Serious Black: supergrupo que tem tudo para ser super de verdade | JUDAO.com.br

Reunindo grandes músicos do gênero e com um nome que brinca com personagem de Harry Potter, banda lança seu debut – e vocalista concede entrevista exclusiva ao JUDÃO depois de uma notícia triste sobre o baterista… :(

Este papo de “supergrupo” é uma armadilha antiga no mundo do rock. Criado para designar bandas formadas por integrantes que foram sucesso em seus projetos solo prévios ou então em outras bandas, o rótulo dá aquela impressão de que estamos diante de uma verdadeira seleção de craques cuja união é certeza de qualidade. Mas nem sempre é assim. Há quem diga que o Cream (Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker) foi o primeiro supergrupo, batizado assim por um editor da revista Rolling Stone na década de 1960. Os últimos anos têm sido pródigos de projetos similares, com resultados que variam do “brilhante” ao “tenebroso” – de Audioslave a Velvet Revolver, passando por Five Finger Death Punch, Hellyeah, Chickenfoot, Them Crooked Vultures, Atoms For Peace, Black Country Communion e o mais do que esquecível Damnocracy, entre outros.

Quando músicos do calibre de Roland Grapow (guitarra, Masterplan, ex-Helloween), Thomen Stauch (bateria, ex-Blind Guardian), Mario Lochert (baixo, ex-Visions Of Atlantis), Dominik Sebastian (guitarrista, Edenbridge), Jan Vacik (teclado, ex-Dreamscape) e Urban breed (vocalista, ex-Tad Morose) se unem em mais uma promessa de supergrupo. a expectativa de qualquer fã do estilo das bandas mencionadas deve ficar lá em cima, é óbvio. O “supergrupo”, no caso, é o Serious Black, formado por estes velhos conhecidos do público do chamado power metal / metal melódico e que agora está lançando o primeiro disco, As Daylight Breaks, via AFM Records (ainda sem previsão de lançamento oficial por aqui).

O caso é: este é um daqueles supergrupos que faz, de fato, jus ao prefixo de “super”? Ou estamos diante de um projeto que ficou pelo meio do caminho – como o Symfonia, outra aposta de reunião de medalhões do metal melódico, criada por Timo “Tive um Surto” Tolkki (Stratovarius) e que pode aparecer como comparação óbvia no caminho do Serious Black? A resposta para a primeira pergunta é “sim”, só pra adiantar e acabar com a sua ansiedade...mas eu explico os motivos um pouco mais pra frente.

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Tivemos a oportunidade de agendar uma entrevista com o baterista Thomas (Thomen) Stauch, conhecido por aqui principalmente por ter comandado durante décadas as baquetas do Blind Guardian – até meados de 2004, quando deixou a banda dos bardos por “diferenças musicais” (é, aquele papo de sempre). Por conta do fim do ano e uma agenda de ensaios apertada, troquei mensagens por Skype com Thomen para acertamos o melhor dia para conversarmos e acabou ficando para os primeiros dias de 2015. Finalmente, quando chegou a hora, o baixista Mario foi quem entrou em contato e, gentilmente, me explicou uma situação extremamente desagradável. Há uma semana de iniciarem a sua primeira turnê europeia, Thomen estava internado em um hospital em Munique (e lá se mantinha, pelo menos até a data da publicação dessa matéria), com uma forte crise de hérnia de disco. De acordo com o seu parceiro de grupo, o problema pode ser tão grave que, detalhe, pode tirar as baquetas de Thomen para o resto da vida!

Fiquei extremamente chocado e comovido com a situação de Thomen, que por Skype se mostrou um cara muito simples e gentil, e também com a situação da banda. Além disso, sou admirador pessoal do sujeito que tocou bateria desdes os primórdios na maior banda da Terra-Média já existente. Mario, ainda com bom humor, me perguntou se eu me importava então em fazer a entrevista com o vocalista Urban breed. “Tivemos sorte, criamos uma química muito forte e somos uma unidade agora”, afirma breed (cujo sobrenome, por incrível que pareça, é grafado assim mesmo, com a letra B em caixa baixa), num papo exclusivo com o JUDÃO. “Eu acho que temos um grande futuro pela frente com o Serious Black e ainda, contando novamente com a sorte, o Thomen retornará em breve para tocar em nossos shows, pois ele é parte de tudo isso!”.

Surgida inicialmente de um papo, nos bastidores de um festival, entre Grapow e Mario – regado, é claro, a muita cerveja – a banda acabou batizada graças a uma das influências de literatura fantástica de Thomen, um fanático por Senhor dos Anéis e Harry Potter (pudera: o sujeito foi parte do Blind Guardian, não tinha como ser diferente). O trocadilho com “Sirius” e “Serious”, usado para reforçar a característica sombria de uma banda de metal, acabou funcionando bem.

O cantor revela, porém, que foi o último a entrar no projeto. “Depois que toda a banda já estava formada, o Mario achou a minha filha no Facebook, pois eu não tenho Facebook”, confessa. “Daí ela me contou que estavam procurando por mim, pra entrar na banda. Liguei para o Mario na hora, fiz as malas e peguei o avião da Suécia até a Alemanha pra me encontrar com esses caras. Eu acho que inclusive estou nessa especialmente por causa do meu estilo em outra banda, chamada Trail of Murder. Thomen gosta muito do jeito que canto com eles e existe até uma canção com o nome do grupo no disco do Serious Black”, conta.

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O vocalista Urban breed

Mas o processo não foi tão fácil quanto parece – afinal, quando Urban chegou, quase todo o material estava composto. “Essa questão do respeito mútuo ajudou muito para que eu sugerisse algumas mudanças não só pra encaixar a minha voz, mas pra ter outro direcionamento musical. Algumas coisas não consegui mudar, mas bandas funcionam assim, não tem problema”. O cantor afirma que gosta de fazer parte do processo de composição e não só de cantar músicas prontas de outros músicos – e percebeu que no Serious Black já tem essa liberdade. “Cada um de nós tenta trazer ideias baseadas em coisas que amamos na música e juntar as partes. No fim, todos nós temos um gosto muito semelhante, então isso facilita muito o processo de composição”.

Para o cantor, o rótulo de supergrupo não incomoda – mas também não causa nenhuma comoção. “Eu acho que você sempre vai encontrar gente totalmente desconhecida e altamente capacitada e gente muito conhecida e com capacitação questionável pra se fazer qualquer coisa, seja na música ou outra coisa. Eu acho que, no nosso caso, a gente se deu bem, pois criamos uma ótima atmosfera pra se trabalhar. Já são todos de idade, com bastante experiência”, brinca, aos risos. “Rola stress e discussão como em qualquer outro grupo, mas diferente das nossas ex-bandas, agora nós aprendemos a lidar com a opinião um do outro melhor. Se as coisas parecem fora do controle, cada um vai pra um canto, pensa melhor e depois a gente volta a se conversar, tudo com bastante respeito”.

Afirmando que “não é exagero dizer que 95% das críticas ao álbum têm sido muito boas”, ele comemora que a turnê europeia seja em parceria com os suecos do Hammerfall – que acabou de passar pelo Brasil em uma série de shows conjuntos com Edguy e Gotthard. Mas, mesmo assim, esta turnê inaugural teria chances de ter datas aqui no Brasil também, mesmo que fosse com o Serious Black tocando sozinho? “Boa pergunta”, afirma, com honestidade. “Eu acho que até então temos datas em negociação para Índia e China, falando de países fora da Europa. Nós vamos tocar até o fim de fevereiro com o Hammerfall. Para EUA e Canada estamos tentando ir ainda esse ano, porém mais provável mesmo que só somente ano que vem. Para a América do Sul eu realmente ainda não sei, mas eu espero que isso esteja já em negociação, para que possamos tocar no Brasil em breve!”.

O entusiasmo em tocar por aqui, claro, se deve aos motivos de costume – afinal, Urban breed nunca esteve em nossos palcos mas sempre escutou muitas coisas boas a respeito do público brasileiro que consome heavy metal, inclusive dos colegas de banda Grapow e Stauch. “Ouvi falar da reputação dos fãs brasileiros que, além de serem muito leais às bandas que gostam, também agitam muito nos shows”.

Falando sobre o disco...

Você já deve ter lido a matéria do Cardim sobre as muitas crias do Helloween, certo? Pois é, quando você presencia um novo grupo nascendo e que tenha pelo menos um ex-membro do banda da abóbora feliz, como é o caso do Serious Black, logo dá pra tentar encaixar a banda nessa lista.

Mas isso não é necessariamente uma coisa ruim. Apesar de ser MAIS uma banda de power metal melódico, não soa como APENAS mais uma nesse oceano de bandas do mesmo estilo. A banda tem gabarito pois, além de contar com músicos experientes e há anos no ramo, eles também são amigos de longa data e transparecem amar o que fazem. É isso que dá para sentir em cada faixa deste disco de estreia, As Daylight Breaks.

A primeira música (e primeiro single), I Seek No Other Life, tem uma letra que representa um pouco o sentimento de cada membro da banda, que sempre buscou fazer o que gosta na vida – tocar música pesada! E com uma sensação de urgência, de quem não quer deixar nada para depois. “I’ve told you a thousand times / The time and the place must be now”, diz a faixa em dado momento, para depois completar mais à frente: “I live today / I live tonight / I stand alone and I alone decide what’s right”. Vigorosa, ela já dá uma boa azeitada nos ouvidos para as outras canções.

Para ser honesto, não existem surpresas ou invencionismos nesse disco, porém aquelas faixas rápidas e com refrões grudentos que os fãs desse estilo tanto apreciam estão presentes com sobra – como é o caso de Sealing My Fate,  Akhenaton (que conta a história de um faraó louco do Egito, conceitual daquele jeitão que os melódicos adoram) e My Mystic Mind, que alterna bons momentos de velocidade com outros mais cadenciados e que já virou uma das minhas favoritas. Pra quem busca uma mistura de velocidade com mais peso, faixas como Trail of Murder e Older and Wiser não vão deixar a desejar.

Talvez o mais legal nesse disco de estreia é que cada faixa ajudou a criar uma identidade própria para o grupo, ainda que dentro de um gênero que nos últimos anos tem sido pródigo em bandas que não querem dizer nada e ficam tentando repetir a mesma fórmula à exaustão. O álbum não soa como um apanhado de covers e/ou repetições das antigas passagens dos membros dos Serious Black, o que seria uma tentação considerável para garantir o sucesso sem muito esforço. Junte a esta coragem a produção com acabamento polido e a ótima arte gráfica do encarte e, bingo, você tem um grande acerto nas mãos.

Lembra que eu comentei a respeito do Symfonia – e sobre como a comparação com o Serious Black seria inevitável, já que todos são advindos da cena do power metal? A união de ex-integrantes do Angra, Stratovarius, Helloween e Sonata Arctica parecia matadora. Pelo menos na teoria, claro. Mas o resultado de seu primeiro e único disco, In Paradisum, não ultrapassa o mediano, com faixas que se apóiam exageradamente nos clichês dos anos 1990, fazendo com que o resultado final soe datado, envelhecido. Estamos falando de um disco que infelizmente tem cheiro de mofo. A tradição que Tolkki e seus colegas de banda carregam na bagagem merecia uma honraria maior...

Felizmente, este não foi o caso do Serious Black. Tomara que todo esse cuidado e profissionalismo de Grapow, Urban e cia. tragam longa vida a esse grupo – que mostra suas qualidades sem precisar recorrer a qualquer tipo de apelo emocional dos fãs de Helloween, Blind Guardian e demais ícones do estilo dos quais seus músicos são egressos. Era de se esperar que a banda reciclasse as referências, bebendo do passado mas revestindo suas novas composições com uma roupagem mais moderna e atual. Este objetivo, pelo menos, eles conseguiram atingir com louvor.

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Alex Estevam foi convidado pra escrever esta matéria. Fã de heavy metal desde sempre (há quem diga que ele nasceu batendo cabeça), já foi colaborador de sites como Whiplash e Território da Música. Além disso, é companheiro frequente do Cardim em shows – embora ambos admitam que estão ficando velhos para isso. :D