Atual temporada da série do Corredor Escarlate leva a Jornada do Herói praticamente ao pé da letra, mas de forma acelerada — como é de se esperar com um VELOCISTA — e se torna surpreendente
SPOILER! Jornada do Herói, ou Monomito. Já falamos algumas vezes desse paradigma aqui no JUDÃO e de como ele ajuda os roteiristas de hoje a construírem grandes histórias. Star Wars, a trilogia original, é uma interpretação da Jornada do Herói. Outro exemplo é o livro (e a trilogia de filmes) O Hobbit. Se você voltar no tempo, até o NOVO TESTAMENTO se enquadra nisso.
E sim, isso tem total ligação com o que está sendo feita na atual temporada de The Flash. Não que já não tivesse sido feito na primeira temporada, mas essa segunda está levando o uso do Monomito ao extremo – e, de brinde, trouxe um dos momentos mais angustiantes e chocantes do herói. O Corredor Escarlate foi QUEBRADO.
Pensa comigo: no primeiro episódio deste segundo ano, Barry Allen vivia sua vidinha quando descobre as 52 fissuras que ligam a Terra dele, a 1, com outros universos paralelos, algo causado por ele no season finale anterior, na luta com o Flash-Reverso. Inicialmente, ele não quer continuar essa vida heroica, inclusive não querendo receber a chave da cidade, justamente por não se sentir o verdadeiro herói que salvou Central City meses antes.
Depois vem o mentor, que, no casso, é o Flash da Terra-2, Jay Garrick. É Jay quem conta sobre o desafio, treinando-o para enfrentar Zoom, o misterioso velocista que quer acabar com todos os outros iguais a ele que existem no Multiverso. A partir daí começam a surgir todos os mais variados perigos enviados por Zoom, e Barry vai fortalecendo o relacionamento com os amigos, fazendo novos inimigos e aprendendo as regras dessas lutas interdimensionais.
Isso é, basicamente, a primeira metade da Jornada do Herói, quase que de forma literal – só que sem a parte de JORNADA propriamente dita, sem uma viagem por um mundo desconhecido. Se tem algo de diferente aí é a presença de Harrison Wells da Terra-2, uma versão alternativa daquele que fora o mentor do herói na primeira temporada e que não é o assassino da mãe de Barry, mas é igualzinho a ele. Em certos momentos, esse segundo Wells ajuda o herói. Em outros, atua praticamente como o mentor, também.
E aí chegamos no episódio da semana passada, Enter Zoom. Esse foi, ainda pensando na Jornada do Herói, o ABISMO. O grande vilão apareceu pra mostrar que nosso herói não é nada, quebrando-o física e mentalmente e mostrando pra todos em Central City que seu protetor não é digno. Em 30 episódios de The Flash exibidos até agora, esse certamente foi o mais sombrio. Aquele que deixou todo mundo que assistiu com um nó na garganta.
Gorilla Warfare, o episódio desta semana nos EUA, só poderia ir pra cima depois de uma queda tão grande. E foi. Mostrou um Barry inicialmente relutante, fraco, que mesmo após recuperar o corpo não conseguia recuperar a mente pra voltar a correr. E é aí que entra mais uma vez a figura do mentor, o terceiro nesta temporada: Henry Allen.
E como foi incrível poder rever John Wesley Shipp em cena. Ele, que foi o Flash da série dos anos 90, traz todo aquele peso pra quem é fã das antigas, com suas palavras e falas ecoando fundo no coração do Barry e no nosso. Era o que faltava pro herói voltar a correr e enfrentar o inimigo da semana, justamente o poderoso Grodd.
Isso tudo em apenas sete episódios. Sabemos que The Flash dá, agora, uma pequena pausa, voltando no dia 1º de dezembro com o episódio Legends of Today, um crossover em duas partes com Arrow e que apresentará o vilão Vandal Savage, servindo de gancho pro lançamento da série Legendes of Tomorrow. De qualquer forma, tudo isso está indo muito rápido. Era de se esperar, por exemplo, que o Flash fosse quebrado pelo Zoom pertinho do midseason finale, deixando as consequências da quase-morte como cliffhanger pro ano que vem – algo parecido com que Arrow fez no ano passado, com a quase morte do Oliver Queen nas mãos do Ra’s Al Ghul.
Ao acelerar os elementos do Monomito, os produtores executivos (e roteiristas) Greg Berlanti, Andrew Kreisberg, David Nutter, Sarah Schechter e Gabrielle Stanton conseguem nos surpreender ainda mais, saindo do padrão, do que todo mundo faz. Mesmo que, do outro lado, levem os elementos do paradigma quase que ao pé da letra, como instrumentos consagrados que são pra se fazer uma boa história. É como se tudo isso fosse uma grande HQ, que usa e abusa do Monomito, só que live action. Até a Cidade Gorila conseguiram uma brecha pra adicionar, cara!
Mas vai ficar faltando coisa aí. Em algum momento, essa Jornada do Herói que vive o Barry Allen terá que ser quebrada, justamente pra preencher uma temporada completa de 23 episódios. Isso, se for bem feito, pode ser ainda mais surpreendente – fora que deixa esse gostinho na nossa boca de “que porra vai acontecer?”. Não sei você, mas chuto que será algo relacionado com a verdadeira identidade do Zoom – que os produtores já tinham dito que é algo importante pro enredo, inclusive escalando atores diferentes pra fazer o corpo e a voz do vilão (sim, assim como Darth Vader).
Aliás, SERÁ que o Zoom é, de alguma forma, a versão alternativa do Henry Allen? Ou até mesmo aquela que conhecemos? É que uma das versões do Monomito — a original, do Joseph Campbell — tem justamente um espacinho pra adicionar um tormento entre pai e filho, ou da figura paternal. Na temporada anterior, fizeram o Flash-Reverso ter essa figura paternal, algo reforçado pelas próprias falas do vilão. Agora a jogada faria sentido mais uma vez. E lembra que eu já citei Star Wars duas vezes neste texto? Pois é.
Essa versão pode ser reforçada por um fato crucial: até hoje não revelaram quem é o dono do corpo do vilão, apenas da voz (Tony Todd). E, se você olhar bem pro Zoom, verá que temos ali olhos bem parecidos com os do John Wesley Shipp. Seria bombástico pro Barry, ao ver no pai um vilão; e pra nós, ao ver o antigo Flash ser, agora, um vilão tão maligno.
Existem outras pistas pra se acreditar nisso, além de um par de olhos. No final da última temporada, uma das visões do Barry, enquanto corria pra viajar no tempo, foi com ele preso enquanto conversava justamente com o pai — num REVERSO em relação ao que tinha se visto durante todo o primeiro ano de série. Aquilo pode ser da Terra-2. E pode ser aquele Henry alternativo que ganhou poderes, e não o Barry, que está pagando por um crime que não cometeu (quem sabe causado pelo mesmo homem que na Terra-1). Isso já é motivo suficiente pra não só querer se vingar do Wells, mas também pra sequestrar (e não matar) a filha dele. Olho por olho, dente por dente.
É, parece que estamos vendo também a melhor temporada de The Flash até agora. Isso mesmo pensando que a primeira já tinha sido sensacional. E é bom curtir, porque ela vai passar num FLASH!
Sacou? Num FLASH? Rapidinho? PANS? Não? Desculpa. :(