Vai Anitta é um documentário engessado que acaba transformando a cantora em um ícone meio… chato demais.
“O clipe caro pra caceta… 70 mil dólares, amor! Dólares! Sou pão dura? [...] Eu não preciso! Sou de Honório Gurgel, meu filho, sou de Honório Gurgel. Real. Passei muito perrengue na minha vida.”
Esse é um trechinho de um áudio vazado em Setembro. Nele, Anitta reclama e detona alguém que a chamou de “pão dura”. Teve gente que disse que era sobre a Pabllo, outros acham que era pra um colunista de celebridades, existe também a versão de que seria divulgação de um clipe… enfim. Mas isso é mais um capítulo da narrativa que cerca a carreira da cantora: a da menina encantadora que veio do nada e conquistou tudo.
É isso que ela quer mostrar em Vai Anitta (sem a vírgula antes do vocativo mesmo). Separada em seis episódios, a série documental feita pelo Netflix mostra os bastidores do Checkmate, projeto pra que ela se consolidasse aqui no Brasil e finalmente decolasse lá fora, além de detalhes sobre sua vida e carreira. E ele seria bom... se não fosse TÃO artificial.
Anitta é um fenômeno interessante. De verdade. Sim, ela se atrapalhou em declarações desastrosas sobre a execução da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes e, mais recentemente, com seu posicionamento ante o presidente eleito do Brasil. Mas, ainda assim, é um acontecimento pop brasileiro e eu me animei com a ideia de conhecer mais sobre os bastidores. Já não consumo mais seu trabalho, mas talvez algo de legal aparecesse, né?
Nah.
Ao longo dos episódios, fica evidente a vontade dela de passar uma imagem de “gente como a gente” ao mesmo tempo em que vive uma realidade de diva. Algo meio Jenny From The Block, que pode ter muito mas não abandona suas raízes. Vemos muito seus pais, irmão, amigos e incontáveis citações ao bairro de Honório Gurgel. Como se ela mesma repetisse aquilo milhares de vezes pra tentar se convencer de algo. É estranho.
Existem também os depoimentos sobre o QUÃO SENSACIONAL ela é. Diretores de gravadoras, produtores, coreógrafos, colegas… todos parecem embasbacados com qualquer respiro. O documentário de uma artista vira rasgação de seda em segundos e aí é só chato de assistir. Não esperava ninguém falando mal dela e é CLARO que ela é uma artista importante que provocou mudanças. Mas, ali, ela é posta como uma deusa, inventora do pop brasileiro, dona do mercado fonográfico, cristal da publicidade, fada do consumo de música… tudo faz parecer como se vivêssemos em uma caverna antes de sua chegada. E isso é um exagero e tanto.
Talvez Anitta tenha assistido documentários demais sobre outras divas. Part Of Me da Katy Perry, Life Is But a Dream, sobre Beyoncé e Five Foot Two da Lady Gaga parecem ter sido enormes inspirações. Em VÁRIOS momentos dá pra reconhecer alguns pontos semelhantes, desde linguagem até planos parecidos. É uma salada de referências que, me parece, não teve muito refinamento. Parece meio jogado, mesmo.
Ela tenta se mostrar carismática. Vulnerável. Mas evita falar muito sobre algo que não seja o santo bairro de Honório Gurgel. Em um certo momento, fala sobre depressão. Diz que sabia que tinha algo de errado quando tinha tudo, mas não estava feliz. “Foi aí que eu soube que minha depressão tinha voltado”, conta. Curiosamente, logo depois, afirma: “nunca tinha tido depressão”. E não dá pra saber se isso acontece por conta da montagem do episódio ou porque ela caiu em contradição mesmo. E esse assunto some rapidinho. Assim como sua bissexualidade, que ela assumiu PINCELANDO sobre uma conversa que teve com a mãe sobre ~beijar meninas. Tudo isso deve ter, sei lá, 3 minutos. E termina com ela dizendo que sempre quis lutar a favor dos direitos LGBTQ+. E isso ter sido lançado depois daquele PAPELÃO nas eleições foi de um timing meio ruim.
Vai Anitta não deixa sua naturalidade transparecer e tudo parece mega coreografado, dando um ar de antipatia esquisito que ela não tava precisando, e que talvez nem seja dela
Dá pra sacar o trabalho que ela tem. Muitas coisas que acontecem ali são complicadas, gerir a própria carreira não é fácil e ela CLARAMENTE sabe o que está fazendo pra tudo decolar. Ela sabe a matemática da coisa, digamos, e muito bem. Mas, no final das contas, o que parece ser o grande objetivo de Vai Anitta não é alcançado.
É provável que fãs que já amem a Anitta se divirtam muito. Mas só. Talvez por conhecer TÃO bem as regrinhas da fama e do mercado, ela não consegue se mostrar frágil. Não deixa sua naturalidade transparecer e até mesmo os momentos descontraídos de brincadeiras parecem mega coreografados. Isso tudo dá todo um ar de antipatia esquisito pra sua personalidade que ela não tava precisando, especialmente agora, e que talvez nem seja dela.
Em entrevista, ela disse que planeja uma segunda temporada. Se rolar mesmo, tomara que ela consiga ajustar o tom. Porque dessa vez não rolou MESMO. ¯\_(ツ)_/¯