O vocalista do Pantera disse uma merda IMENSA em pleno palco. Pediu desculpas, disse que estava bêbado. Mas não é tão fácil assim, meu camarada.
“Sabe quando a sua vida está uma merda e você se sente sozinho e vazio? Aí você coloca um metal pra tocar e tudo fica melhor. Porque alguém mais parece entender a dor e fúria daquilo que você está passando. Entende?”. É desta forma que o protagonista do bizarro e divertido terror Deathgasm descreve o que é heavy metal para a patricinha mais popular da escola, por quem está perdidamente apaixonado. Tá certo que o filme é uma comédia de horror sem maiores pretensões, mas a descrição emocionada é verdadeira e apuradíssima, uma declaração de amor feita por Jason Lei Howden, um diretor/roteirista tão apaixonado pelo gênero musical quanto seus próprios personagens.
Infelizmente, esta também é uma razão que leva certos sujeitos, com discursos de ódio extremistas, a achar no heavy metal e até mesmo em outras vertentes mais pesadas e sujas do rock – como o punk, por exemplo – a casa para destilarem seu veneno, ou o que eles acham que é a sua “dor e fúria”. Por isso existem as tais bandas de NSBM (National Socialist Black Metal) ou Nazi Punk (que alguns preferem chamar de “hatecore”).
Simplesmente saber que estes caras existem já é doloroso demais. Mas saber que um destes caras pode estar escondido dentre as bandas que você ama, PORRA, é um chute no estômago. Como foi para mim, por exemplo, ver o que rolou com Phil Anselmo, vocalista do Pantera, durante a edição 2016 do Dimebash – evento beneficente em celebração à memória de seu ex-parceiro de banda, o falecido guitarrista Dimebag Darrell, que rolou no último dia 22.
Os fundos arrecadados com os shows foram revertidos para a Ronnie James Dio Stand Up and Shout Cancer Fund e, justamente por se tratar de uma causa nobre, estiveram presentes integrantes de bandas como Metallica, Alice in Chains, Stone Sour e muito mais, fazendo jams incríveis. Os vídeos nos quais vemos Dave Grohl (Foo Fighters), Robert Trujillo (Metallica), Dave Lombardo (ex-Slayer) e Anselmo executando Ace of Spades para homenagear o Lemmy, por exemplo, foram lindos.
O usuário do YouTube identificado apenas como Chris R, que esteve presente no evento, já tinha postado uma versão do vídeo de Anselmo cantando o clássico Walk, do Pantera, o que mexeu com o coração dos saudosistas. Mas, no fim da última semana, ele se sentiu na obrigação de colocar no ar também um outro trecho do registro, que ele tinha editado antes porque ficou com medo. Medo da reação de Anselmo, medo da reação da comunidade de fãs, medo de mexer com forças maiores do que daria conta.
Mesmo assim, Chris achou que era o certo a fazer. E pudemos ver então Anselmo voltar ao palco, depois do final da música, berrar “White Power” e fazer a clássica saudação nazista com o braço esticado. E aí ele sai do palco, meio cambaleante, escorado num camarada, que dizia pra ele parar com aquilo. Parte da plateia riu. Mas o fato é que ninguém entendeu nada. E desta forma, o Dimebash se encerrou de maneira melancólica. Um evento cujo principal objetivo é fazer o bem e despertar a conscientização sobre o câncer acabou com um idiota fazendo merda.
“Tá bom, gente, eu devo esta pra vocês”, disse o próprio Anselmo, pouco depois, em comentário no vídeo de Chris. “Caramba, eu estava brincando, foi a nossa piada interna da noite – porque a gente estava bebendo vinho branco. Vocês precisam ter a casca mais grossa para algumas coisas. Sem desculpas vindas de mim”. Em outras palavras: “foi só uma piada, o mundo tá ficando chato demais, chega de mimimi”. Certeza que vocês já ouviram isso em algum lugar, né?
Só que, bom, não foi o bastante. Anselmo levou muita, mas muita porrada de todos os lados: da imprensa, de parte dos fãs, de outros músicos – “Pessoas que dizem white power são IDIOTAS. Assim como aqueles que concordam. Ou que ficam em silêncio”, soltou Sebastian Bach, no Twitter, por exemplo. Aí, eis que o frontman do Pantera, do Superjoint Ritual, do Down e de mais uma cacetada de bandas/projetos foi lá e gravou um vídeo, abaixando a cabeça e pedindo desculpas. As mesmas que ele disse que não devia pra ninguém.
“Estou aqui para falar sobre todas as reações que estou recebendo e mereço completamente”, afirmou, dizendo que “era muito tarde da noite e todos longas conversas entre os que amavam Dime”. Segundo ele, as emoções fluíram, piadas foram feitas nos bastidores e aquilo passou para o palco. “Foi feio, desnecessário. Quem me conhece e sabe da minha verdadeira natureza, entende que não acredito em nada daquilo. Não quero fazer parte de qualquer tipo de grupo. Sou um indivíduo e… Peço 100% de desculpas a qualquer um que se ofendeu com o que eu falei, vocês estão certos em se sentir assim. Sinto muito e espero que me deem outra chance, só mais uma”.
Arrependimento mesmo? Ou simplesmente a água batendo na bunda? Você julga.
O ponto aqui é que, caralhos, Anselmo é reincidente no assunto. Em 1994, logo depois do lançamento de Far Beyond Driven, a MTV colocou o cara contra a parede por usar a camiseta da banda nova-iorquina Carnivore, com os três números 7 interligados (símbolo do grupo de supremacia branca Afrikaner Resistance Movement). O músico negou ser racista mas disse, a respeito dos caras que começaram a gritar “white power” em seus shows: “Eu não sou eles. Eles vão gritar o que quiserem, de qualquer forma”. Um ano depois, no palco em Montreal, soltou a pérola de que o Pantera não era uma banda racista, mas... que ele, pessoalmente, tinha problemas por artistas do rap por “mijarem na cultura branca” e ainda reforçou que “os brancos precisam ter mais orgulho de ser quem são”.
Da mesma forma, logo depois ele viu o tamanho da cagada e pediu desculpas. Assim como se desculpou, em 2015, durante uma entrevista para o site Hard Rock Haven, pela letra de Stealing A Page Or Two From Armed And Radical Pagans, do Superjoint Ritual, que diz em certo momento que Maomé é um covarde e os judeus são um bando de elitistas. E também pelo uso da bandeira dos confederados, o lado sulista (e escravocrata) da Guerra Civil americana – “hoje eu entendo porque algumas pessoas enxergam aquilo como um símbolo de ódio. Se fosse hoje, eu não teria colocado aquilo na capa do disco”. O músico ainda tentou justificar seu passado de merdas dizendo que se arrepende e tem um senso de humor maluco. “Mas quando alguma coisa é dita preto no branco, as pessoas vão entender preto no branco”. MAS CLARO, PORRA.
Honestamente? Foda-se se ele estava bêbado. Pro inferno as pessoas que estão desesperadamente procurando fotos dele com uma garrafa de champanhe ou vinho branco ou qualquer merda assim nos bastidores para justificar (?) a declaração. E que ele enfie no rabo este discurso de “era apenas uma piadinha”. Este é um cara de quase 50 anos de idade na cara que sabe exatamente o efeito que pode causar quando sobe no palco, que sabe da importância do Pantera para o heavy metal contemporâneo, anos 1990, feito não apenas nos EUA mas no mundo. Eu tinha ouvido esta entrevista pra Hard Rock Haven e, bom, me convencido de que Anselmo tinha de fato se arrependido. Sou uma maldita Poliana, em alguns casos. Sempre adorei o Pantera. E este é o tipo de comentário que me faz ter total vontade de parar de ouvir a banda. Simples assim.
O que choca ainda mais não é apenas o comentário do Anselmo. Mas sim os comentários que ele gera. Qualquer um que tenha tido um mínimo de estômago para acessar as áreas de comentários dos portais especializados, brasileiros e gringos, nas muitas notícias relacionadas a este episódio, deve ter tido vontade de nadar no próprio vômito. Eu fui. “Lá vem o discurso do vitimismo de novo, né?”, disse um. “Ah, mas se fosse um cara gritando black power ou latin power, tudo bem?”, soltou outro. “O Emicida pode dizer que tem orgulho de ser negão”, questionou mais um. “Eu tenho muito orgulho de ser branco, qual é o problema?”, levantou-se um quarto. E a pérola suprema de todas: “isso é racismo ao contrário”. PUTAQUEPARIU.
Em resumo: muito obrigado, Phil Anselmo. Por sua causa, os merdas saíram do esgoto nas áreas de comentários, mais uma vez, como costuma acontecer com frequência na internet.
Sou contra este papo de “o heavy metal é racista e intolerante”, porque isso é uma declaração reducionista, que joga todo mundo no mesmo balaio de gato. Não é o heavy metal que é racista. As pessoas são racistas. Porque as pessoas são idiotas. E idiotas existem em todos os lugares. O problema não é o meio, mas o emissor. Leitores atentos do JUDÃO já nos viram falando com certa frequência dos idiotas no mundo dos quadrinhos, do cinema, do RPG, dos games. O que me machuca é ver isso acontecendo justamente no mundo do metal, que é tão pródigo em mensagens de união, sabe? Perguntem aos caras do Manowar, sempre dizendo para erguermos todos juntos as espadas, pedindo que a gente divida a cerveja com o irmão do metal que está do nosso lado. Ou ao Primal Fear, que roga que todos, sem exceção, se juntem à nação do metal. O que não faltam são exemplos da exaltação à irmandade, de que somos todos iguais perante o heavy metal, vindos de nomes como Gamma Ray, Hammerfall, Judas Priest.
Para uma parte dos fãs destas bandas, no entanto, ser “do metal” parece significar ser tão especial a ponto de poder dizer que alguém de uma determinada etnia, gênero, credo, cor não cabe dentro de seu “clubinho especial”. Ao ver os comentários que a atitude escrota de Anselmo levantou, começo a acreditar que tem mais gente pensando assim do que eu realmente gostaria. “Não existe espaço para isso no metal. E se existir espaço para isso no metal, então estou fora”, disse Robin Flynn, vocalista do Machine Head, que também tocou no Dimebash, em seu próprio vídeo para falar a respeito do caso. “Eu não vinha me sentindo conectado com esta comunidade do metal já há algum tempo. Não entendo. Não entendo como este tipo de coisa é tolerada. Não entendo como esta merda é considerada aceitável, pra começar”.
Flynn, meu caro, sabe o que é mais foda nisso tudo? Estes imbecis parecem ter se esquecido é que o metal vem da música negra, sabe? O rock, senhoras e senhores, é filho direto do blues. O blues, aquele música dos negros americanos. O blues, que era a principal inspiração de um tal de Black Sabbath, conhecem? “The blues are the roots, the others are the fruits”, já escutaram este ditado? Pois deveriam. Vou repetir, apenas em uma frase, e colocar tudo em caixa alta, pra ver se vocês não esquecem: O HEAVY METAL SÓ EXISTE POR CAUSA DOS NEGROS.
Vou lhes dar um nome para vocês anotarem, quem sabe entra nas suas cabeças: Sister Rosetta Tharpe. Uma guitarrista negra. Mais uma vez, em caixa alta: UMA MULHER NEGRA. Que, entre as décadas de 1930 e 1940, fazia música gospel com sabor de rock n’ roll. Sabe quem já se declarou abertamente influenciado pelo seu estilo de cantar? Caras como Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Little Richard. E quem foram os sujeitos influenciados por seu jeito de tocar? Uns tais de B.B.King e Chuck Berry. Ela influenciou o blues e o rock. Sem ela, o metal jamais sequer teria existido.
No fim, é como lembra o poderoso editorial da revista Metal Hammer, uma das maiores publicações sobre metal do planeta, que diz claramente que não, o comentário de Phil Anselmo não pode ser ignorado: “Every creed and every kind to give us depth for strength”, diz a letra de uma canção sobre a força que vem da união de todos que são diferentes. A canção é Rise. De uma banda chamada Pantera.
Acho que Phil Anselmo precisa urgentemente rever seu repertório.