Com Machine Messiah, seu mais novo álbum, banda confirma a ótima fase – a melhor desde a saída de Max Cavalera – e se mostra ainda muito relevante no cenário metálico
“Me mostra uma canção boa que eles gravaram depois que eu saí”, soltou Max Cavalera recentemente em mais uma de suas inúmeras e INFINDÁVEIS entrevistas do tipo “preciso soltar farpas sobre o Sepultura mesmo já tendo saído da banda há duas décadas e, por algum motivo, esqueço que tenho outros trezentos projetos musicais para comentar”.
Bom, em resposta a este comentário, eu poderia mostrar tranquilamente o Nation (2001) ou o A-Lex (2009), dois álbuns que adoro. Mas confesso que entendo claramente o motivo de ambos serem, digamos, controversos. São retratos de um Sepultura numa ótima direção em busca de uma nova identidade, mas ainda tateando, ainda explorando. Tudo bem.
Só que uma coisa nem o Max, no seu íntimo mais profundo, pode negar: recentemente, o que não faltam são exemplos de música excelente na discografia do quarteto. Em especial, desde o poderoso e maduro Kairos, de 2011. Ele e The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart (2013) são provas vivas de que o Sepultura da era Derrick Green vive de longe a sua melhor fase.
Recém-lançado, Machine Messiah vem para solidificar este momento. É um disco importante, intenso, positivamente diverso, que não tem medo de arriscar. É o Sepultura pesado como sempre, tanto quanto em seus momentos mais clássicos do passado, mas soando moderno, contemporâneo.
É um disco mais veloz do que o seu antecessor, até, que era mais sombrio, soturno, climático (Sworn Oath, talvez, carregue mais neste clima dark, tenso, trevoso, meio gótico até). Mas, no contexto geral, dá pra dizer que ele dialoga bem com Chaos A.D., por exemplo. Mesmo assim, a faixa-título, que abre o álbum, chega a ter até uma pegada mais de metal tradicional, distanciando-se do thrash que sempre caracterizou a banda, com Derrick usando o vozeirão pra cantar inicialmente de maneira mais limpa e melódica, sem aquele gutural ao qual estamos acostumados.
O resultado deixa no ar uma atmosfera sutil que serve de prólogo ideal para a violenta cavalgada de I Am the Enemy, aquela pra deixar os fãs xiitas de boquinha fechada, que vem na sequência. A dobradinha talvez seja uma das mais mais gratas surpresas de Machine Messiah.
Tá bom, deixa eu fazer aqui um parênteses. Preciso confessar que cheguei mesmo a pensar duas vezes antes de ouvir este disco, em boa parte porque estava de BODE da banda por conta de algumas, digamos assim, decisões CONTROVERSAS. Mas além do momento incrível que eles estão passando, musicalmente falando, uma coisa que me fez voltar atrás na decisão foi justamente o Derrick.
Eu realmente simpatizo com o cara. Carismático, acessível, divertido, já tive a chance de entrevistá-lo duas vezes e tive certeza de que ele caminha no espectro diametralmente oposto aos fascistas que pareciam estar em volta dele. Por este cara, que está há quase duas décadas lutando para escrever sua própria história diante de um batalhão de tradicionalistas que ainda se referem a ele como “o novo vocalista do Sepultura”, eu perseverei em Machine Messiah.
E, definitivamente, não me arrependi. Basta ouvir Cyber God, a canção que sintetiza o tema que permeia todo o disco – o robô que é um salvador da humanidade, para ressaltar o uso desenfreado da tecnologia que, ao invés de apenas nos fazer evoluir e seguir em frente, escancarou e deu voz a uma série de lunáticos e aspirantes a messias – para perceber que estamos diante de um caminho bastante interessante para o Sepultura do futuro. Temos aqui um Derrick que entrega ao mesmo tempo o combo fúria + agressividade e também momentos de interpretação mais inspirada, cheia de sentimento. Funciona de maneira sublime.
Em resumo: não, não, mil vezes não, o vocalista do Sepultura não precisa ficar cantando eternamente como o Max. Já deu.
Outro destaque importante de Machine Messiah é a bateria. Porque, sabemos bem, a parte percussiva sempre foi fortíssima no Sepultura e Eloy Casagrande consegue, neste álbum, mostrar a que veio. No disco anterior, claro, ele esbanjou técnica, porque precisava mostrar que era não apenas um sucessor à altura do Jean Dolabella, mas principalmente do batera original, Iggor Cavalera. E foi bem demais. Passou no teste.
Mas aqui, mano, o cara tá mais à vontade e aí brilha MUITO. Quando começa a batida tribal que dita o som de Phantom Self, putz, que espetáculo. Na curtinha Vandals Nest, que é quase um hardcore, de levada simples e acelerada, é ele quem comanda o show, ligado no 220v. Mesmo em Alethea, que é uma canção confusa e um tanto irregular (ainda que não necessariamente ruim), a bateria vira protagonista.
Na faixa instrumental Iceberg Dances, talvez outro dos pontos mais altos e brilhantes do disco, Eloy e Andreas Kisser formam uma dupla imbatível – quando o guitarrista inventa de fazer uma sonoridade meio baião no seu instrumento, o baterista segura a bronca e não perde a pose, construindo um metal pesadão, que é ao mesmo tempo étnico, regional, mas soa atual, soa como metal feito em 2017. Pra completar, rola até um momento violão acústico com o bônus de um teclado meio Jon Lord, cortesia do maestro e arranjador Renato Zanuto.
Machine Messiah é metal nervoso, mas ainda cheio de groove, que usa uma alegoria futurista para falar do presente. Mas este acabou sendo um jeito interessante de fazer uma espécie de manifesto sobre o futuro da banda. Sobre quem eles pretendem ser nos próximos anos.
Da próxima vez que alguém vier com aquele papo de “reunião da formação clássica”, caberia colocar este disco pra rodar do início ao fim. Andreas não teria melhor argumento para rebater os eternos pedidos de quem simplesmente não consegue olhar pra frente.
Pra não concorrer com Mulan, Bill & Ted 3 vai estrear em VOD mais cedo: 28 de Agosto! https://t.co/Bu3VBYYW8X