Crise Financeira? A DC Comics responde | JUDAO.com.br

A editora resolveu afirmar que nada disso existe, do jeito mais tradicional possível: usando a imprensa

Na última semana, começou a rolar uma história de que a DC Comics estaria US$ 2 milhões abaixo da meta da renda líquida prevista para este ano, numa situação que teria ligado o alerta amarelo internamente e feito com o que os editores passassem um novo recado para os quadrinistas: parem de inventar, façam o arroz com feijão.

Num movimento até que rápido, a DC respondeu – e, como era óbvio, usando a própria imprensa. Só que não como fazem essas grandes companhias presentes aqui no Brasil, que quando não preferem ignorar uma polêmica como essa, no máximo, enviam um comunicado genérico negando tudo. A editora foi mais inteligente, fechando uma matéria exclusiva (e chapa-branca) para o Los Angeles Daily News (o segundo em circulação na Califórnia, atrás do Los Angeles Times), na qual falaram os co-publishers Jim Lee e Dan Didio. Não, não deixaram (quase) nenhum ponto do rumor sem ser comentado.

O grande recado que ficou dessa entrevista é que sim, a DC Entertainment quer justificar com todas as suas forças a mudança do braço editorial de Nova York para Burbank (CA), que seria um dos motivos para o resultado financeiro não tão bom. Exatamente por isso, o papo com o jornal rolou na nova sede. “Nós estamos juntando todas as partes da DC Entertainment”, disse Didio, “antes era dividido em duas Costas [Oeste, com filmes, animações e licenciamento; e a Leste, com o editorial]. Isso nos deixa mais próximo da Warner Bros... Há muito mais integração com os personagens em toda a empresa”.

“Isso faz uma grande diferença”, seguiu Jim Lee. “Muito do que fazemos acontece entre reuniões, caminhando de uma pra outra ou em reuniões improvisadas, quando juntamos pessoas porque temos uma ideia. Agora que estamos juntos, há uma grande quantidade de colaboração e sinergia”. Dos 160 funcionários que ficavam em Nova York, 70 topou mudar de cidade, se juntando aos 90 que já estavam na Califórnia. “Isso fez com que a galera da Costa Leste se sentisse parte de uma empresa muito maior”, comentou Didio.

Jim Lee e Dan Didio durante o papo com o LA Daily News

Jim Lee e Dan Didio durante o papo com o LA Daily News

Ok, mudar de casa fez todo mundo ficar feliz, trouxe sinergia e tudo mais. Mas também não significa que os quadrinhos ficaram, agora, em segundo plano? Esse é outro boato que a dupla tratou de desmentir. “Quadrinhos são centrais para toda a discussão que temos”, avisa Didio, que, assim como o Jim Lee, é uma cria dessa indústria. “Obviamente, um monte de coisa que estamos produzindo tem inspiração em coisas da televisão ou do cinema. Ao mesmo tempo, estamos trazendo novos conteúdos”, explica Lee.

É aquela coisa: os dois sabem que o público que lê quadrinhos é infinitamente menor do que aquele que assiste aos filmes e séries baseados nesses mesmos quadrinhos. Se uma nova produção de outra mídia dá certo, não adianta nadar contra a corrente — já que, pra maior parte do público, aquilo que ele está vendo nessa outra mídia é a verdade, e não o que tá no gibi. Se, por exemplo, um personagem como o John Diggle faz parte de um enorme sucesso como é Arrow, acaba se tornando necessário integrar esse cara ao universo do Arqueiro Verde das HQs, criando uma convergência para o novo público que está sendo formado pela televisão. Essas são iniciativas que precisam andar juntas, sob o risco do sucesso da TV acabar sendo prejudicial ao gibi, ao invés de ajudá-lo.

Em relação aos US$ 2 milhões que #infelizmentenãodeu, óbvio que o assunto não foi diretamente comentado — afinal, a entrevista foi de cartas marcadas, com tudo previamente combinado e sem cutucar os pontos mais sensíveis, bem ao estilo Relações Públicas. Mas a informação estava lá, indiretamente, não só quando falaram do lado bom da mudança de cidade, mas também quando Lee e Didio começaram a comentar o futuro promissor para o mercado de super-heróis, principalmente por conta dos 10 filmes com personagens da editora programados até 2020. Esse crescimento está puxando toda uma nova leva de oportunidades, que vão além das tradicionais comic shops e além do “fanboy clássico”.

Isso tudo pra explicar que os mais de 10% de market share que a Marvel abriu em 6 dos 7 meses de 2015 não quer dizer muito – são apenas comic shops, o “fanboy clássico”. A DC quer ir além desse mercado e, bom, está assumindo alguns riscos pra isso. Inclusive ter que esperar os filmes da WB saírem do papel, o que vai acontecer a partir do próximo ano. É um investimento para ganhar dinheiro no futuro, mas gastando no presente.

Batman & Superman no DC You

Batman & Superman no DC You

Essa estratégia faz com que a DC continue sim apostando no DC You, aquela nova fase editorial com mais liberdade para roteiristas e artistas, que começou em junho lá nos EUA. De acordo com os rumores, isso acabaria – mas, ao menos no discurso, a versão oficial não é essa. “Nosso objetivo é constantemente reinventar e introduzir novas ideias e conceitos. Caso contrário, vamos ficar caçando o nosso próprio rabo”, explica Didio.

Faz sentido. Fazer a Batgirl mais próxima dos adolescentes de hoje se provou correto. Dar um gibi para personagens como Ciborgue e Midnighter, também. Assim como o atual arco do Batman, com a troca do homem por de baixo do capuz (ou, melhor dizendo, da máscara). São iniciativas que mesmo que com maior ou menor grau de aceitação, se provaram criativamente interessantes e originais, mas ainda fieis ao espírito dos heróis. Mas não é o que se pode dizer, por exemplo, do atual momento do Superman, que parece mais uma cópia dos anti-heróis dos anos 80 e 90.

É tudo, no final das contas, questão de ajustar os projetos das próprias equipes criativas, filtrando as ideias ruins ou que não deram certo após a publicação. Não é, necessariamente, um momento de desistir de tudo. “Uma das coisas sobre quadrinhos é que são de baixo custo (pra pesquisar e desenvolver). Você pode botar lá e ver se dá certo ou se falha, e o objetivo é seguir as tendências que são bem-sucedidas e construir a partir daí”, explica Didio. Pra tudo isso, os publishers afirmam que estão contando com todo o apoio da presidente da DC Entertainment, Diane Nelson. “Ela nos deixou assumir riscos”.

Riscos esses que passam também pelo fato da editora ter incentivado bastante as encomendas de gibis feitas pelos donos de comic shops. Normalmente, esses lojistas efetivamente compram as revistas para revendê-las aos leitores, mas a DC tem apostado em incentivos para esses revendedores. Basicamente, eles ganham uma margem de edições “retornáveis” que, se não venderem, podem ser devolvidas para a editora, numa estratégia mais parecida com as bancas do mercado brasileiro. É algo que funciona bastante quando você quer alavancar um título que é uma aposta muito grande, mas que, se tudo naufragar, pode te trazer prejuízos.

Em nenhum momento esse assunto foi levantado, e é de se imaginar (até por ter sido ignorada nessa grande leva de desmentidos) que essa estratégia seja deixada de lado — ou diminuída — nos próximos meses.

Por fim, Didio voltou a reforçar todo o atual momento da empresa, num recado não só pros leitores, mas também pra especialistas de mercado e, principalmente, diretores da Time Warner e investidores. “Se você está tentando construir uma base de fãs, uma nova audiência, você tem que alimentá-la. Você tem que dar um tempo. Você tem que assumir suas perdas”, continua o co-publisher. “Mais cedo ou mais tarde, isso vai pegar e espero chegar à liderança do mercado. No momento, nosso objetivo é tentar alimentar, com o máximo de produtos diferentes, o público mais amplo possível”.

Num mercado onde as grandes editoras sempre foram acusadas de mudar (e relançar!) quase que anualmente em resposta às vendas baixas, não deixa de ser interessante (e surpreendente) ver esse pensamento a médio prazo, com foco muito além de quem vendeu mais ou menos gibis em comic shops. O foco não é no dinheiro, é nas pessoas. Em todas elas.

Só vamos torcer pra que tudo dê certo e aqueles tais US$ 2 milhões não estejam realmente fazendo falta.