No momento em que assume um papel curioso na mitologia da Marvel Comics, a gente relembra momentos que o próprio Frank Castle gostaria de esquecer
Bom, aí você assistiu à série do Justiceiro e, por algum motivo, ficou interessado em ver qual é a do personagem nos gibis. Eis que se depara então com a recém-publicada edição 218 da sua revista própria na gringa, com roteiro de Matthew Rosenberg e arte de Guiu Vilanova. Surpresa: senhoras e senhores, Frank Castle agora trabalha para Nick Fury.
A SHIELD foi oficialmente dissolvida depois dos eventos de Secret Empire, só que Fury continua precisando colocar ordem no mundo em missões que não são necessariamente oficiais e precisam ficar em segredo. Talvez o Justiceiro seja o homem certo pra isso.
Enquanto fica tentando entender se REALMENTE fez a escolha certa, o agente secreto então toma uma decisão ainda mais alucinada: ele conta pro titio Frank onde está a armadura do Máquina de Combate. Sabe, o melhor amigo do Homem de Ferro, James Rhodes? Pois é. Lembra que ele morreu pelas mãos do Thanos em Guerra Civil II? Então. Temos um novo Máquina de Combate... e ele é o Justiceiro. Talvez um dos psicopatas mais letais do Universo Marvel agora tem uma armadura, com uma metralhadora em cada ombro.
“Frank gostava de Rhodey, já tinham trabalhado juntos. Ele o respeita mais do que quase qualquer outro super-herói. Porque Rhodey era um soldado e um homem de princípios. Mas isso não tem nada a ver com esta situação”, explica Rosenberg em entrevista ao Newsarama. “O Frank não está assumindo o legado para seguir de onde Rhodey deixou. Ele está usando suas armas pra matar muito mais vilões”.
Segundo o roteirista, Rhodey é uma visão otimista daquilo que o governo e o exército dos EUA deveriam ser. “Ele é o melhor que existe em nós, sempre seguindo em frente para nos manter seguros e livres. Frank é a versão invertida disso. Ele é a personificação de toda a raiva e ódio e vingança que surgiu na nossa sociedade. Ele traz um monte de questões bem desconfortáveis sobre quem nós somos, o que deixaríamos acontecer e como resolveríamos”.
Te parece forçado que, do nada, um vigilante urbano que é apenas um sujeito com uma camiseta de caveira e um monte de armas de fogo passe a vestir uma armadura ultra tecnológica criada por Tony Stark? Amigo, bem-vindo ao maravilhoso mundo dos quadrinhos de super-heróis! :)
Mas saiba que NEM DE LONGE esta foi a coisa mais bizarra que já aconteceu com o Justiceiro, dando-lhe uma reinterpretação completa que virou Frank Castle do avesso. A gente vai te contar esta ópera de retumbantes fracassos em três atos a partir de agora.
O ano era 1998. Depois de uma ótima fase nos anos 80, o Justiceiro andava por aí meio sumido, desacreditado. O máximo que tinha acontecido com ele, dentro do selo Marvel Edge, tinham sido os 18 números de uma HQ solo escrita por John Ostrander na qual o sujeito se tornou líder de uma organização criminosa (meio a contragosto, é preciso dizer) e até chegou a combater os X-Men e Nick Fury. Mas aí veio o selo Marvel Knights, sabe? Aquele fodástico, no qual disseram pro Joe Quesada “toma, pode cuidar desta galera e se divertir”. Aquele mesmo selo que deu uma revitalizada boa no Demolidor? Então.
O problema é que, naquele mesmo selo, vejam vocês, rolou a minissérie The Punisher: Purgatory, que não é MESMO um momento que Quesada gostaria de lembrar em sua carreira como editor.
Basicamente, ele pegou dois caras especializados em quadrinhos de terror — Christopher Golden e Tom Sniegoski — e os colocou em parceria com ninguém menos do que o lendário Bernie Wrightson, que a gente deveria lembrar bem em qual gênero era especializado. O resultado? Frank Castle, sabe, ele morreu. Se matou, na verdade, não aguentou a pressão. Mas ele era um matador especializado bom demais pra ficar fora de ação. Então, ele é ressuscitado como um agente sobrenatural, cujas armas bizarras e brilhantes se materializam quando o cara bem entende e servem para punir tanto anjos quanto demônios.
E sabe quem é que trouxe Frank de volta? O anjo da guarda de sua própria família, que se sentia culpado por ter deixado aquela tragédia acontecer com eles e resolveu dar uma segunda chance ao sujeito.
O conceito ainda foi MAIS UMA VEZ explorado em uma segunda mini, dos mesmos roteiristas e com arte meio mangá de Pat Lee e Alvin Lee, na qual Frank se encontra com o Wolverine. E o resultado é ainda mais vergonhoso. “Nos velhos tempos, isso teria me matado”, diz o Justiceiro depois de ter sido atravessado pelas garras de adamantium de Logan. “Mas agora o céu não vai me deixar sair dessa tão fácil. Tudo que eu preciso é de pensamentos positivos”.
Pois é. Pensou tão positivo que, logo depois, Garth Ennis ganharia uma chance de escrever o personagem e tudo isso seria esquecido... como se nunca tivesse acontecido. AINDA BEM.
Segura aí na cadeira que sempre dá pra piorar. Em 2000, o roteirista do gibi do Justiceiro, Rick Remender, vinha trabalhando um conceito interessante. Era a época do chamado Reinado Sombrio — quando, depois da Invasão Secreta dos skrulls, Norman Osborn (aka Duende Verde) foi alçado ao papel de herói nacional. Além de líder da SHIELD (rebatizada de — está preparado? — HAMMER), ele também virou o chefão de uma nova configuração dos Vingadores, formada por vilões selecionados a dedo e na qual ele mesmo usava a armadura do Patriota de Ferro.
Enfim, o ponto é que Castle é um cara bem persistente com relação aos seus alvos, sabe? E se ele escolheu se tornar uma pedra no sapato de Osborn, claro, o cara vai ser mais do que uma pedrinha, mas sim um pedregulho. Ele passa fogo em todo mundo que vê pela frente, dos capangas do Capuz, que trabalha pra Osborn, aos vilões B que acabaram sendo ressuscitados pelo camarada para tentar deter a fúria do Justiceiro. Nada disso rolou. Aí, bastante puto da vida, Osborn resolveu se livrar de vez do cara e mandou para caçá-lo ninguém menos do que o seu próprio Wolverine: no caso, o Daken, o filho babaca do Logan. A luta entre os dois é sangrenta e, ao final, Frank é fatiado pelas garras do moleque. Fatiado mesmo, braço pra um lado, cabeça pro outro. Frank Castle está morto aos pedaços.
Mas estes são os gibis da Marvel, né? E aí que em Punisher #11 , o Homem-Coisa — sabe, o Monstro do Pântano da Marvel? É, o próprio — recolhe os pedaços e leva pra Legião de Monstros, liderada pelo vampirão Morbius. Eles colam tudo e ele acaba sendo ressuscitado como um monstrengo do tipo Frankenstein, cheio de cicatrizes e um monte de partes mecânicas, com direito a desenhos de Tony Moore, o artista original de The Walking Dead.
Batizado de Franken Castle, ele chega a matar um bando de guerreiros sobrenaturais montado numa porra dum dragão, mas sua exposição a um artefato místico chamado Pedra de Sangue começa a regenerar o seu corpo humano e, pouco e pouco, o Franken começa a se tornar Frank de novo, depois de 11 edições. Mais uma vez, deixando vampiros, lobisomens e múmias pra trás, como se nada tivesse acontecido.
Talvez este tenha sido um dos momentos mais escrotos não apenas da história do Justiceiro, mas sim de toda a trajetória da Marvel – e olha que nem precisa cavar tão fundo pra encontrar umas paradas aí que BENZADEUS.
A gente já disse aqui: qualquer um pode ser o Homem-Aranha e qualquer um poderia ser o Justiceiro. Isso teria sido muito legal. Mas não, cara. Alguém foi lá e PINTOU a cor de pele do Frank Castle, em um dos casos de black face mais vergonhosos do mundo dos quadrinhos. Usaram a cor da pele como uma DESCULPA narrativa, uma muleta que nem ao menos serviu para uma discussão decente sobre racismo.
Aconteceu em 1991. O roteirista Mike Baron, com arte de Hugh Haynes e Jimmy Palmiotti, se debruçou em um arco de histórias “definitivo” sobre o Justiceiro, batizado de The Final Days. Durou bem pouco (do número 59 ao 62) e inclusive Baron insistiu que a ideia foi de seu editor, Don Daley, que ele jamais faria aquilo e por isso acabou saindo do título. De qualquer maneira, não importando de quem foi a culpa, estamos falando de uma ideia DE MERDA. Mal-executada, ofensiva, desnecessária.
Se liga na trama: com a ajuda de um gênio criminoso contratado, o Rei do Crime inicia um processo similar ao qual submeteu o Demolidor em Queda de Murdock, lentamente destroçando cada aspecto da sua vida. No fim, Castle vai parar na cadeia, onde acaba atacado brutalmente por uma gangue liderada pelo Retalho, o seu grande arqui-inimigo.
Ferido, ele toma o lugar de um outro prisoneiro que estava fugindo da cadeia e vaza. Sua cara está totalmente cagada, retalhada como a do Retalho (HÁ!). Então, ele usa seus contatos para encontrar uma cirurgiã “das ruas” que não dê apenas um jeito em seu rosto, mas que o deixe irreconhecível. Para que ele possa dar o troco sem ser reconhecido. Para que ele possa sair sem que nem mesmo seu melhor amigo saiba que ele é na rua. Palavras do próprio Frank Castle.
Bom, seu pedido é uma ordem. E aí ele usa uns métodos experimentais merda aqui e ali e... senhoras e senhores, o Justiceiro tava com a cara pintada (confesso que sinto um pouco de vergonha de escrever isso, aliás).
Com esta história, em Punisher #59, então Baron sai do comando da HQ. E aí cabe ao coitado do Marc McLaurin, já contratado pra escrever um vindouro título do Luke Cage, resolver este plot bizarro deixado por seu antecessor. Ainda dopado dos medicamentos, ele vai parar em Chicago, onde apanha da polícia e acaba sendo ajudado por quem? HEIN? Pelo Luke Cage, claro.
Os dois passam a trabalhar juntos num caso, com a promessa de que o Justiceiro não vai matar ninguém. Só que dura pouco e logo tá ele metendo chumbo na galera. Magicamente, então, o “efeito da cirurgia plástica começa a passar” (ESTAMOS FALANDO SÉRIO) e Frank Castle volta a embranquecer, como se nada tivesse acontecido.
Virar o Máquina de Combate, definitivamente, é o de menos no meio de toda essa história.