terceira.

Before Watchmen: MinutemenMinutemen, o campeão de vendas da linha e que foi um dos mais vendidos em junho de 2012, despencou de 107 mil exemplares do número 1 pra 68 mil do 2. No último número, o 6, os Minutemen venderam apenas 44 mil exemplares, na mesma faixa de Thunderbolts, Flash (antes de ter a série de TV) e um pouco menos que Superman e Quarteto Fantástico. No mês de janeiro de 2013, Before Watchmen Minutemen #6 foi apenas o 43º mais vendido — isso tudo lembrando, claro, que são vendas das editoras para as comic shops, e não para o consumidor final. É possível (e eu diria provável) que haja encalhes desses gibis nos revendedores.

Fica claro que só o nome Watchmen não sustentou a iniciativa ao longo dos meses...

A falta de criatividade (ou, melhor dizendo, o medo ao arriscar) é algo que alimenta dentro de nós a nossa obsessão pelo passado.

Quem nunca ouviu (ou repete por aí) que o que tinha antes era melhor? Reboots, sequências e prequências de sucessos do passado são vendas mais fáceis justamente porque se alimentam (e retroalimentam) desse sentimento que temos em cada um de nós, fisgando não só o leitor habitual como também aquele cara que largou o hobby – ou ainda quem acaba impactado justamente pelos depoimentos e notícias empolgadas de quem leu as originais.

É algo que vai além desses grandes lançamentos da DC ou até dos quadrinhos. Nos dez gibis mais vendidos de março nos EUA temos Princess Leia, Star Wars e Darth Vader, que são retomadas da franquia pela Marvel; e Howard the Duck, que é a retomada do personagem que fez sucesso no passado e teve um filme que, hoje, é adorado pelos fãs. As outras publicações são nomes (ou variações) de títulos de sucesso nas últimas décadas.

Neste momento, a DC tá passando pela saga Convergence, que está trazendo de volta enredos e personagens dos anos 80, 90 e 2000. A Marvel está começando Secret Wars, que não só revive o título da saga dos anos 80 como também retoma alguns dos universos alternativos e histórias que fizeram sucesso na editora, como a versão tirana do Hulk conhecida como Maestro e o Homem-Aranha casado e com filhos.

Vale dizer também que o movimento não é de hoje. Depois do sucesso de Crise nas Infinitas Terras, a DC já promoveu Crise Infinita e Crise Final, fora a Crise de Identidade. A Marvel já teve uma Guerra Secreta, no singular. E eu nem tô contando arcos que recontam ou retomam HQs anteriores, ou do reboot da DC em 2011. Porém, é perceptível que esse movimento tem crescido cada vez mais.

Entenda: ninguém aqui condena tudo isso. É legal, por exemplo, poder ver Hal Jordan novamente como Parallax durante Convergence e coisas assim. Ou até mesmo uma continuação para O Cavaleiro das Trevas, se for bem feita. Só que o mercado precisa entender que todos nós precisamos olhar pro outro lado e dar destaque para ideias novas e criativas do mesmo modo que olhamos pra esses reboots, sequência e prequências.

Caso contrário, corremos o risco de ter que fazer reboot do reboot do reboot daqui alguns anos. E repito: isso vale não só pra quadrinhos...