Representatividade nas HQs: tá tendo sim. E vai ter mais. | JUDAO.com.br

Todo mundo fala esta palavra mágica. Mas o que ela quer dizer, de verdade? Qual o seu peso?

Por meio das redes sociais, temos sido constantemente expostos a conceitos como o de representatividade, que está no centro de uma série de discussões (sendo que nem todas são lá muito civilizadas).

De acordo com o dicionário Michaelis, representatividade é “a qualidade de representativo”. E representativo é definido como “aquilo que que representa ou serve para representar”. Não ajudou muito, né? ;)

O ponto aqui é que não se trata apenas de uma palavra grande e que está na moda. Representatividade é uma ideia que vem sendo incorporada à toda a produção cultural, inclusive à dos quadrinhos. Para entender um pouco mais sobre sua importância, conversei com a psicóloga Andrea Lagareiro que, além de fã de quadrinhos, também costuma estudá-los como possíveis ferramentas na resolução de conflitos dentro de sua área de atuação.

Andrea me explicou que a representatividade é a qualidade de nos sentirmos representados por um grupo, indivíduo ou expressão humana, em nossas características, sejam elas físicas, comportamentais ou sociais. “É por meio desta qualidade que nos sentimos parte de um grupo, pertencentes a ele, compartilhando experiências, impressões, sentimentos e pensamentos com seus membros”.

Por isso, quando falamos em empoderamento, estamos falando de um indivíduo observar outro realizando, pensando, superando algo — e este outro tem características semelhantes, de maneira que o primeiro se sinta representado (A-HÁ!) e possa vivenciar a sensação de que este “poder” de ação é compartilhado.

A psicóloga também enfatizou que, transportando estas noções para o campo artístico, quando um personagem de um livro, por exemplo, se assemelha a um grupo ou indivíduo, e é capaz de grandes feitos, ou de conduzir sua vida para um rumo de bem-estar, é natural que este sentimento seja transmitido ao público por ele representado.

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Por isso, uma substancial gama de minorias – que, no passado, não eram representadas pela produção cultural midiática – encontraram em personagens, autores, artistas, figuras públicas e mesmo em outros grupos e comunidades uma representação, uma projeção amplificada de suas características e uma nova motivação para o enfrentamento dos preconceitos oriundos da dificuldade humana em lidar com a diversidade na vida real.

Andréa cita a nova Miss Marvel, Kamala Khan, como um grande exemplo de representatividade e empoderamento, uma vez que Kamala é uma adolescente muçulmana, imigrante e protagonista de uma história de super-heróis. A mensagem que ela passa às jovens sobre aceitação da própria imagem e de suas diferenças é extremamente significativa.

A mensagem que a nova Miss Marvel passa para as jovens, sobre aceitação da própria imagem e de suas diferenças, é extremamente significativa.

Sendo assim, o potencial das histórias em quadrinhos para lidar com certos conflitos é ilimitado. Não à toa, Andréa é otimista sobre a tendência que vem crescendo no mercado mainstream de tratar de temas mais abrangentes e inclusivos: “Acho que a sociedade caminha para fora das sombras, pouco a pouco. As gerações de hoje têm uma liberdade muito maior para questionar, refletir e propor do que as anteriores. Uma educação muito rígida, de pouco diálogo, acabou por desenvolver adultos pouco confortáveis com seus sentimentos, e as gerações seguintes vieram para quebrar um pouco este paradigma. Não é de se estranhar que os quadrinhos acompanhem este movimento, além de arte pela arte, mas como uma ferramenta social muito importante”.

Algumas das HQ que li e que achei extremamente representativas, além da Miss Marvel, são Parafusos, que narra a luta da cartunista Ellen Forney em busca de estabilidade emocional diante do diagnóstico de um transtorno bipolar; Azul é a Cor Mais Quente; premiada HQ que conta a história de Clémentine às voltas com a descoberta de sua homossexualidade; Persépolis (clássica!) da Marjani Satrapi e que nos traz uma perspectiva do que é ser uma mulher iraniana e não se encaixar em sua própria cultura; e a divertidíssima Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço já em sua segunda edição e que além de contar com Deus, que é negra, gorda e bissexual, na tripulação do navio espacial, também tem uma personagem trans, a Fran.

AsEmpoderadas01No universo mainstream, além de personagens assumidamente gays como o Estrela Polar dos X-Men, temos a Tempestade que foi a primeira protagonista negra das HQ, Xavier que é paraplégico, T’Challa (o Pantera Negra), o recente Lanterna Verde Simon Baz que é muçulmano, a Wanda em Sandman que é uma transexual....

Talvez os exemplos não sejam tão numerosos quanto seria necessário, mas esse número vem aumentando significativamente, principalmente nas publicações de webcomics.

A Social Comics, por exemplo, lançou recentemente o selo Pagu Comics, com títulos produzidos por artistas femininas e que traz histórias como a das Empoderadas (comédia de criação da Germana Viana que vai se passar em São Paulo, na qual três mulheres normais acabam ganhando poderes) e artistas como Beliza Buzzolo, das tiras Na Ponta da Língua, e a Gabi Lovelove6, da Garota Siririca, abordando temas como sexualidade e homossexualidade de forma tão divertida que conseguem alcançar leitores fora de seu público alvo.

A julgar pelo número crescente de obras que buscam trazer assuntos e personagens que representem pessoas que até então não se enxergavam nas histórias em quadrinhos, apesar de uma certa resistência por parte de alguns grupos, meu palpite é que essa tendência só cresça, mesmo no que diz respeito aos quadrinhos mainstream, das grandes editoras como Marvel e DC.

A setorização de mercado por nichos não é uma novidade, portanto não seria diferente com as histórias em quadrinhos, que têm potencial para serem consumidas por todas as idades, classes sociais, gêneros... Por que excluir ao invés de somar? É mais e não menos. E então, com qual personagem de HQs VOCÊ mais se identifica?

Dani Marino é pesquisadora na área de histórias em quadrinhos. Possui graduação em Letras – Inglês pela Universidade Metropolitana de Santos (2012) e é integrante da Associação de Pesquisadores de Arte Sequencial (ASPAS) desde setembro/2014. Para o Mestrado da Escola de Comunicação e Artes da USP, Dani fará sua dissertação sobre a Gibiteca de Santos.