Série de TV estrelada pela Lynda Carter foi a responsável por tirar a Mulher-Maravilha dos nichos dos quadrinhos e animações
Histórias em quadrinhos são legais. Aliás, são incríveis. Mas também são nicho. Querendo ou não, a TV e o cinema são as mídias de massa da cultura pop, que popularizam personagens e destroem reputações. E o ponto de virada da Mulher-Maravilha foi, claro, quando chegou na televisão aberta com uma série live action, depois algumas tentativas até funcionar.
A primeira foi em 1967. Na época, a série do Batman – aquela do Adam West barrigudo – era um sucesso, na chamada BATMANIA. Seu produtor, William Dozier, resolveu explorar outras alternativas para replicar esse sucesso, como com uma série da Batgirl, que não saiu do papel, mas trouxe a nova versão da personagem para a série do Homem-Morcego. A segunda foi justamente da Mulher-Maravilha, encomendando um roteiro com a heroína para Stan Hart e Larry Siegel, que tinham um longo histórico na revista Mad.
Sim, na Mad.
Obviamente o tal roteiro não funcionou, precisando ser reescrito por Stanley Ralph Ross, que trabalhava em Batman. Com a história mais redonda, uma parte do piloto foi gravada para mostrar o potencial da série para os canais de TV. Dessa forma, convocaram Ellie Wood Walker para ser Diana Prince e Linda Harrison (que, depois, seria a Nova de Planeta dos Macacos) para ser a Mulher-Maravilha. Isso mesmo, Diana se “transfomava” em outra pessoa, tipo como a série do Hulk dos anos 1970.
Como a escolha dos caras da Mad entregava, o foco desse piloto – que recebeu o título de Who’s Afraid of Diana Prince?— era o humor. Por sorte, esse pequeno vídeo sobreviveu até nós. Digo sorte porque, com ele, podemos perceber claramente o motivo da série nunca ter ido para frente, ainda bem.
Alguns anos depois, já no começo dos anos 1970, surgiu uma outra oportunidade para a Mulher-Maravilha. Nessa época, Warner e DC, que já faziam parte do mesmo grupo desde o final da década anterior, se tornaram mais próximas dentro da recém-criada Warner Communications. Yakko, Wakko e Dot passaram a olhar para o que tinham dentro de casa e, além de um projeto de um filme do Superman, resolveram fazer uma série de TV com a Maravilhosa.
A primeira ideia que tiveram foi a de atualizar os conceitos da heroína. Deixaram de lado o visual clássico e se inspiraram na fase I-Ching dos quadrinhos, quando Diana Prince perde os superpoderes e começa a lutar artes marciais. Foi gravado então um piloto com esse conceito, com um total de 75 minutos e estrelado por Cathy Lee Crosby. Ninguém menos que Ricardo Montalban, o eterno Khan, foi o vilão Abner Smith, que rouba informações secretas do governo.
No formato de telefilme, o tal especial foi exibido no canal ABC por duas vezes – em 12 de Março e em 21 de Agosto de 1974. A audiência foi razoável, mas não motivou o canal a encomendar uma temporada completa e o projeto naufragou. A WB chegou a reeditar numa versão de 90 minutos, distribuída para pequenas TVs e canais independentes até os anos 1980.
Ainda assim, a Warner e a ABC não desistiram. Finalmente com foco nos conceitos criados por William Moulton Marston, os produtores Douglas S. Cramer e WL Baumes encomendaram o roteiro para Stanley Ralph Ross, que também havia trabalhado na série do Batman dos anos 60. Ross foi respeitoso ao extremo: a história dele se passava na Segunda Guerra Mundial, assim como os gibis da Era de Ouro, e trazia toda a inspiração mitológica.
Para gravar o piloto, foi convidada Miss Mundo EUA de 1972 e finalista do Miss Mundo do mesmo ano, Lynda Carter – por mais que Cathy Lee Crosby diga até hoje que ela foi convidada primeiro para reprisar o papel. Diferentemente da versão anterior, Lynda interpretaria tanto Diana Prince quanto o alter-ego mais famoso e, para o interesse amoroso Steve Trevor, foi chamado Lyle Waggoner.
Seguindo a mesma estratégia de antes, esse episódio foi exibido como um filme, chamado The New, Original Wonder Woman, para diferenciar da tentativa anterior (por mais PARADOXIAL que seja), e foi exibido em 7 de novembro de 1975.
O piloto/filme se passa em 1942, quando Steve Trevor, um oficial da Força Aérea, está em um confronto contra nazistas quando cai no Triangulo das Bermudas, mais exatamente na Ilha Paraíso. Lá ele encontra um grupo de amazonas e uma delas, Diana, o resgata e se apaixona por ele enquanto banca a enfermeira. Como nenhum homem deve ficar na ilha, a mãe de Diana, a rainha Hipólita, decreta que jogos irão definir qual das amazonas levará Trevor de volta ao mundo do patriarcado.
O resto é quase igual aos quadrinhos da Era de Ouro: Diana é proibida de participar, mas disputa mesmo assim, usando uma máscara e peruca. Ela vence, se torna a Mulher-Maravilha e vai ao mundo dos homens. A sacada aqui é que o uniforme da heroína é feito a partir das cores dos EUA, a Terra para a qual ela precisa levar Steve Trevor, justificando o patriotismo de uma personagem que não é americana.
Já nos EUA, Diana acaba ficando frente a frente de ladrões de banco e descobre os perigos do nazismo. Vendo que o mundo precisa dela, Diana não só resolve ficar, como é contratada para ser a secretária de Steve Trevor. Pois é...
A audiência do piloto foi boa. Por isso, a ABC encomendou mais dois episódios de uma hora, também com grande inspiração nos gibis da Era de Ouro, que foram exibidos em abril de 1976 e formam uma espécie de “minitemporada” da série, a essa altura simplesmente nomeada de Wonder Woman – ou Mulher-Maravilha, em português. Mais uma vez deu certo e, aí sim, a emissora encomendou mais 11 episódios para a temporada 76-77, sendo exibidos a partir de outubro. Para fins de distribuição, todos esses episódios depois seriam reunidos em uma grande primeira temporada.
No entanto, um dos grandes desafios da Mulher-Maravilha estava fora da tela. Era uma época do chamado “moral panic”, quando crescia a violência na sociedade e achavam que a TV tinha sua culpa nisso, e por isso as lutas foram ficando mais raras no decorrer dos 11 episódios que vieram depois. Também foi quando surgiu a “Jiggle Television”, que, em PT-BR, seria algo como TELEVISÃO SACOLEJANTE, com programas da ABC que investiam em mulheres com biquínis e apelo sexual aos mais jovens. Exemplos desse tipo de programa são As Panteras e, olha só, justamente a série da Mulher-Maravilha.
Independentemente de qualquer coisa, a Maravilhosa já tinha seu espaço e sua audiência... Aí a série foi cancelada.
Por se passar na Segunda Guerra Mundial, Mulher-Maravilha era cara, o que inviabilizou as coisas para a ABC. No entanto, a Warner não desistiu e ofereceu a produção para a CBS. O canal concorrente topou, mas com uma condição: que a série fosse atualizada para os anos 1970. É, a ABC podia ter chegado na mesma conclusão, mas talvez eles tenham pensado que já tinham As Panteras e não precisavam de uma segunda produção do gênero.
Foi produzido um segundo piloto, de 90 minutos, no qual descobrimos que a Mulher-Maravilha ajudou os Aliados a venceram a Segunda Guerra Mundial, voltando para a Ilha Paraíso em seguida. Só que aí, 35 anos depois, Diana vê um outro avião caindo por lá, só que agora com Steve Trevor Jr., filho do velho amado Steve Trevor – e ainda interpretado pelo Waggoner. De volta aos EUA, ela passa a integrar uma agência fictícia que combate o crime e ainda nos defende de invasões alienígenas.
Por conta de um ser filho do outro, e para evitar alguma situação que pudesse parecer constrangedora, Diana e Steve Jr. não tiveram qualquer relacionamento além de uma boa amizade. :P
Com um novo título, The New Adventures of Wonder Woman, a série deu certo na nova casa, o suficiente para ter uma terceira temporada encomendada. Nesses novos episódios, finalmente a heroína dava mais socos e chutes, melhorando um pouco as cenas de ação. No entanto, aos poucos, a audiência foi caindo.
Para a quarta temporada os produtores imaginavam trocar um pouco as coisas. No último episódio do terceiro ano, Diana muda para Los Angeles e um novo elenco de apoio é introduzido. Mas tudo acabou por ali: a CBS cancelou a série, desta vez de forma definitiva. A essa altura, Lynda Carter também havia engatado uma carreira musical e já não tinha mais interesse em ser a Mulher-Maravilha.
A série podia ter acabado ali, mas a Mulher-Maravilha havia definitivamente ampliado seu público. Mais do que isso: com as reprises que se seguiram, a encarnação da personagem por Lynda Carter atingiu várias gerações, se tornando o ícone que é hoje.