A série baseada nos quadrinhos de Garth Ennis e Steve Dillon chegou ao final de sua terceira temporada neste domingo (26) abraçando ainda mais a sua loucura e sem deixar de cutucar literalmente deus e todo mundo
SPOILER! Um ônibus que levava um grupo de prisioneiros pro Inferno tombou na estrada graças a um tanque de guerra pilotado por um bando de branquelos classe média que resolveram se intitular de nazistas — um deles usando um boné vermelho em que é possível ler a palavra “again”... O que será que tava escrito ali? Aí, começa uma verdadeira batalha, com toda a pólvora, fogo, fumaça, sangue e lâminas (e limpadores de pára-brisas) cravadas nas costas a que se tem direito, incluindo a presença de uma matadora enviada por Satã, um Santo dos Assassinos e o próprio Hitler em pessoa — ou, no caso, Hilter. Ah, é, e um moleque com cara de cu.
Pra completar, também dá as caras um certo deus católico, aquele que andava sumido, que aparece vestido com uma roupa de cachorro feita de látex e uma barba falsa só pra dizer que não quer mais esta galera atrás dele — tudo ao som de Highway Tune, música dos hypados filhotes americanos do Led Zeppelin, os caras do Greta Van Fleet.
Esta sequência é um dos momentos mais sensacionais do season finale da terceira temporada de Preacher, que rolou neste domingo, dia 26, deixando a vontade de que já tivesse um quarto ano devidamente engatilhado pro mais breve possível.
Pra você que nunca viu a série, pode parecer uma tremenda loucura e, honestamente, é sim. E, ainda bem, porque os produtores têm cada vez menos pudor de abraçar este gigantesco caos na forma de episódios de 45 minutos, uma mistura explosiva de política, religião e preconceitos. Mesmo pra quem já leu os gibis originais, que tão looooonge de ser a leitura da tradicional família de bem, é fato que o espírito de Garth Ennis e Steve Dillon não apenas está lá, apesar das mudanças na trama, como também tá acelerado exponencialmente como um furgão velho, trepidante e fumacento, com o maior cheiro de maconha, em alta velocidade pelas estradas empoeiradas do Texas.
Preacher tá vindo numa crescente. Enquanto a primeira temporada foi uma espécie de prólogo que os gibis nunca tiveram, uma apresentação dos personagens, a segunda já colocou o pé na estrada e começou a mostrar que não tinha limites. Esta terceira elevou o tom consideravelmente, se assumindo profana e rasgando qualquer documento no qual esteja escrita a palavra “limite”. Do Satã de visual apavorante mas com um discurso absolutamente corporativo e envolvente aos bastidores expostos do Graal, um Vaticano com planos de dominação mundial e comandado pela figura grotesca do Allfather vestido de papa e vomitando sem parar, tudo foi absolutamente esfregado na sua cara, sem dó nem piedade.
Este foi um ano em que vimos a trinca de protagonistas se separar, enquanto cada um lidava com os demônios de seu passado. Jesse Custer, sem poder usar temporariamente o recurso do Genesis, estava lá em Angelville, tendo que superar sua história com o pouco que restou de sua família — no caso, a demoníaca Madame L’Angelle, principal vilã da temporada, consideravelmente mais assustadora e maníaca do que qualquer outro personagem (e estamos falando, mais uma vez, de uma coleção de dez episódios que teve as participações do Diabo em pessoa e do Hitler, veja você).
Enquanto isso, Tulip teve lá seus encontros com o deus-cachorro, que vivia provocando a garota e questionando a “maldição” de má sorte da família O’Hare. Mas só o que ela fez no Japão, Tom Cruise style, roubando um estoque de almas para tentar libertar Jesse do JUGO de sua vovózinha das trevas, é a prova de que esta mulher não precisa da aprovação de ninguém. Nem de um deus, com ou sem D em caixa alta.
E aí fomos pro Cassidy, talvez em um de seus momentos de maior brilho na temporada inteira. Porque os roteiristas foram inteligentes o suficiente para pegar o one-shot Blood and Whisky dos gibis e ampliar, transformando seu encontro com o vampiro ancestral Eccarius em Nova Orleans em uma desconstrução de seu próprio papel de vampiro enquanto se deparava com um típico sanguessuga dos livros da Anne Rice, devidamente seguido por um grupo de jogadores de RPG de Vampiro: A Máscara. Simplesmente genial e, sejamos honestos, um show de interpretação de Joseph Gilgun como o personagem que mais difere da sua versão original em papel e que, ainda assim, rouba a cena com um combo de drogas, álcool e referências de cultura pop.
Por falar em roubar a cena, outros dois caras que este episódio final mostra que devem ganhar ainda mais destaque num vindouro quarto ano foram ainda mais brilhantes, cada um a seu modo. O Adolf Hitler / David Hilter de Noah Taylor, que voltou pra Terra como atendente de uma lanchonete tipo Subway, começou a se tornar mais do que uma caricatura, revelando aos poucos um lado monstruoso que deve vir à tona em breve, conforme o cara começar a desempenhar seu novo cargo no inferno; e, claro, impossível não vibrar com a performance deliciosa do odioso Herr Starr, com ou sem cabeça de piroca, cortesia de um Pip Torrens afiadíssimo com seu olhar perdido de quem tá vendo o Apocalipse se aproximar e simplesmente não se importa, querendo mais é que o circo pegue fogo enquanto ele cumpre seu “plano de negócios”.
E ao final, quando parecia que Jesse teria algum tipo de redenção, sendo chantageado por conta de um papel que garante a entrada de sua alma no reino das trevas, ele olha pra trás e pensa: “pera, o que eu tenho a perder mesmo?”. E digamos que completa sua vingança, purificando o passado com fogo e fechando o ciclo. “Jesus não tem nada a ver com isso”, ele ainda solta, em mais um momento do mais puro brilhantismo profano.
Aliás, Preacher fez clones sem parar do único descendente vivo de Jesus Cristo e explodiu da maneira mais trash possível uma boa quantidade. SÉRIO. Depois disso, eu só espero que a AMC continue deixando as crianças soltas no parquinho e a quarta temporada seja ainda mais ofensiva do que esta, sem medo de atirar em quem tá lá em cima, de pisar na cabeça de quem tá no comando, de tripudiar de quem assiste a gente se foder de camarote.
Que é como tem que ser esta porra.
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