Final da temporada é amarração perfeita para um prólogo que não existe nos gibis – mas que tem toda a ginga da criação de Garth Ennis
SPOILER! O principal argumento dos fiéis leitores para criticar as adaptações de gibis é a tal da “fidelidade”. Sabe, o lance de “ai, não, na HQ original não é assim, eles mudaram este trecho, esta passagem, este personagem”. Indo por este caminho, o season finale de Preacher, baseado na obra adulta de Garth Ennis e Steve Dillon, é a cereja no bolo para que os críticos disparem suas metralhadoras. É tudo diferente, que absurdo, que audácia!
Mas neste caso em particular esse argumento não poderia ser mais injusto. Porque a primeira temporada de Preacher realmente tá longe de ser uma adaptação FIEL do primeiro arco dos quadrinhos. Mas, no entanto, o espírito da criação original está todo ali.
A Tulip mudou? Mudou. Pra melhor, aliás. Mas o ponto é que ela continua sendo a Tulip, conceitualmente falando. O que faz da personagem a Tulip que você conhece está ali, integral, intacto, ainda que desenhado de outra forma.
Isso vale pra ela, pro Cassidy que tira os óculos escuros (e daí?), pros principais coadjuvantes e até para os personagens que não existem na versão impressa, como a jovem viúva carola Emily. Tudo ali é Preacher pra caralho na essência. E é isso que fez deste início de atividades um acerto tão primoroso.
Apesar das diferenças, tudo nessa primeira temporada é Preacher pra caralho na essência. E é isso que fez deste início de atividades um acerto tão primoroso.
Os três últimos episódios, aliás, são Ennis até a alma, carregam o puro DNA do escritor, quase como se fossem histórias nunca antes publicadas do sujeito. Este final de temporada, com a aparição de Deus em pessoa (ou quase isso) na pequena igrejinha da cidade texana de Annville é ao mesmo tenso e hilariante. Que conclusão, que ápice. Que porrada. E com direito até a uma pitada de Monty Python na jogada, non-sense puro no retrato dos ícones religiosos, no questionamento da existência do bom velhinho de barba branca.
Deus está desaparecido. O Céu tá uma zona. E ninguém sabe muito bem o que fazer agora que o Gênesis está à solta, pulsando no peito de um líder religioso do Texas com sérios problemas de temperamento. Fala sério se isso não combina um bocado com um Em Busca do Cálice Sagrado ou A Vida de Brian?
Fico me perguntando, por falar nisso, quanto tempo vai demorar até que uns malucos como os da Westboro Baptist Church ou uma organização tipo One Million Moms vejam o episódio e resolvam fazer manifestação na frente da sede da AMC. Por bem menos do que isso, eles já prometeram que os Muppets queimariam no fogo do inferno e que Tom Ellis, o intérprete do Lúcifer na série de mesmo nome, seria banido do reino dos Céus (ou algo assim).
Se no começo de Preacher o Cassidy e a Tulip foram os destaques, sem esquecer dos momentos gloriosos do Odin Quincannon vivido por Jackie Earle Haley roubando a cena, dá pra dizer que a reta final é toda de Dominic Cooper, assumindo cada vez mais o lado mais cínico e treinando o olhar desgastado sobre um mundo no qual passou a acreditar bem menos. Na verdade, ao final destes 10 episódios, fica claro que a intenção dos produtores/roteiristas com esta primeira temporada foi justamente criar um momento pré-quadrinhos. Uma espécie de prólogo antes de Custer, Tulip e Cassidy caírem na estrada em busca de Deus (seja para ajudá-lo, seja para chutar o seu traseiro).
Custer luta contra a sua própria fé, contra o seu passado, a herança de seu pai, ao mesmo tempo em que Tulip serve como a lembrança viva de seu momento mais brutal, mais sangrento, criminoso, matador. O coração desta temporada foi essencialmente a construção do Jesse Custer como nós, leitores dos quadrinhos, conhecemos.
Esse pedaço inédito de história faz todo o sentido do mundo. Se encaixa perfeitamente. Dá pra dizer até que, depois de ver esta primeira temporada, você pode tranquilamente ler o começo das aventuras de Jesse Custer e companhia e tudo vai ter nexo. Como deveria ser. Fica claro que a segunda temporada deve seguir por um caminho mais próximo do road movie do pastor, da assassina e do vampiro, que tanto conhecemos via Ennis/Dillon.
Inclusive com o vampiro não tirando os óculos escuros, nunca mais. ;)
Eu acompanho praticamente todas as séries inspiradas em quadrinhos exibidas atualmente e preciso dizer que Preacher se tornou, com meros 10 episódios, uma das minhas favoritas – se não for, aliás, A favorita de todas. Longa vida ao pastor. E que ele espalhe a palavra por cada vez mais estradas empoeiradas e repletas de personagens bizarros e fascinantes.
PS: E que venha logo o Santo dos Assassinos, caralho! <3;
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