Rodrigo Santoro: "Eu tenho que estar preparado pro jogo" | JUDAO.com.br

O ator, que interpreta Hector Escaton em Westworld, fala ao JUDÃO sobre tudo que vem aprendendo com a nova série da HBO

Westworld, o filme de 1973, dirigido e escrito por Michael Crichton, mostrava não só a sua preocupação com o que a humanidade seria capaz de fazer por entretenimento, como um sério problema com parques de diversões.

Assim como Jurassic Park, em Westworld pessoas viajavam para um lugar específico onde ficariam hospedados e poderiam viver como outros seres um dia viveram. No caso, os robôs e o Velho Oeste, Roma Antiga e Europa Medieval trocam de lugar com os dinossauros, mas o negócio de adquirir consciência e dar merda é exatamente o mesmo.

E sim, pouca gente sobrevive, porque nem robôs e nem dinossauros sabem brincar.

Neste domingo, 02 de Outubro, estreia Westworld, nova série da HBO, baseada no filme de Michael Crichton (prestando homenagens suficientes pra deixar no ar a ideia de ser uma sequência distante), justamente num mundo que tantas vezes parece velho oeste, Roma antiga e Europa Medieval. Quão além dessa premissa uma série poderia ir, em 2016?

“MUITO além. Muito além” afirmou Rodrigo Santoro, em entrevista ao JUDÃO. “A série trabalha apenas com a premissa do filme (...), a ideia do parque temático”. É bom saber isso logo de cara, já que o ótimo episódio piloto, que nós já assistimos, serve essencialmente pra apresentar a premissa e largar aquela vontade de assistir a tudo o mais rápido possível. E muitas, muitas perguntas. :)

Nessa entrevista, porém, um Rodrigo Santoro muito mais leve e solto do que aquele que apareceu em frente às câmeras nas várias outras vezes que conversei com ele, também vai além da série, conversando sobre a fantasia do humano de poder fazer o que, quando e como quiser — tal qual um ator –, a liberdade de se trabalhar num lugar que presa o conteúdo em relação aos números e resultados, o processo de escolha (e negação!) de um papel de um ator Brasileiro em Hollywood e a importância do trabalho do artista pra um mundo melhor.

Confira o papo na íntegra aí embaixo!
Westworld estreia domingo, 02, às 23h na HBO Brasil.

Westworld

| O filme original dá pra resumir em “tem um parque de diversões com robôs, dá uma merda, eles matam todo mundo” e acaba. Onde a série vai além disso?

Hehe... MUITO além. Muito além. Primeiro é importante entender que a série trabalha apenas com a premissa do filme. Nem de muito longe é um remake ou reconstituição. A inspiração original é a ideia do parque temático. Essa é a ideia central.

Agora, a série se aprofunda muito nos temas, que também existem ali, da inteligência artificial, mas eu acho que, essencialmente, a gente tá falando aqui do parque. Westworld é um parque em que o visitante vem e pode tirar as suas “férias”, realizar suas fantasias, seus desejos, ser quem ele quiser sem consequências. Ele pode tudo. E nessa ideia do “pode tudo” é que muitas coisas vem à tona, coisas que normalmente na sociedade não são permitidas. Então esse é o ingrediente que move toda a pesquisa em que a série propõe se aprofundar, um estudo sobre a natureza humana e sobre o que a gente é capaz, sobre o que a gente deseja, sobre os lugares mais obscuros que de certa forma ficam mais reprimidos.

A série é um estudo sobre a natureza humana e sobre o que a gente é capaz, sobre o que a gente deseja, sobre os lugares mais obscuros que de certa forma ficam mais reprimidos

A série trabalha muito com isso de uma forma metafórica e, claro, o tempo todo é um grande entretenimento também porque tem ação, é muito bem filmada e por aí vai. É a mesma premissa, mas ela inverte: na série agora o ponto de vista é dos anfitriões. No filme era dos visitantes — os dois caras que chegavam, como eles viam o robô. Agora é o contrário.

Mas vai pra muitos lugares, cara. Westworld é um mundo... Até eu não sei, não posso te dizer, porque não tenho informação, conheço muito pouco. A gente tem muito pouca informação, eu tenho pouca informação sobre meu personagem... Eu sei o que eu fiz, mas não sei o passado dele, sei nada.

| Você gosta de trabalhar assim?

É novo pra mim! Foi difícil, porque o ser humano tá sempre querendo um controlinho. De alguma coisa quer um controlinho. Mas aí não dá pra controlar meeeesmo, a gente não tem muita referência, então tem sido um exercício zen, nesse sentido, e um exercício de se desapegar, mesmo, e acalmar a mente e falar “olha, esse é o material, é isso que eu tenho”.

E também eu tou conhecendo o personagem aos poucos. Ele vai se revelando e eu vou meio que entendendo ele aos poucos. É muito diferente do que eu já fiz nesse sentido.

| O que é legal!

É, de certa forma você queima menos a mufa, entendeu? Porque não adianta se preocupar, não adianta tentar pensar “ah, poderia ter feito de forma tal”, não adianta.

| Nessa coisa que você falou de ser fantasia, o cara vai pro parque de diversões pra fugir da realidade dele... Tem um pouco a ver isso com o fato de você ser ator?

Também. É um paralelo que pode ser feito, não tinha exatamente pensado nisso. A gente tá fazendo — existem as piadas internas, dos atores, milhares, justamente pela riqueza de analogias que a gente pode encontrar com esse tema. Ele é muito rico. A gente fala de criador: o do parque é o Anthony Hopkins, mas a gente tem manipulação, o paralelo que a gente vive é muito grande. Então esse é um dos paralelos.

Inclusive, os personagens — o meu, por exemplo, vai ficar claro logo no primeiro episódio — não tem natureza definida, porque eles podem ser programados pra ser outras pessoas. Isso é maravilhoso, como artista, porque é um parque de diversões. Ao mesmo tempo é beeeeeeeem neurótico. BEEEEEEEEM louco esse negócio. Quem é que o que, o que é quem, e quando você vê você não sabe. Eu sou isso aqui, eu sou aquilo ali? É um questionamento constante, você não tem aquela segurancinha de quando você sabe a história do personagem. Tem algumas linhas gerais, mas ele pode mudar a qualquer momento. Eu tenho que estar preparado pro jogo.

Thandie Newton e Rodrigo Santoro em cena de Westworld

Thandie Newton e Rodrigo Santoro em cena de Westworld

| Série ou cinema?

Os dois. Eu não fiz muitas, né, fiz o Lost lá atrás, uma experiência breve, e agora tou fazendo Westworld e tou conhecendo o processo de fazer série. Aqui é difícil até de diferenciar, porque não dá muito. É como se eu tivesse fazendo dez filmes — são dez episódios. Mas claro que o ritmo não é de um longa metragem, é mais rápido; também não é de uma novela, que é ainda mais rápida — você faz 20 sequências por dia, às vezes. Na série, cinco, seis, sei lá, ooooito com muita sorte. Num filme, duas. Três. Uma. Meia! O começo!

O fato é que, magina, eu não tenho preferência. Muita gente falava, até brincava comigo, “não, cê nunca mais vai fazer novela, só vai ficar fazendo isso, cinema e Hollywood” e eu disse que não, muito enganado, não tem nada a ver com isso. Eu não posso fazer um ano de trabalho porque o que eu gostaria de fazer agora é me dedicar a todas essas coisas, mas se eu tiver um estalo... Rebobina e taí, Velho Chico.

Então é isso, eu acho muito bacana transitar. Porque recicla sua forma de trabalhar — por exemplo agora eu tou trabalhando nessa forma que eu nunca tinha trabalhado antes, que é diferente, que me deixa por um lado muuuuito menos em controle, não que a gente tenha algum, a gente não tem mesmo. É mais... não sei, talvez mais vulnerável, que me deixa num lugar diferente, assim. E ao mesmo tempo tá sendo bom porque eu tou exercitando a calma, neste lugar, e exercitando trabalhar um pouco mais, até instintivamente, tendeu? Acho que isso vai acabar me ensinando alguma coisa.

| E como você escolhe os papéis hoje?

Da mesma forma de sempre, que é igual quando você fica amigo de alguém. Você encontra uma pessoa, vamos supor o Rodrigo. Aí cê trocou uma ideia com o Rodrigo, aí cê foi embora. “Pô, o Rodrigo é um cara gente boa, gostei do cara!”. Você não conhece o Rodrigo, profundamente. E se eu te perguntar por que você gostou do Rodrigo, “aaaah porque ele é gente boa!”. Não explica. Acontece uma empatia.

E aí tem uma coisa com a história, com o personagem, de você ser tocado por ela, de você querer falar daquele assunto porque você tem vontade, de você querer ajudar contar aquela história, de você querer trabalhar com aquelas pessoas que vão fazer aquele projeto, de você ter uma fantasia... Por exemplo, eu sempre gostei de andar a cavalo, mas nunca tinha feito. Aí um cowboy — claro que o Rodriguinho, aquela criança, fez “WOOOO! VAMO ANDAR A CAVAAAALO!”.

É um pouquinho, é uma alquimia que acontece. Não é uma fórmula, não é de um jeito, mas essencialmente eu tenho que ver naquilo, aquilo precisa dialogar comigo. Não que eu me identifique — se eu vou fazer um assassino, eu não vou me identificar com os princípios do assassino, mas de repente eu vejo naquilo uma forma de me expressar e de falar daquilo e de discutir aquilo que talvez tenha uma importância até na minha própria vida e por aí vai. Mas você se relaciona com a personagem, internamente. E é uma coisa que vai se construindo e aí em algum momento você fala “hm, quero fazer isso”

| E negar papel?

Mesma coisa. Você não se relaciona. Você não se sente estimulado, ou você não se interessa ou pela história ou você fala “eu não tenho vontade de falar sobre isso, eu não concordo, não acho interessante a forma como isso tá sendo contado, como esse personagem se apresenta”.

| Mas você sendo brasileiro, especificamente falando lá de fora, vem muita coisa que defina você, tipo estereótipos, o latino, essas coisas?

Já houve mais, mas ainda existe.

| Você para pra pensar nisso ou escolhe o personagem independente?

Independente. Eu olho o personagem. Eu olho o que eu tou fazendo. É claro que eu já tive — poucas, pouquíssimas, mas já tive — oportunidades de fazer personagens que nem sequer deram ao trabalho de trocar o nome, quando vamos supor tava escrito Michael e eles não botaram “Rodrigo”, “Raul”, “Gonzalez”.

Não é porque no caso é um ator de origem latina que está fazendo. Eu acho que cada vez mais o mercado reflete isso. Por quê? Pela universalidade, porque o mercado hoje é o mundo. Você faz um filme pro mundo. Não tem muito essa, mas claro que ainda existe o estereotipo, claro que ainda existe o estrangeiro ou latino.

Claro que eu não vou fazer o Homem-Aranha.

| Até daria, cara!

Daria, mas ele é escrito, ele vai ser um americano. No mááááximo um australiano, ou inglês...

| Agora os super-herois são tudo britânicos…

Britânicos, é, mas eles nasceram falando inglês. A barreira da língua — o sotaque, etc — e outras questões filosóficas e políticas e sociais que a gente não precisa entrar aqui, mas isso ainda existe. Se você vê lá a Sala de Justiça, onde tem um ator latino ali? Não vi. Mas também foram cartuns escritos lá atrás...

| Mas isso tá mudando.

Tá! Eu concordo com você. Inclusive temos vááários brasileiros, craques no cartum. Cada vez eu tenho descoberto mais, que eu não conhecia, e eu tou olhando todas essas coisas...

| Você falou do Homem-Aranha. O elenco todo do novo filme é... Tipo, tem o gordinho, tem a Mary Jane que parece que é negra, eles tão…

Tão! Cada vez mais. Cada vez mais, cara. Porque é um reflexo. Eles tão acompanhando o movimento do mundo.

| A HBO é mais focada no conteúdo, até por ser uma TV fechada, e tudo mais. A Warner, por exemplo, ou grandes estúdios e TV aberta, geralmente pensam na audiência. Pra você, como ator, tem muita diferença na hora de trabalhar? Tem mais liberdade, ou…

Tem, tem diferença. Tem diferença porque o estúdio tá comprometido com o resultado financeiro do investimento. É um investimento. O que a gente chama de blockbuster, eles investem fortunas e o filme tem que dar retorno. Então, as diretrizes vêm deste lugar; existe um compromisso e por isso tem tantos produtores, tantas pessoas opinando e decisões são tomadas baseadas nesse compromisso com o lucro.

A HBO, por exemplo, tá muito mais compromissada, apesar do investimento ser alto, com o conteúdo. Então, pro artista, há! Se fica...

| Fica mais fácil, né?

Mais fácil não, mas.. mais gostoso. É mais gostoso.

| Cê falou, na hora de escolher personagens, sobre querer falar sobre algum assunto. Me lembrou uma entrevista que fiz com a Zoe Saldana, em que ela disse que os artistas, diante das injustiças e tal, têm de fazer alguma coisa, que ajuda muito o artista fazer sua arte. Você já escolheu algum papel ou pensa nisso às vezes, “se eu fizer isso, eu vou poder mostrar alguma coisa pra sociedade”?

Claro. Através do trabalho do artista, ele tá refletindo a vida humana. É isso que a gente faz. Quem são os personagens? São seres humanos. Então a gente tá o tempo todo falando da nossa natureza, de quem somos nós, das nossas angústias, das nossas alegrias, dos nossos problemas, das nossas dificuldades, desafios.

É claro que a partir do momento que você tá colocando isso pro público e ele tá se relacionando com aquilo, ele também tá pensando na sua própria natureza. Isso é, de certa forma, também um ativismo. Um ativismo humano, de a gente poder falar da gente. Então sim, tem uma influência, uma responsabilidade naturalmente, que vem com isso, e eu também penso nisso quando vou fazer os trabalhos, eu também tenho isso na minha consciência, faz parte das decisões, e eu procuro sempre humanizar. Eu acho que é a forma de você tentar, enfim, chegar mais próximo do que é importante, que é a humanidade — independente se é vilão, se é mocinho, qualquer um desses rótulos ou se o filme é sobre uma tragédia ou se é uma comédia.

Sempre você tá fazendo aqueles personagens tentando mostrar um pouco como a gente é, do que somos feitos. Tem sempre uma responsabilidade, tem sempre uma pessoa que vai se identificar. Ou não, vai falar “ah eu conheço alguém”, “minha prima passou por aquilo ali”, “ah não sei quem foi internado”. Você mexe com as pessoas, sem dúvida alguma. Eu tenho consciência disso e eu procuro humanizar sempre, pra trazer a complexidade e trazer o humano, porque desse jeito também não tem o certo e o errado, o bom e o mau. A gente tem um pouco de tudo. O olhar fica um pouco mais humano, mesmo. Um olhar de tentar não te dizer “é dessa forma, não é dessa forma”, te oferecer uma resposta pros seus problemas. É te fazer pensar, te fazer sentir.