Era puro marketing, conseguiu se transformar em arte… E em 2015 prometem preencher bastante nossos pacovás
Em um mundo em que o cinema não tinha nem cor, nem som, nem celular pra preencher o saco de ninguém, o responsável pelo marketing de uma rede de cinemas dos EUA achou que era uma boa ideia promover um musical que estrearia um tempo depois, na Broadway. Ele usou imagens dos ensaios e outra coisas relacionadas ao espetáculo, juntou tudo e mostrou no meio daquelas sessões quase-literalmente intermináveis de cinema da época.
O primeiro trailer visto pelo universo era de uma peça de teatro. :D
Charles Chaplin foi o primeiro cineasta a ver um filme seu virar trailer, pelas mãos do mesmo pessoal da rede de cinemas, em 1914 — uma prática comum até 1916, quando, enfim e como sempre atrasados, os estúdios perceberam que era mesmo legal juntar algumas cenas com nomes de atores famosos pra divulgar suas próximas atrações, DEPOIS dos filmes — o que explica o nome TRAILER. Na época, não deu muito certo, já que o pessoal costuma levantar a bunda da cadeira bem antes dos créditos.
Imagina aquele pessoal assistindo a um filme da Marvel hoje?
Surgiu então a National Screen Service, uma empresa muito da espertonilda meio que detinha o MONOPÓLIO da produção de trailers, recortando filmes com ou sem autorização dos estúdios e vendendo pros cinemas que, claro, compravam com gosto, já que era ÓTIMO pra eles.
Pros estúdios também era, né? Só que ao invés de fazer como fazem hoje com qualquer josémanuel que tem uma conta no YouTube, Warner, Fox, Paramount, Columbia e seus amiguinhos acharam que era mais fácil pagar logo pra empresa fazer esses cortes oficialmente.
E eles foram fazendo e fazendo seguindo a mesma fórmula, até que começaram a surgir diretores SUPERSTARS, como Alfred Hitchcock e Stanley Kubrick. Esse pessoal começou a brigar com os estúdios pra ter mais controle sobre suas obras e aí, por exemplo, Hitchcock literalmente apresentou a história de Psicose no trailer do filme, em 1960, aproveitando a fama do Alfred Hitchcock Presents, o seu programa de TV, no qual apresentava pequenas histórias de terror e suspense.
Stanley Kubrick, por sua vez, transformou o trailer de Dr. Fantástico em praticamente uma obra com vida própria, daquelas que eu marcaria com cinco estrelas no Netflix, diria que tou assistindo nas minhas redes sociais com o saudoso GetGlue sem me preocupar com os stickers, compraria edição especial cheia das nove horas na Amazon, pagando imposto com dobro e, claro, iria pro cinema na hora só pra ficar na fila do cinema, sem esperar que alguém fosse fazer matéria comigo sobre “os fãs que dormiram na fila com meses de antecedência”.
Nos anos 70, com a popularização das TVs, os estúdios perceberam que também daria pra investir uma grana direto na casa da galera, pegando a família inteira de uma só vez. Foi o começo dos tais BLOCKBUSTERS, uma revolução mesmo na cultura pop, que tem provavelmente o seu maior personagem (literalmente) em Tubarão, de Steven Spielberg.
Naquela época, a distribuição dos filmes era muito parecida com o Brasil (de 2015, no caso). O número de salas era ridículo e a maioria dos filmes estreava primeiro nas grandes cidades — Nova York, Los Angeles e algumas outras — e, depois iriam pra dentro do país, nas cidades menores.
Mas, SOB A BATUTA de John Williams, a Universal realizou o primeiro grande lançamento da história do cinema (nos EUA), simultaneamente nas grandes e menores cidades, chegando até a aumentar depois o número de salas, com o sucesso que fez. Mas, por que John Williams? Reza a lenda que qualquer ser humano que assistisse TV por mais de 1min nos EUA, em 1975, assistiria à isso... E ficaria com a porra da música na cabeça até tipo hoje. :D
Os trailers tinham mais narrativa, narração (Saudades, Don LaFontaine!), veio a MTV, surgiram os cortes rápidos, ação, POOOOHM, silêncio, o retorno dos letreiros, surgimento de produtoras dedicadas única e exclusivamente a esse tipo de obra, a internet com a divulgação em tempo real em todo o mundo (apesar de, como sempre atrasados, os estúdios ainda lutarem contra esse tipo de coisa) e enfim: apesar de continuar sendo uma peça de marketing, havia toda uma linguagem, toda uma ARTE na hora de montar o trailer de um filme, ou de jogo (aquele do Dead Island...), ou de série, ou de livro, ou de CD, ou de qualquer coisa.
Eles continuam fazendo a história da cultura pop, te deixando intrigados pra saber o que a foda vai acontecer, te apresentam histórias que você jamais conheceria se não fosse por eles; por mim eu ainda iria na hora do almoço nas sessões gratuitas de alguns cinemas, que exibiam todos os trailers possíveis de uma vez só, simplesmente porque sim.
Mas putaquemepariu...
Entendo também a criação de uma caralhada de versões de trailers, basicamente pelo mesmo motivo — embora não seja a simples mudança de cenas rapidamente cortadas que vá transformar aquilo em algo novo de fato, e você sabe disso. Mas teaser de trailer? O TRAILER DE UM TRAILER? É quase tão imbecil quanto assistir à um trailer bootleg... Será que NINGUÉM MAIS curte a surpresa deliciosa de se deparar com algo que você está REALMENTE vendo pela primeira vez, antes dos mortais mais normais?
Sim, eu sei que talvez eu reclamar disso seja a mesma coisa que você quando reclama de ter visto trailers antes de um filme e eu te chamar de chato. Eu compreendo você, veja. Eu mesmo muitas vezes ignoro a maioria do marketing de um filme, só pra ter a melhor experiência possível — ainda mais porque hoje o pessoal não tem lá muito cuidado com o corte de um trailer, juntando um monte de cenas rápidas, música alta, poooohn e pronto, tá online ganhando um monte de visualização e fazendo com que praticamente todos os sites e blogs e pessoas com contas em redes sociais do UNIVERSO repliquem.
Mas será que não basta só avisar que vai ter um trailer, como fez a Disney com Star Wars, se o assunto é internet? Entendo que, no caso de televisão, até faça sentido uma divulgação um pouco maior, como a Marvel fez com o segundo trailer de Vingadores: Era de Ultron, que vai ser exibido incialmente durante o “Super Bowl” do futebol americano universitário.
Mas pra internet? Bom, talvez seja o caso de o pessoal começar a entender exatamente com quem está falando, como está falando, e onde está falando. Eis outro exemplo da Marvel, que lidou MUITO bem com o vazamento do trailer dos Vingadores (“Damnit Hydra”, liberando o oficial logo na sequência e depois ainda soltando outra coisa nova, só prá não perder o hype criado uma semana antes) e soube fazer PERFEITAMENTE um teaser de trailer, ao anunciar que veremos como anda o filme do Homem-Formiga na próxima terça (06), durante a exibição dos primeiros episódios de Agent Carter. Mais de cinco milhões de pessoas apertaram o play pra assistir a LITERALMENTE nada — a não ser que você tenha o tamanho de uma formiga, aí sim consegue enxergar o que tem lá no meio da tela. E o principal: informou que o trailer oficial (que terá 1min48) tá chegando, é só ficar ligado na nova série. Boom. Tacada de mestre, obra de gênio...
...que algum maldito engravatado achou que talvez fosse demais, mandando liberar um dia depois o mesmo maldito teaser do trailer, dessa vez com “tamanho humano”; e aí você vê heróis, vilões, treinamentos, corridas e algo que poderia funcionar muito, mas MUITO melhor se fossemos pegos de surpresa, na próxima terça-feira (e não, me recuso a linkar por aqui, se vira, se quiser assistir). Ah, pro caralho.
Trailers são marketing, sim, eles só existem pra tentar conseguir fazer com que você gaste seu dinheiro com alguma coisa. Mas, depois de uma centena de anos evoluindo e se tornando uma das principais peças da cultura pop, vai mesmo ser reduzido a poucos segundos, sem qualquer razão artística ou de entretenimento, só pra fazer você gastar seu tempo pra gastar mais do seu tempo com algo que vai fazer você gastar dinheiro?
Porque uma coisa é Wolverine: Imortal ganhar um teaser no Vine e inaugurar essa porra toda, ainda que, né, seis segundos; uma coisa é a Warner só mostrar o Batman e o Superman se encarando com bastante ódio recheando seus corações de pedra — e relativamente ninguém assistir; é alguém dizer que, dali um tempo, vai ter um trailer, numa mídia em que isso seja necessário; outra é transformar essas migalhas em uma peça de divulgação SÓ porque, com as internets, sabem que vão divulgar literalmente qualquer merda.
É uma perda de tempo, pra nós que muitas vezes somos obrigados a assistir a esse tipo de coisa, e uma perda de oportunidade de evolução de quem trabalha com isso. Mas, o que mais poderíamos esperar dos grandes estúdios de cinema, especialmente hoje, quando eles já conseguem controlar o que/onde você pode ou não ver uma porra de um trailer, e querem cada vez mais?
Nunca se esqueça do que dizia o Super Sam. Pro bem e pro mal.