RESENHA! Thor: Ragnarok

A Marvel resolveu se permitir, entregou Thor: Ragnarok pro diretor neozelandês Taika Waititi e essa pode ter sido a melhor decisão do estúdio nos últimos dez anos

Há quase dez anos a Marvel Studios testou uma fórmula de fazer filmes que, bom, não dá pra dizer que não funcionou. Rolaram um ou dois ou três tropeços durante o PERCURSO, mas o saldo é positivo pra caralho.

Ainda assim, o que mais tem sido dito sobre esses filmes é justamente que essa fórmula, tão repetida, está cansando. Que, especialmente com as saídas de Joss Whedon e Edgar Wright do chamado MCU, a Marvel Studios não dava nenhum espaço para a criatividade (ainda que Homem de Ferro 3 seja criticado mais por “não ser um filme do Homem de Ferro”, mas isso é papo pra outro dia).

Mas essa história tá mudando. James Gunn mostrou o que era capaz de fazer com Guardiões da Galáxia, e acabou fazendo com Guardiões da Galáxia Vol.2 um filme inegavelmente dele, absolutamente pessoal em diversos sentidos e um dos melhores de todo esse universo JUSTAMENTE por isso... E aí, no mesmo ano, o diretor neozelandês Taika Waititi, com apenas outros quatro longas no currículo, nenhum deles em Hollywood, fez Thor: Ragnarok.

Se você ainda não assistiu a Loucos por Nada (Eagle vs. Shark), Boy, O que Fazemos nas Sombras e, principalmente, Fuga para a Liberdade (Hunt for the Wilderpeople), talvez fosse o caso de dar uma procurada por eles antes de assistir ao novo filme do Senh–digo, Deus do Trovão, pra se acostumar com o tipo de filme que o cara faz, o tipo de história que ele conta, o tipo de humor que ele usa. Aliás, nem precisa ir muito longe, basta assistir àqueles dois curtas do Thor com o seu roomie Darryl Jacobson pra entender exatamente o tipo de coisa que ele faz.

Ao contrário do que acontece com Guardiões da Galáxia, que foram dois filmes que não precisavam se preocupar com o que estava acontecendo no resto do Universo Marvel dos Cinemas, Thor: Ragnarok tem muito mais conexões, tanto com os filmes que estão vindo quanto com todos os que já rolaram e, portanto, é muito mais fácil sentir a presença de Kevin Feige no CANGOTE. “O filme definitivamente vai ter mais do que meu tom, mas ainda precisa fazer parte do Universo Marvel, o tipo de filmes que eles fazem”, disse Taika Waititi ao Sydney Morning Herald, na época do lançamento de Hunt for the Wilderpeople. A sorte, porém, é que, apesar disso, Taika Waititi conseguiu fazer de Thor: Ragnarok um filme absolutamente SEU que, por acaso, pertence a todo um universo.

Aparentemente, a Marvel Studios resolveu permitir novamente que filmes do verbo cinema sejam feitos com suas histórias.

E essa é provavelmente a melhor coisa que eu poderia falar sobre esse filme... Além de que ele é o mais divertido, engraçado, esquisito, absolutamente fora do padrão que estamos acostumados nos filmes da Marvel e que, só por isso, já é um dos melhores de todo esse Universo. :D

Thor: Ragnarok é, acima de tudo, um filme do Taika Waititi

A primeira coisa que você vai notar em Thor: Ragnarok é que é um filme absolutamente autoconsciente, o que vai te fazer rir do início ao fim — usando, é claro, o característico humor “deadpan” do diretor, aquele em que situações absolutamente dramáticas têm reações... mundanas. É o tipo de coisa que você não espera de um filme com super-herói e que aqui funciona genialmente.

É quase como se fosse uma paródia desse tipo de filme, funcionando como um ESPELHO de tudo o que eles querem ser e muitas vezes são, mesmo. Transforma o Thor e toda aquela sua EMPÁFIA característica, que nos quadrinhos o faz inclusive ter uma fonte toda rebuscada nos seus balões, e quebra o tudo de épico que Kenneth Brannagh tentou nos fazer engolir no primeiro filme. Thor: Ragnarok é o OPOSTO do que se viu em 2011.

Isso, aliás, é mostrado de maneira LITERAL no início do filme, num dos momentos mais engraçados dele. Preste bem atenção. ;)

Taika Waititi e Tessa Thompson no set de Thor: Ragnarok

Claro, esse é o tipo de coisa que também pode acabar dividindo a audiência, exatamente como aconteceu em Homem de Ferro 3. Mas aí adivinha só de quem é o problema? :D Como disse Taika Waititi em entrevista à Bmag, “se você tá tentando fazer alguém fazer um certo filme, você não pega alguém que fez o último filme que era tipo o filme que você tá tentando fazer, porque você vai ter o mesmo filme e isso vai ser chato e todo mundo vai perceber. Você precisa escolher alguém esquisito, tipo eu, que nunca fez nada disso antes. E aí você guia pra ter certeza que ele não vai gastar toda a grana em jaquetas de couro”.

James Gunn já está trampando no seu terceiro Guardiões da Galáxia, Ryan Coogler logo mais estreia seu Pantera Negra, Anna Boden e Ryan Fleck logo mais começam a trampar no filme da Capitã Marvel... O caminho é realmente esse e parece ser o ideal porque, além de ter feito de Thor: Ragnarok um filme seu, Taika Waititi também fez um filme da Marvel Studios, o que significa que ele pode fazer coisas fora da sua zona de conforto.

Por exemplo, as lutas. São, sem dúvida alguma, as melhores de todos os dezessete filmes do MCU até agora, com destaque para a que abre o filme, que não só é perfeitamente coreografada como genialmente filmada, definindo tudo o que precisa ser definido nas nossas cabeças sobre o que veremos nas próximas horas.

É, também, a primeira vez que eu vi o Thor sendo um SUPER-HERÓI de fato, com tudo o que um bom herói precisa ter. Em 15mins de filme, Taika Waititi já fez mais pelo personagem do que outros quatro filmes inteiros não conseguiram. Isso sem contar no ENFIM uso da estética de Jack Kirby que, putaquepariu, faz de Thor: Ragnarok um filme RIDICULAMENTE BONITO. Impressiona, de verdade.

O que se viu nos trailers (“He’s a friend! From work!”) ou nos tais curtas é o que se tem de Thor Odinson. Chris Hemsworth é o grande MENSAGEIRO do diretor, sendo ao mesmo tempo o filho de Odin, Vingador, Super-Herói e, por que não dizer?, humano. Ao lado de Tom Hiddleston, que entrega um Loki bem menos diva e/ou vilão e sim um irmão de uma família DISFUNCIONAL, os dois representam um dos principais temas dos filmes do diretor. “Eu amo histórias de foras da lei, renegados e pessoas que lutam contra o sistema, e essa ideia de uma dupla incompatível nessa missão pela liberdade realmente falou comigo”, disse Waititi... sobre Hunt for the Wilderpeople. Mas funciona da mesma maneira com Thor: Ragnarok. ;)

Mark Ruffalo se encaixa direitinho nessa dinâmica, tanto como o Hulk bonitão quanto como Bruce Banner. É outro que carrega a bandeira do diretor durante todo o filme, roubando a cena — eu pagaria uma grana pra assistir a um road movie com esse Thor e esse Hulk aí. ;)

A Valquíria de Tessa Thompson rouba a cena completamente, desde o primeiro segundo em que aparece até o momento em que se junta aos Revengers. A Viúva Negra que me desculpe (ainda que o problema seja de quem a escreveu nos filmes, não da personagem, né), mas agora sim podemos dizer que o MCU tem uma heroína. Forte, carismática... Maravilhosa.

Cate Blanchett ainda não é a vilã que tanta gente espera de um filme da Marvel, mas Thor: Ragnarok é um filme diferente o suficiente pra não precisar desse vilão, já que é a situação (o próprio Ragnarok) que faz os personagens agirem. De qualquer modo, ela claramente está se divertindo no filme e, porra, que mulher, bicho. QUE MULHER.

Jeff Goldblum é o mais Jeff Goldblum possível e, por mim, não precisava de mais nada nesse ponto. O que precisava, mesmo, era que o Heimdall de Idris Elba tivesse mais tempo pra ser esse Heimdall que ele começou a ser em Thor: Ragnarok. Acaba sendo só um recurso simples de roteiro, mas deixa um GOSTINHO na boca... (Não disse do que).

O Skurge de Karl Urban também é meio que um desperdício, mas ele não importa tanto assim. :)

Thor: Ragnarok é um dos melhores filmes já feitos pela Marvel Studios, que enfim resolveu permitir de uma vez por todas que se faça cinema com suas histórias

A Marvel permitir que “diretores esquisitos” como Taika Waititi façam seus filmes com certeza é a grande novidade desde que a Casa das Ideias inventou de fazê-los. Thor: Ragnarok, o primeiro grande resultado dessa história, prova isso. É um filme pessoal e ao mesmo tempo parte de algo maior que a vida. É um filme “pequeno”, focado em personagens, numa história de família, hilário do início ao fim, mas com algumas das tretas e sequências mais bonitas que já tivemos a chance de assistir nesses filmes de lutinha.

É, antes de mais nada, um filme.

Enquanto ainda se fala da tal “fadiga dos super-heróis” e do cansaço dessa fórmula que tanta gente tenta copiar sem fazer ideia de como, Thor: Ragnarok é a prova de que “super-herói” não é gênero e que filme bom, quando é bom, é bom pra caralho. Não importa o orçamento, não importam os outros filmes nos quais esse encaixa. Só importa o que estamos vendo na tela.

E o que vemos, porra... Eu quero é ver mais. :)